Dentista sem dor
Novas armas da Odontologia prometem paz nos consultórios. A principal é o laser, que dará mais silêncio e menos sofrimento durante o tratamento dentário.
Ivonete D. Lucírio
Um raio benigno na cárie
Quem tem medo de dentista sabe muito bem. A dor parece que começa na sala de espera. É só ouvir o barulho do motorzinho. Bem, essa aflição vai acabar. A Odontologia está se armando até os dentes para aliviar o sofrimento dos pacientes – inclusive o psicológico. O laser, como substituto da broca de alta rotação, é o principal instrumento desse arsenal.
As cáries menores já podem ser tratadas sem anestesia com o laser de érbio – um raio que usa as propriedades concentradoras do elemento químico érbio para penetrar no dente profundamente (veja o infográfico). Ele atravessa a estrutura, desintegra as moléculas da cárie e limpa tudo para a restauração – ou obturação.
Só que ainda vai demorar uns dez anos para o laser se popularizar mesmo. O raio também pode ser usado em cirurgias e obturações de resina, mas não nas metálicas, que usam limalha de prata e mercúrio, indicadas para as cáries profundas nos dentes de trás. Aí, a broca continua indispensável.
“Dependendo da profundidade da lesão, 70% do tratamento pode ser feito sem anestesia”, diz o diretor do grupo de laser da Associação Paulista dos Cirurgiões-Dentistas, Aldo Brugnera Júnior. “Ao contrário do motor, o laser tem ruído baixo, não vibra e dá segurança total de descontaminação.”
O problema é que o equipamento custa 110 000 reais, 100 vezes mais que o motorzinho comum. Por isso, não chega a vinte o número de consultórios que contam com um deles. O preço do tratamento também sai um tanto salgado – o bastante para fazer o paciente se perguntar se realmente compensa trocar uma dor por outra. A do dente pela do bolso.
O terror chega pelo ouvido
O pesquisador Harvey Wigdor, da Universidade Noroeste de Chicago, nos Estados Unidos, desenvolveu, em 1997, um trabalho para descobrir o que aliviaria os pacientes de dentistas. Depois de entrevistar 100 indivíduos, concluiu que o principal desejo deles não era só se livrar da dor. O trauma, mesmo, era o barulho incômodo do motorzinho.
Para pôr fim a dois temores com uma técnica só, boa parte da indústria odontológica pesquisa formas de aposentar de vez a broca. Além do laser, os outros candidatos a substituto são um gel para dissolver a cárie, que deve chegar ao Brasil no início do próximo ano, e um jato de ar, já disponível em vários consultórios (veja no infográfico).
Embora silenciosas, as duas técnicas não são totalmente à prova de dor. Se a cárie tiver atingido uma região próxima ao nervo, o incômodo vai aparecer. “Nesses casos, não se deve dispensar a anestesia”, afirmou à SUPER o cirurgião-dentista José Tadeu Tesseroli Siqueira, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
As substâncias anestésicas de hoje são bastante seguras e, na última década, a espessura da agulha encolheu três vezes. Ou seja, a picada também já não incomoda tanto. “Se o paciente tiver certeza de que o tratamento não vai doer, fica mais relaxado e isso facilita tudo”, diz Siqueira. “Para tanto, estuda-se também o uso de hipnose e até acupuntura em consultórios dentários.” Com todas essas armas, o medo do dentista está com os dias contados.
O massacre da broca
O nervo sente a pressão e a trepidação provocadas pelo motorzinho. E causa dor no dente.
1. A cárie abre um buraco no esmalte, que é o escudo do dente, e expõe a dentina, a área mais interna. É bem aí que a broca age. Ela é formada por um anel que gira rapidamente, arrancando minúsculos pedaços do tecido cariado.
2. A dentina é cheia de canais preenchidos com um líquido. Esses dutos conduzem à pulpa, onde está o nervo do dente. Por meio do líquido, o calor provocado pelo atrito e pela trepidação produzida pelo motorzinho chegam rapidamente até ele.
3. A única função desses nervos é perceber a dor. Eles levam a informação para o cérebro à velocidade de 1 metro por segundo. As terminações nervosas que indicam ao dente que força usar na mastigação ficam do lado de fora.
A luz da salvação
O laser poupa o paciente da dor porque esquenta pouco e não vibra.
1. Ao contrário da broca, o laser não arranca pedaços. A energia produzida por ele desintegra as moléculas do tecido cariado e ainda mata as bactérias da região, limpando a cavidade que será obturada.
2. O laser é uma luz emitida por pulsos muito rápidos, com duração de milissegundos. Por isso, ele produz muito menos calor e trepidação, sem alterar o equilíbrio do líquido dentro dos canais da dentina.
3. Já que o líquido dos dutos é pouco atingido, o nervo nem chega a sentir. Assim, a dor é menos intensa ou até inexistente.
Além do buraco
O laser tem diversos usos na Odontologia.
Há fachos de luz com quantidades diferentes de energia. Desse modo, é possível usar cada um deles com fins diferentes e não apenas para retirar a cárie.
Corte preciso
O chamado laser de CO2 (gás carbônico), mais antigo, é apropriado para cortar a gengiva. Ele esquenta a água que existe dentro das células e as faz explodir feito milho de pipoca. Assim, abre incisões para a cirurgia na gengiva com a eficiência de um bisturi.
Anestesia local
O laser de arseneto de gálio alivia a dor. Ele aumenta o fluxo sanguíneo na região, diminuindo a inflamação e estimulando a produção de endorfina, um analgésico natural. É empregado depois da extração de um dente ou antes da anestesia convencional, para que o paciente não sinta a picada.
Silêncio no consultório
Além do laser, duas novas técnicas vão diminuir o uso do motorzinho.
Cárie dissolvida
O gel é uma mistura de aminoácidos e hipoclorito de sódio (parecido com água sanitária). Em contato com o dente, dissolve a cárie sem afetar a parte sadia. Depois, a mistura é retirada com um pequeno instrumento de metal e a cavidade está pronta para ser obturada.
Rajada de vento
Parece um motorzinho, mas da sua ponta sai ar a alta pressão, fazendo só barulho de spray. Junto com ele vai óxido de alumínio em pó. Com a pressão, as partículas do óxido, dirigidas para a cáries, chocam-se com o dente e arrancam somente a parte estragada.