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A prova que faltava

Massas gigantes criam ondas gravitacionais

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h38 - Publicado em 31 jul 1989, 22h00

Clifford M. Will, Adaptado por Flávio Dieguez

Com naves espaciais e radiotelescópios, a ciência moderna demonstra que Einstein estava absolutamente certo

A mais precisa prova de que a Teoria da Relatividade descreve corretamente o Universo não foi realizada na Terra e seu principal personagem não tem nada de humano. Em vez de gente, a experiência contou com a participação da esperta nave americana Viking, que em 1976 viajou 60 milhões de quilômetros até o planeta Marte na primeira tentativa de encontrar sinais de vida extraterrestre. Essa ultima missão deu resultado negativo, mas a nave acabou inaugurando uma nova era de medidas da curvatura do espaço-tempo, empregando os sofisticados meios da tecnologia espacial. Guiada por computadores e orientada por sinais combinados de radar e de raios X, enviados da Terra, ela pôde medir um fenômeno instigante que o próprio Einstein não havia chegado a imaginar.
É um efeito curioso porque mostra que as curvas do espaço-tempo tornam tudo mais distante do Universo. Desse modo, na época em que o Sol se encontra praticamente na região entre a Terra e Marte – e seria preciso passar rente a ele para fazer a viagem -, o percurso se torna automaticamente, 19 quilômetros mais extenso do que em outras épocas. A razão é que em regiões afastadas do Sol o espaço é relativamente plano e o vôo pode ser feito em linha quase reta. Mas à medida que os planetas se movem em suas órbitas, colocando-se em lados opostos do Sol, o percurso entre eles passa por regiões onde o espaço é fortemente encurvado pela gravidade solar. Assim o trajeto em curva se torna forçosamente mais longo.
É bom lembrar que a nave não tem de fazer nenhum contorno: é o próprio espaço que se torna curvo. Por mais que tentasse voar diretamente para Marte, a viagem mais curta possível será 19 quilômetros mais longa do que passando pelas regiões mais planas do sistema solar. Essa diferença poderia ser medida de uma maneira muito simples, empregando réguas comuns. Mas a Viking recorreu ao seu próprio sistema de orientação que mede constantemente a distancia entre a nave e a Terra por meio de sinais de radar, cuja velocidade é igual a da luz, 300 mil quilômetros por segundo. Portanto, quanto mais os sinais demoram a ser recebidos pela nave, mais distante ela estará da Terra.
O computador de bordo calcula o percurso dos sinais a cada momento e informa a posição da nave com um erro de apenas 10 metros numa viagem de milhões e quilômetros. Essas medidas foram o primeiro passa para testar a Teoria da Relatividade quando a Viking já estava pousada em Marte. Os cientistas completaram então a distancia do planeta em duas ocasiões: primeiro, quando o sinal de radar percorreu uma região afastada do Sol; segundo, quando teve de passar rente ao Sol. Ora, como a distancia entre a Terra e Marte muda entre uma e outra medida, porque os planetas estão se movendo e sua posição varia no céu, compararam-se as medidas atuais com o valor previsto pelas antigas leis da Astronomia, para as quais o Universo é totalmente plano.

Como um super-herói, Einstein leva ao espaço um carregamento de réguas para mostrar que a curvatura do espaço-tempo é maior perto do Sol: O lado do quadrado nessa região é mais longo que os outros três

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Massas gigantes criam ondas gravitacionais

Assim, observou-se que a primeira distância, calculada em lugares afasta¬dos do Sol, não diverge muito do va¬lor tradicional. A segunda distância, porém, tem um valor bem diferente, aproximando-se da previsão da Relati¬vidade. O primeiro a perceber que o Universo einsteiniano podia conter ro¬tas mais curtas ou mais longas, depen¬dendo das regiões que atravessassem, foi o astrônomo americano lrwin Sha¬piro. Ele expôs a sua idéia pela pri¬meira vez em 1964. E preciso ressaltar que esse fenômeno não é o mesmo previsto por Einstein sobre a curvatura de um raio de luz ao passar próximo do Sol, que foi medido ainda em 1919 (SI n.º ano 3)
Nos dois casos, porém, a causa é a mesma, ou seja, a forte curvatura do espaço-tempo nas proximidades de um grande astro. Isso faz com que a luz de uma estrela se desvie de sua rota e a es¬trela apareça fora de sua posição no céu. Mas, além disso, é claro que o trajeto percorrido pela luz também fica mais longo – esse é o efeito previsto por Shapiro. Em 1919, ninguém pen¬sou em tal possibilidade, mesmo porque não havia como testá-la, tendo em vista as imensas distân¬cias das estrelas. Mas com o advento das naves espaciais, Shapiro perce¬beu que as curvas do Universo podiam tornar as viagens mais demora¬das. De fato, preferiu es¬tudar esse último aspec¬to: a maior duração das viagens.
Não é difícil imaginar um experimento para medir esse efeito. Basta supor, por exemplo, que uma nave esteja voando perto do Sol no exato momento que um raio de luz, ou de radar, passa por ali. Uma pessoa, então, po¬de medir o tempo que o raio leva para atravessar a nave de la¬do a lado. Em seguida, a mesma me¬dida deve ser feita por um observador distante, situado fora da “depressão” criada pelo Sol no espaço-tempo. Para ele, o raio cruza a nave mais rapida¬mente. O mesmo cálculo pode ser fei¬to para avaliar o tempo que um sinal de radar levaria para ir da Terra a Marte. Nas regiões mais planas do es¬paço-tempo, o percurso dura cerca de 22 minutos, mas se o sinal tiver de passar rente ao Sol haverá uma demo¬ra extra de 125 microssegundos.
Isso é quase 10 mil vezes menos que um segundo, mas a Viking pôde medir o atraso do sinal com grande precisão, mostrando um desvio de apenas 0,1 por cento com relação ao que Shapiro previu teoricamente. Mas um dos mais espetaculares fenômenos investigados com a ajuda da tecnologia moderna são as famosas ondas de gravidade. Previstas pelas equações einsteinianas desde 1916, mas dificílimas de detectar, essas on¬das representam uma nova era no mundo das radiações. São primas das ondas eletromagnéticas, que se mani¬festam na forma de, calor, luz, sinais de radar ou feixes de raios X. Todas essas formas de radiação – isto é, de energia pura se deslocando no vazio – são criadas quando um corpo eletrificado se move. Num fio, por exemplo, existem muitas partículas elétricas soltas: sãoos elétrons, que se desgastaram dos átomos do metal e vibram intensamente quando o fio é ligado a um gerador. Então, se o movimento dos elétrons for bastante forte, ele pode criar uma onda de rádio ou de televisão, que é uma forma de radiação semelhante à luz.


Universo elástico

Uma das Imagens mais comuns usadas para representar a influência da gravidade sobre o espaço-tempo é imaginá-lo como uma superfície de borracha onde os corpos, com o seu peso, causam uma depressão.
O Sol causa uma depressão mais acentuada, pois tem maior massa. Quando Marte está numa região afastada do sol, a viagem até lá poderia ser feita em regiões quase planas do espaço-tempo.
Mas, quando o planeta está do lado oposto ao Sol, a viagem mais curta até ele Inclui forçosamente uma volta
pelo vale criado pela gravidade solar.
Portanto, o trajeto será mais longo. Já no primeiro caso, onde o espaço tem uma curvatura bem menor, a distância efetivamente medida não difere multo dos cálculos tradicionais, em que o Universo é totalmente plano. O lado do quadrado próximo ao Sol tem uma ligeira curvatura. Portanto, é um pouco maior que os outros lados.
No Universo einsteiniano, o comprimento das réguas depende do lugar onde elas estejam, da mesma forma que a duração das viagens depende do percurso realizado.

O tempo entorta

Nesse experimento imaginário, uma pessoa mede o tempo que um raio de luz demora para cruzar o Interior de sua nave nas vizinhanças do Sol. A gravidade, nessa região, entorta as coordenadas temporais, de modo que o trajeto do raio é mais demorado. Isso é verificado por outro homem distante, cuja nave está numa região quase plana do espaço-tempo. Quando o raio de luz entra na primeira nave, esta emite um sinal para a segunda. O mesmo acontece quando o raio deixa a nave. Assim, o observador distante pode calcular o tempo que o raio leva para atravessar a nave e comparar suas medidas com as do primeiro observador. O tempo para o segundo observador é mais curto.

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Um efeito mil vezes menor que o núcleo de um átomo

As ondas gravitacionais não estão associadas à eletricidade ou ao magne¬tismo, mas sim às massas dos corpos. A diferença é que para criar uma pe¬quena onda gravitacional é necessário mover massas monumentais: mesmo quando uma estrela inteira desaba so¬bre si mesma. o efeito produzido é in¬significante. Para se ter uma idéia, é preciso, em primeiro lugar, entender como se capta uma onda. Numa ante¬na de rádio, por exemplo, isso é feito por meio do movimento de elétrons. Em outras palavras, a onda é gerada quando os elétrons de um fio se mo¬vem e a energia eletromagnética se espalha pelo espaço até encontrar a antena, onde ela serve para pôr outros elétrons em movimento. É necessário uma forte corrente elétrica no fio para criar um pequeno sinal no rádio ao qual a antena está ligada. No caso das ondas gravitacionais, as antenas geral¬mente são cilindros metálicos, pesan¬do algumas toneladas, que deveriam vibrar quando atravessados pela ener¬gia radioativa. Mas, mesmo quando a fonte das ondas é uma estrela em im¬plosão, o deslocamento que elas pro¬vocam nos átomos do metal é 10 qua¬trilhões de vezes menor do que um metro (10-16 metros), ou mil vezes me¬nor do que o núcleo de um átomo.
Por isso, esse tem sido o maior desafio enfrentado pela ciência na tentativa de confirmar a Teoria da Relatividade por completo. O feito seria um grande passo para realizar o sonho maior de Einstein, que era o de estender a visão relativística a todos os tipos de fenômenos do Universo. Assim, em vez de se apli¬car apenas à gravitação, a teoria en¬globaria também o mundo atômico – onde ela entra hoje apenas como um instrumento de trabalho e não como uma lei geral. Embora os cientistas estejam bem preparados para medir os insignificantes efeitos causados pelas ondas gravitacionais. não foi possível ainda detectá-las. A sua existência teve de ser comprova¬da indiretamente, o que foi feito em 1978, um ano antes das comemorações do centenário de nascimento de Einstein..
No teste, a fonte de ondas era um pulsar, que é justamente um astro formado depois da implosão de uma estrela: as camadas externas da mas¬sa estrelar desabam sobre o seu nú¬cleo o esmagam até que só restem partículas subatômicas incrivelmente comprimidas – a tal ponto que um pulsar com a massa, do Sol caberia com folga no centro de uma cidade como São Paulo. Isso é importante porque as dimensões reduzidas per¬mite a esses astros movimentar vastas massas a altas velocidades – ¬de até 1 milhão de quilômetros por hora -, gerando ondas gravitacio¬nais mais potentes.

A cada 59 milionésimos de segundo, um pulso de rádio

Em 1974, trabalhando num grande radiotelescópio, em Porto Rico, os astrônomos americanos Russell Hulse e Joseph Taylor descobriram um for¬midável sistema formado por dois pulsares girando um em torno do ou¬tro. Então, imediatamente, começa¬ram a buscar as ondas gravitacionais que deveriam estar sendo emitidas pelo sistema, batizado com a sigla PSR 1913 + 16. A emissão do siste¬ma na forma de rádio, facilmente detectável, ajudaria na busca. O fato é que o PSR 1913 + 16 emitia um pulso de rádio a cada período de 59 milésimos de segundo, o que o tor¬nava um dos mais precisos relógios naturais já vistos nos céus.
Logo, os dois astros, além de mui¬to pesados – cada um deles devia ter uma vez e meia a massa do Sol -, também deviam estar muito pró¬ximos um do outro. A distância, na realidade, era tão pequena em ter¬mos cósmicos que os dois pulsares poderiam facilmente girar dentro do Sol: eles estavam separados por ape¬nas 432 mil quilômetros (não muito mais que a Terra e a Lua), enquanto normalmente as estrelas estão afasta¬das entre si mais de 10 trilhões de quilômetros ou 1 ano-luz. Não havia dúvida de que era um sistema dotado de gigantesca energia, que deve¬ria estar sendo emitida em grandes jorros de ondas gravitacionais. O meio utilizado para confirmar o fato foi medir cuidadosamente o período de rotação dos pulsares.

No centenário, a homenagem dos cientistas

Acontece que, para girar, os astros precisam de energia de movimento, cuja origem é a poderosa atração gra¬vitacional existente entre eles. Quanto mais fortemente se atraem, mais rapi¬damente giram. Em segundo lugar, os cientistas sabiam que normalmente es¬se jogo de empurra está em equilí¬brio, pois os astros giram a uma dis¬tância e a uma velocidade fixas, dependendo da força que os mantém unidos. Assim, o período de rotação deve ser constante. Nesse ponto en¬tram as ondas gravitacionais, que na¬da mais são do que energia pura que o sistema transfere para o espaço-tempo a sua volta.
No caso dos pulsares, então, a ener¬gia emitida na forma de ondas signifi¬ca energia perdida no movimento de rotação. Este se torna cada vez mais lento, a uma taxa que pode ser avalia¬da por meio dos pulsos de rádio. Estes vão ficando mais espaçados à medida que a rotação perde força. Assim, mesmo sem poder detectar diretamen¬te as ondas gravitacionais, os astrônomos puderam confirmar a sua existên¬cia. O PSR 1913+16, comprovada¬mente, estava atrasando os seus pul¬sos no ritmo previsto pela Teoria da Relatividade. Esse trabalho não en¬cerra o importante ciclo de experi¬mentos modernos sobre a obra de Einstein, mas certamente tem o sabor de uma conclusão.
A elegante mecânica das ondas gra¬vitacionais, explicando como os cor¬pos interagem com o espaço-tempo a sua volta e com os corpos distantes, torna a Teoria da Relatividade dinâ¬mica e viva, ampliando os horizontes da investigação do Cosmo. Em 1974, pensou-se que o trabalho dos america¬nos Hulse e Taylor demoraria dez ou quinze anos para dar resultados. Mas eles tinham um motivo especial para terminar bem antes. E o esforço extra permitiu-lhes apresentar os seus dados já em 1979 – como uma homenagem ao gênio do mestre no centésimo ani¬versário de seu nascimento.

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Para saber mais:
O Big Bang, Joseph Silk, UnB, Brasilia, 1985

O escorregão de Mercúrio

O planeta mais próximo do Sol não gira em sua órbita da mesma maneira que os outros astros do sistema solar. Em vez de percorrer uma elipse sempre igual a si mes¬ma, que tem um ponto mais próxi¬mo e outro mais distante do Sol. Mercúrio muda constantemente o traçado de sua órbita. A cada ano, o seu ponto de maior aproximação com o Sol muda de lugar: isto é, além de o planeta girar em uma elipse, a própria elipse está em ro¬tação.
O problema é que ele não pode ser explicado pelas leis tradicio¬nais da gravitação, criadas pelo inglês Isaac Newton no final do século XVII. Por isso, o fenôme¬no foi um dos primeiros testes da Teoria da Relatividade, na qual a rotação das eclipses orbitais apare¬ce normalmente. No caso de Mer¬cúrio, devido à grande proximida¬de com o Sol, o escorregão é mais saliente, até porque a influência dos outros planetas também contribui para perturbar sua órbita. O próprio Einstein em 1915 calculou o efeito com suas equações, encontrando resul¬tado perfeitamente compatível com as medidas experimentais.

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