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Como cai um avião

O avião é o meio de transporte mais seguro que existe. Mas não é infalível. Veja o que acontece durante um acidente

Por Bruno Garattoni e Sylvia Estrella
Atualizado em 11 mar 2019, 15h33 - Publicado em 1 Maio 2011, 22h00

“Senhores passageiros, sejam bem-vindos. Em nome da SincereAir, a companhia aérea que só fala a verdade, peço sua atenção para algumas instruções de segurança. Primeiramente, gostaríamos de parabenizar os passageiros que estão sentados no fundo da aeronave – em caso de emergência, sua chance de sobreviver será bem maior. Durante a decolagem, o encosto de sua poltrona deverá ser mantido na posição vertical. Isso porque, em nossa nova e moderna frota de aeronaves, as poltronas da classe econômica são tão apertadas que impedem a evacuação da aeronave em caso de emergência.

Na verdade, se a segurança fosse nossa maior prioridade, colocaríamos todos os assentos virados para trás. Metade do ar dentro da cabine é reciclado, o que nos ajuda a economizar combustível. Isso poderá reduzir a taxa de oxigênio no seu sangue, mas não costuma ser perigoso – e geralmente causa uma agradável sonolência. Mantenha o cinto de segurança afivelado durante todo o voo – ou você poderá ser vítima de turbulência, que é inofensiva para a aeronave, mas mata 25 passageiros por ano. Lembramos também que o assento de sua poltrona é flutuante. Não que isso tenha muita importância: a probabilidade de sobreviver a um pouso na água com um avião grande é mínima (geralmente a aeronave explode ao bater na água). Obrigada por terem escolhido a SincereAir, e tenham todos uma ótima viagem!”

Nenhuma empresa aérea revelaria verdades como essas. Afinal, mesmo que o avião seja o meio de transporte mais seguro que existe, ele não é (nada é) 100% seguro. A partir de uma série de estudos feitos por especialistas, chegamos às principais causas de acidentes – e descobrimos fatos surpreendentes sobre cada uma delas. Prepare-se para decolar (e cair).

Despressurização

Quando as máscaras caem.

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(Ilustração: Cássio Bittencourt/Superinteressante)
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Quanto mais alto você está, mais rarefeito é o ar. Com menos resistência do ar, o avião consegue voar muito mais depressa – e gasta bem menos combustível. É por isso que os aviões comerciais voam bem alto, a 11 km de altura. O problema é que, nessa altitude, a pressão atmosférica é muito baixa. Não existe ar suficiente para respirar. Por isso, os aviões têm um sistema que comprime o ar atmosférico e joga dentro da cabine: a pressurização. É uma tecnologia consagrada, que estreou na aviação comercial em 1938 (com o Boeing 307). Mas, como tudo na vida, pode falhar.

Sabe quando a aeromoça diz que “em caso de despressurização, máscaras de oxigênio cairão automaticamente”? Não assusta muito, né – parece bem menos grave do que uma pane na turbina do avião, por exemplo. Ledo engano. A despressurização pode matar, e rápido. Ao contrário do afogamento ou de outros tipos de sufocação, aos quais é possível resistir por alguns minutos, uma despressurização aguda faria você apagar em menos de 15 segundos.

Em agosto de 2008, um Boeing 737 da companhia Ryanair, que ia para Barcelona, sofreu despressurização parcial da cabine. “Veio uma lufada de vento gelado e ficou incrivelmente frio. Parecia que alguém tinha aberto a porta do avião”, contou um dos passageiros ao jornal inglês Daily Telegraph. Para piorar as coisas, nem todas as máscaras de oxigênio caíram automaticamente. E, das que caíram, várias não liberavam oxigênio. O que salvou os 168 passageiros é que o avião estava voando a 6,7 km de altura, mais baixo do que o normal, e isso permitiu que o piloto reduzisse rapidamente a altitude para 2,2 km, onde é possível respirar sem máscara.

Falha estrutural (ou como a força G pode despedaçar a aeronave).

O avião pode perder uma asa, leme ou outra parte vital quando está no ar. Quase sempre, o motivo é manutenção malfeita – a estrutura acumula desgaste até quebrar. Mas isso também pode acontecer com aeronaves em perfeito estado. Se o piloto fizer certas manobras, gera forças gravitacionais muito fortes – e a fuselagem arrebenta.

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Foi o que aconteceu em 2001, com um Airbus A300 da American Airlines que decolou de Nova York. O piloto pegou turbulência, se assustou e tentou estabilizar a aeronave com movimentos normais, porém bruscos. O rabo do avião quebrou e o A300 caiu, matando 260 pessoas.

Pode parecer um caso extremo, mas a resistência dos aviões à força G é uma preocupação central da indústria aeronáutica. Os jatos modernos têm sistemas que avisam quando estão voando com ângulo, velocidade ou trajetórias que possam colocar em risco a integridade da fuselagem. E a Boeing adiou o lançamento do avião 787 para alterar o projeto dele (simulações indicaram que, durante o voo, as asas poderiam sofrer forças G altas demais).

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(Ilustração: Cássio Bittencourt/Superinteressante)

Pane nas turbinas

Acontece. Mas não pelo que você pensa.

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O maior inimigo das turbinas não são as falhas mecânicas; são os pássaros. Entre 1990 e 2007, houve mais de 12 mil colisões entre aves e aviões. As turbinas são projetadas para suportar alguns tipos de pássaro (veja abaixo), e isso é testado em laboratório com uma máquina, o “canhão de galinhas”, que dispara frangos mortos contra as turbinas a 400 km/h.

Se o avião perder um dos motores, consegue voar só com o outro. Mas, se isso acontecer durante a decolagem, quando a aeronave está baixa e lenta (90% dessas colisões acontecem a menos de 1 000 metros de altitude), ou se os pássaros destruírem ambas as turbinas, as consequências podem ser dramáticas.

Como no incrível caso de um Airbus A320 da US Airways que perdeu os dois motores logo após decolar de Nova York, em janeiro de 2009. Mesmo sem nenhuma propulsão, o piloto conseguiu voar mais 6 minutos e levar o avião até o rio Hudson. Num dos raríssimos casos de pouso bem-sucedido na água, ninguém morreu.

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(Ilustração: Cássio Bittencourt/Superinteressante)

Falha nos computadores

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Sim, eles também se enganam. E quando isso acontece…

Os computadores de bordo são vitais na segurança de voo. Mas também podem falhar. Como no caso do Airbus A330 – o mais computadorizado dos jatos atuais. Nos últimos 12 meses, sete A330 enfrentaram uma situação crítica: partes do computador de bordo desligaram ou apresentaram comportamento errôneo. Num desses casos, o desfecho foi dramático (o voo da Air France que ia de São Paulo para Paris e caiu no oceano Atlântico, matando 232 pessoas).

Mas o problema não é exclusividade da Airbus. Em agosto de 2005, um Boeing 777 da Malaysia Airlines que decolou da Austrália teve de retornar às pressas depois que, aos 18 minutos de voo, o piloto automático começou a inclinar o avião de forma perigosa. Era um problema de software.

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(Ilustração: Cássio Bittencourt/Superinteressante)

Erro humano

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Na maior parte das vezes, o piloto tem (alguma) culpa.

Os acidentes aéreos são uma sequência de erros que se somam. E, em 60% dos casos, essa equação inclui algum tipo de falha humana. A pior de todos os tempos aconteceu em 27 de março de 1977. Foi na ilha de Tenerife, um enclave espanhol a oeste da costa africana. Vários fatores se juntaram para produzir essa tragédia. Primeiro: um atentado terrorista fechou o principal aeroporto de lá e fez com que todo o tráfego aéreo fosse desviado para um aeroporto menor, Los Rodeos, que ficou sobrecarregado e cheio de aviões parados no pátio. Entre eles, dois Boeing 747. Um vinha de Amsterdã, o outro de Los Angeles. O avião americano solicitou autorização para decolar. Quem estava no comando era o piloto Victor Grubbs, 57 anos e 21 mil horas de voo. A torre de controle respondeu negando – era preciso esperar a saída do outro 747, o holandês, pilotado pelo comandante Jacob van Zanten. Zanten ficou impaciente, porque sua tripulação já estava em serviço havia 9 horas. A torre de controle reposicionou as ae­ronaves. O nevoeiro era muito forte e, por um erro de comunicação, o avião americano foi parar no lugar errado. Ignorando instruções, o 747 holandês começou o procedimento de decolagem. Ace­lerou e bateu com tudo no outro avião, que manobrava à frente. Foi o pior acidente da história, com 583 mortos.

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(Ilustração: Cássio Bittencourt/Superinteressante)
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(Ilustração: Cássio Bittencourt/Superinteressante)
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(Ilustração: Cássio Bittencourt/Superinteressante)

Turbulência

Como o avião pode perder a sustentação no ar.

Turbulência não derruba avião. Os jatos modernos são projetados para resistir a ela. Você já ouviu esse discurso? É uma meia-verdade. Um levantamento feito pela Federal Aviation Administration (FAA), agência do governo americano que estuda a segurança no ar, revela que entre 1992 e 2001 houve 115 acidentes fatais em que a turbulência esteve envolvida, deixando 251 mortos. Na maior parte dos casos, eram aviões pequenos, mas também houve mortes em aeronaves comerciais – as vítimas eram passageiros que estavam sem cinto de segurança, e por isso foram arremessados contra o teto a até 100 km/h (velocidade suficiente para causar fratura no pescoço). Ou seja: em caso de turbulência, o maior perigo não é o avião cair. É você se machucar porque está sem cinto.

Os aviões têm instrumentos que permitem detectar com antecedência as zonas turbulentas, dando tempo para desviar, mas isso nem sempre é possível: existe um tipo de turbulência, a “de ar limpo”, que não é captada pelos instrumentos da aeronave. Felizmente, é rara: só causou 2,88% dos acidentes fatais.

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(Ilustração: Cássio Bittencourt/Superinteressante)

 Pane hidráulica

Existe um encanamento que corre por toda a fuselagem. Se ele furar, as consequências podem ser terríveis.

Os controles do avião dependem do sistema hidráulico – uma rede de canos que liga o cockpit às partes móveis do avião. Esses canos estão cheios de fluido hidráulico, uma espécie de óleo. Quando o piloto dá um comando (virar para a esquerda, por exemplo), um sistema de bombas comprime esse óleo – e o deslocamento do líquido movimenta as chamadas superfícies de controle. São as peças que controlam a trajetória do avião, como o leme e os flaps.

O sistema hidráulico é tão importante, mas tão importante, que os aviões modernos têm nada menos do que três: um principal e dois de reserva. Por isso mesmo, a pane total é muito rara. Mas ela é o pior pesadelo dos pilotos. “O treinamento para situações de pane hidráulica é muito frequente e exige bastante dos pilotos”, explica o comandante Leopoldo Lázaro. Se os 3 sistemas hidráulicos falharem, a aeronave perde totalmente o controle. E isso já aconteceu.

Em julho de 1989, um McDonnell Douglas DC-10 decolou de Denver com destino a Chicago. Tudo corria bem até que a turbina superior, próxima à cauda do avião, explodiu. Estilhaços do motor penetraram na fuselagem e cortaram os canos de todos os sistemas hidráulicos. O avião não tinha como subir, descer, virar nem frear. Aí o comandante Alfred Haynes, 58 anos e 37 mil horas de voo, realizou uma das maiores proezas da história da aviação. Usando o único controle de potência das turbinas, o único que ainda funcionava no avião, conseguiu fazer um pouso de emergência. A aeronave explodiu, mas 185 dos 296 passageiros sobreviveram.

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(Ilustração: Cássio Bittencourt/Superinteressante)

Um avião grande carrega 600 litros de fluido hidráulico, que se distribui por redes de canos.

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(Ilustração: Cássio Bittencourt/Superinteressante)

Fonte – Boeing

Meses de risco

Em quais épocas do ano acontecem mais acidentes*

Jan – 8,96%

Fev – 7,4%

Mar – 8,77%

Abr – 6%

Mai – 5,84%

Jun – 8,18%

Jul – 9,74%

Ago – 8,96%

Set – 9,55%

Out – 8,18%

Nov – 9,55%

Dez – 7,79%

* A soma não dá 100% devido a arredondamento.

Fonte – Aircraft Crashes Record Office

As aeronaves que mais caíram

Em acidentes fatais por milhão de decolagens

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Fonte – Boeing (Ilustração: Cássio Bittencourt/Superinteressante)
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