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Comprei um molho de tomate com bitcoin – e paguei R$ 26 em taxas

Fui às compras com bitcoins no bolso - e descobri que usá-los para adquirir alguma coisa não é tão simples quanto parece

Por Thiago Lavado, de Exame.com
Atualizado em 21 dez 2017, 16h13 - Publicado em 21 dez 2017, 16h01

Nós tendemos a definir o bitcoin como uma moeda virtual, mas esse conceito é, de certa forma, disputado. Projetado para ser uma forma de dinheiro que facilitaria as trocas entre duas pessoas, pagar algo com bitcoin não deveria ser mais difícil do que usar um cartão de crédito. Com cem reais no bolso (mais ou menos), ou melhor dizendo na carteira, fui às ruas para tentar gastar 0,001592 bitcoins — que valiam exatos R$ 93,43 na tarde de sexta-feira, 15 de dezembro — e tentar descobrir se é realmente fácil ( e barato) pagar com bitcoin. Para antecipar as conclusões: fácil até é; barato, de jeito nenhum. E essas questões são decisivas para entender o bitcoin, suas potencialidades, e seu futuro.

Na teoria econômica são três as funções da moeda: unidade de contagem, reserva de valor e meio de pagamento.

Sabemos que o bitcoin tem uma função como reserva de valor, afinal as pessoas investem nele, usam para fazer transferências internacionais, ou para carregar valores entre países.

Mas o bitcoin não funciona como unidade de contagem, muito por causa da extrema volatilidade da moeda.

Mas, afinal de contas, o bitcoin, que funciona para comprar uma série de coisas, de drogas no submundo da internet até apartamentos na empreiteira Tecnisa ou shows da dupla sertaneja João Bosco e Vinícius, é um bom meio de pagamento?

Dos vários lugares famosos por aceitar bitcoin na cidade de São Paulo, alguns não aceitam mais a moeda, como a bicicletaria Las Magrelas, ou vendem artigos que não compramos o tempo todo, como a loja especializada em fones de ouvido Foneland.

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Para torrar minha fortuna em bitcoins escolhi o restaurante Tartuferia San Paolo, que aceita a moeda virtual há cerca de seis meses.

Segundo Lalo Zanini, proprietário do restaurante, a opção nasceu de uma parceria com o site Coinwise, que fornece carteiras digitais de bitcoin, e os clientes que compram com esse meio de pagamento gastam até três vezes mais do que aqueles que pagam por meios mais convencionais.

“Começou bem devagar, mas hoje já temos uma média de 20 pagamentos mensais com bitcoin em cada loja. Vale muito a pena por causa do marketing e do custo, fazemos isso circular nas redes sociais. Ano que vem já planejamos o dia do bitcoin, com grandes descontos para quem escolher esse meio de pagamento”, disse.

Segundo Zanini, a opção também tem bom custo benefício para ele, já que a parceria com a Coinwise tem custo de 1%, abaixo dos valores cobrados por operadoras de cartão, por exemplo.

Na Tartuferia San Paolo, comprei um molho de tomate com trufas, pelo salgado valor de 57 reais. O preço em real não muda porque é em bitcoin, mas como as cotações são calculadas de maneira diferente pelas diferentes carteiras, o preço pode variar rapidamente.

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A transação também é bem rápida: as carteiras de bitcoin mais usadas funcionam por leitura de QR Code e permitem que todo o processo seja realizado em instantes, aproximando um celular de outro.

No entanto, esse não é o verdadeiro problema de se fazer um pagamento por bitcoin, e sim a escalabilidade da moeda, que não permite muitos pagamentos por segundo e cobra taxas que são altas para pequenas transferências.

O molho de tomate me custou 57 reais, mas para transferir esse dinheiro paguei outros 26 reais. Conta total: 83 reais.

A questão é a escala

Pelo funcionamento do bitcoin, um novo bloco é colocado na cadeia, a blockchain, a cada 10 minutos, em média.

Nos blocos estão as transações que  foram realizadas entre diferentes agentes, assinadas e certificadas, impedindo que haja pagamentos dobrados ou fraudes.

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Por causa desse funcionamento, o número de transações da cadeia é limitado ao tamanho e tempo de processamento de bloco.

Um bloco tem apenas 1mb, grande o suficiente para quase 5.000 transações e pequeno o suficiente para evitar que a criptografia necessária para anexar um bloco à cadeia fosse feita somente por usuários com máquinas muito potentes, a um custo elétrico proibitivo, o que ameaçaria a descentralização da rede.

Os mineradores fazem os cálculos necessários para criptografar os blocos na cadeia e são recompensados em bitcoin por isso.

Esse é o funcionamento básico do processo de mineração. Com isso, a média de transações que o bitcoin consegue realizar por segundo fica entre 8 e 10.

Na comparação, a operadora de cartões de crédito Visa afirma em seu site que pode fazer até 24.000 pagamentos por segundo — um total de 150 milhões por dia, bem acima do bitcoin.

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Quando se compra algo em bitcoin, paga-se uma pequena taxa para o minerador, para que o trabalho de realizar a criptografia seja remunerado de alguma maneira além das moedas.

Isso impediria o colapso da rede em 2140, quando o último bitcoin deve ser minerado, mantendo incentivos depois que o último bitcoin for minerado.

Essa taxa é paga numa unidade chamada satoshi (dado em homenagem ao criador da moeda, o anônimo Satoshi Nakamoto) e corresponde à menor unidade atual de bitcoin, 0,0000001, um centésimo de milésimo. De fato, a unidade é irrisória e 1 satoshi vale menos de 1 centavo de dólar.

Mas, vamos aos cálculos. A média de transações tem 225 bytes e as taxas são pagas em “satoshis” por byte.

Segundo o site Bitcoinfees, que calcula taxas de transferência, a tarifa mais barata e mais rápida para um pagamento, necessária para uma transação quase instantânea, no momento em que esta reportagem foi fechada, era de 530 satoshis por byte, o que daria 117.520 satoshis por transação.

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Em bom português, esse valor corresponde a nada menos do que 21,30 dólares. Para cada transação que precisa ser fechada em instantes, dentro dos próximos blocos.

De acordo com o operador de uma corretora local, há transações que estão aguardando há semanas, algumas até mais de um mês, pelo processo de conclusão porque as taxas pagas eram baixas demais.

O motivo é que os mineradores acabam indexando primeiro as operações que têm taxas mais atrativas.

Como resultado, mineradores de bitcoin embolsaram 11 milhões de dólares no último dia 17, apenas em taxas, de acordo com o site de informações Blockchain.info.

No mesmo dia de novembro, o valor pago pelos usuários em taxas de transação havia sido de 2,2 milhões de dólares.

Para Gabriel Aleixo, co-fundador do Bitcoin Hub Brasil, centro de estudos em Bitcoin, e pesquisador no Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, a questão da escala é atualmente o maior problema do bitcoin diante de se tornar um meio de pagamento expressivo em escala global.

“Em agosto foi implementado uma atualização no sistema, chamado SegWit, que apesar de não ter a escalabilidade como objetivo inicial, consegue aumentar a escala ao reduzir o tamanho das transações e comprimir mais transações num único bloco, sem a necessidade de aumentar o tamanho”.

O problema da escala afeta o bitcoin globalmente, independente de país ou de local da transação. Mesmo nos lugares onde ele é mais aceito como meio de pagamento, reconhecido assim por órgãos do governo ou bancos centrais, como Japão, Singapura e Estônia. A questão de escala é relativa à estrutura da moeda, que impede uma gama gigantesca de pagamentos simultâneos.

Aleixo explica que só há duas maneiras de aumentar a escala de pagamentos: ou diminui-se o tamanho da transação, ou aumenta-se o tamanho da cadeia.

Aumentar o número de mineradores não funcionaria, porque a dificuldade de solucionar os cálculos necessários para adicionar um bloco à cadeia aumenta na proporção que o número de mineradores aumenta, um artifício necessário para evitar que a entrada massiva de mineradores na rede jogasse uma quantidade absurda de bitcoin de uma só vez no mercado, o que causaria a inflação da moeda.

Aumentar o tamanho do bloco é uma solução em disputa. Inclusive foi o que forçou a separação entre bitcoin e bitcoin cash em agosto.

O bitcoin cash tem um bloco médio de 8mb, ou seja é 8 vezes maior e permite 8 vezes mais transações que o bitcoin tradicional.

Em entrevista ao site sueco de tecnologia Breakit, o diretor de tecnologia do site Bitcoin.com, Emil Oldenburg, disse que pelos custos de transação vendeu todos os seus bitcoins e comprou bitcoin cash.

“Quando eu vendi meus bitcoins, precisei pagar 50 dólares e esperar 12 horas para que a transação se completasse. A antiga rede do bitcoin é virtualmente inutilizável. É no bitcoin cash que estão as soluções, é onde vejo o futuro”, disse.

Mas o que acontece quando 8mb se tornar insuficiente para processar o volume de transações? Mesmo oito vezes maior, a capacidade de processamento por segunda ainda seria muito aquém daquela de operadores de cartão como Visa ou Mastercard. Aumenta-se o tamanho para 16mb, 32mb?

“O que pode solucionar o problema em um ano ou um ano e meio são soluções fora da cadeia, como a Lightning Network, que funcionaria como uma segunda camada para pagamentos menores, de um café por exemplo”, afirma Aleixo.

A Lightning Network funcionaria como uma espécie de rede paralela de trocas, baseada em fundos que estão na blockchain.

A ideia é que ao invés de fazer pagamentos diretamente na blockchain, cria-se contratos digitais entre partes que confiam mutuamente umas nas outras, com uma entidade digital gerindo e registrando os contratos na blockchain assim que possível.

Segundo seus projetistas, o projeto poderia permitir até milhões de transações por segunda a custos mínimos. O projeto ainda é incipiente e polêmico junto da comunidade.

Quando comprei meu molho de tomate por 57 reais, fiz a transação utilizando uma taxa de 200 satoshis por byte, abaixo do que a minha carteira dizia ser a taxa regular, que no dia era por volta de 350 satoshis. Ainda assim a taxa foi de 26 reais e levou algumas horas para ser confirmada.

Pagar 26 reais para transferir milhares de dólares de uma conta para outra, ou mesmo de um país para outro, é um valor aceitável. Mas é  proibitivo quando pensamos nas compras cotidianas — em pagar um almoço, ir ao mercado ou à farmácia.

Conteúdo originalmente publicado em Exame.com

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