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Diário mostra como é ser novato no 4chan

Depois de um mês como "câncer", usuário novo do 4chan, o repórter da SUPER mostra sua experiência.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 7 abr 2011, 22h00

Felipe van Deursen

Dia 1 – Sinto o que meu pai deve ter sentido quando usou e-mail pela primeira vez: perplexidade. O site é incrivelmente caótico. Não sei o que fazer nem para onde ir. Decido escrever um post, singelo, com uma imagem de South Park e uma saudação. Após clicar em ok, não o vejo. É como se tivesse soltado a foto em um vendaval: são tantas mensagens que a minha vai direto para a página 2.

Dia 2 – Conheço, pela internet, um “anão” (como os usuários brasileiros se denominam). Ele topa ser meu guia no 4chan.

Dia 3 – Procuro informações a respeito do 4chan no Orkut e no Facebook. Nada relevante. Eles valorizam mesmo o anonimato. Rede social é coisa de quem quer aparecer.

Dia 4 – O site é feio, tem um visual antiquado. São dezenas de fóruns bagunçados, e é difícil entender a dinâmica de interação entre os usuários – que não têm avatar, perfil, nada. É um anti-Facebook. Percebo que os channers abominam o “câncer” – termo nada elogioso que usam para se referir aos novatos no 4chan, como eu.

Dia 6 – O canal /b/ é dominado por uma discussão bairrista. Americanos ridicularizam a obsessão pela cor verde dos irlandeses, que retribuem dizendo que a cultura ianque é tão ruim quanto a comida. Tento fazer contato educadamente, perguntando o que acham dos brasileiros. Ignoram. Xingo-os em português. Sou ignorado de novo.

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Dia 7 – Entro na nova versão do fórum brasileiro 55chan, que havia saído do ar. Os “anões” cogitam derrubar o blog de humor Bobagento, pois o acusam de ser um copiador de piadas e memes. Falo com o dono do blog, Raphael Mendes, que faz pouco caso: “pura choradeira de adolescente rebelde sem causa”. Dias mais tarde, eu conversaria com o designer Cristiano Zoucas, um dos criadores de outro fórum, o Brchan, visto por muitos usuários do 55chan como um rival.

Zoucas fala da diferença de perfil dos usuários dos dois sites. “A gente acha que só vale a pena atacar alguém se for para mostrar algo que está errado no mundo. No 55chan eles não gostam da cara do sujeito e já é motivo para fazer ‘raid’” (como os ataques orquestrados são chamados). “Acima de tudo, um chan é um lugar para criar memes, não um lugar para racistas e pedófilos se encontrarem”, afirma Zoucas, que lembra de alguns memes brasileiros nascidos no Brchan, como a “Magali dançarina”, que foi parar até no Fantástico.

Dia 9 – Volto ao /b/. Tento novo contato, pergunto qual é a graça do anonimato. Sou ignorado. Fico preocupado com meu comportamento de “câncer”.

Dia 11 – Volto ao 55chan e pergunto por que eles gostam de ser assim. Sou imediatamente banido do site.

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Dia 12 – No /b/, o destaque do dia são fotos de sexo bizarro. Tenso.

Dia 15 – Usuários espanhóis criam um tópico para enaltecer seu país. Acabam atraindo ofensas de estrangeiros, que os chamam de machistas, atrasados, racistas e franquistas, que vão arrastar a Europa para o buraco com sua crise econômica.

Dia 16 – No canal /jp/, de cultura nipônica, a grande discussão é: “se seu computador fosse uma youkai [criatura do folclore japonês], como ele seria?” Na bizarrice do /b/, um tópico sobre bondage, tipo de fetiche sexual, tem mais de 100 imagens. Participo com uma foto de coprofilia. Queria ver a reação deles ao participar com algo que fugisse do assunto do tópico. Mas nem me dão bola.

O 4chan parece uma disputa de quem tem a foto mais legal/bisonha/chocante. Cogito subir a mesma imagem nojenta no /cgl/ (cosplay) mas desisto com medo de ser banido. Pornografia é proibido fora do /b/ e não quero chamar atenção dos moderadores (que também são anônimos e nunca se sabe estão fazendo vista grossa ou não). Com acesso a meu endereço IP, eles podem me banir temporariamente do site.

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Dia 17 – O debate religião x ciência, recorrente no 4chan, é o tema do dia. Há argumentos extremistas de ambos os lados, e ninguém se sobressai. No canal /soc/ (social), alguém pede que meninas virgens mostrem seus corpos. Surgem 46 fotos, algumas de nudez explícita.

Dia 18 – Mostro as piores imagens do 4chan a meus amigos. Uma delas tem um homem fazendo, er, amor com um cacto. Eles não sabem da matéria e demonstram preocupação com meu estranho e crescente interesse em zoofilia. Tenho passado pelo menos 2 horas por dia no site, e ando mesmo perturbado.

Dia 19 – Está chegando o dia dos namorados nos EUA, e o tópico a respeito bomba. São 154 comentários, a maioria dizendo “vou passar a data sozinho”. Há também brincadeiras típicas do Orkut, como “você beijaria a pessoa de cima?”. Tento fazer amizade, mas sou desprezado e, ao usar a bandeira do Brasil para me aproximar, recebo respostas homofóbicas.

Dia 20 – A renúncia do presidente egípcio Hosni Mubarak gera um tópico surpreendentemente civilizado. Ícones como Che Guevara são lembrados, e os egípcios recebem dos ocidentais boas-vindas a uma suposta democracia na internet.

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Dia 23 – Fiquei fora do site por 2 dias. Não suportava mais ler piadas sem sentido e extremismos constantes. O trabalho de repulsa ao “câncer” parece funcionar.

Dia 26 – Discussão elevada. No /lit/ (literatura), um tópico sobre a influência da vida perturbada de pintores e escritores em suas obras gerou comentários como “Edward Munch seria um alcoólatra depressivo, fosse ou não artista”.

Dia 30 – Levo um pouco da nova cultura brasileira ao 4chan: o grupo de funk Avassaladores, sucesso no YouTube com a música “Sou Foda”, que teria sido descoberto no Brchan. Ninguém entende.

Dia 31 – Terremoto devasta a Nova Zelândia, e aparece um tópico rindo disso. Indignado, um “anon” divulga o e-mail e número de telefone do criador desse post. Outro tópico pede links para o vídeo de uma jornalista americana sendo agredida no Egito – e é atendido.
Por fim, duras críticas à cobertura da mídia sobre a Líbia: “Só falam sobre o efeito disso nas bolsas e no preço do petróleo. P*rra de prioridades, não?” Os usuários do 4chan podem ser grosseiros, maldosos e anárquicos, mas também têm consciência social.

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