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Eu odeio a Internet

A Internet é a propagação indiscriminada da besteira. A pretensa

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h34 - Publicado em 31 jul 2000, 22h00

Jerônimo Teixeira

Jamais joguei paciência com um baralho de verdade. Se tentasse, nem saberia arranjar as cartas. Dei-me conta disso ao receber, tempos atrás, um e-mail com o título “Você é escravo da tecnologia quando…”. A paciência sem baralho era apenas um dos itens de uma longa lista, e não o mais absurdo. Em todas as situações, havia esse efeito de desproporção e despropósito: a mais alta tecnologia mobilizada para o mais estúpido dos fins (se o leitor já jogou paciência no Windows, sabe do que falo). Quis recuperar o e-mail para citá-lo mais extensamente, mas não consegui: perdeu-se no meio de outras tantas e piores piadas, de correntes, de simpatias, de pirâmides, de abaixo-assinados e de inúmeras mensagens que eu deveria remeter a mais 100 pessoas para ganhar ações da Microsoft ou para salvar aquela menina de 8 anos que sofre de leucemia.

A anedota resume meu recado: a Internet é a propagação indiscriminada da besteira. Alguém dirá que, com essa crítica à cyberabobrinha, estou abordando o problema pela periferia. Ocorre que os gurus da nova era – Nicholas Negroponte, do MIT, para ficar com um exemplo célebre – afirmam, com razão, que a internet não tem centro.

Surge daí outra grande bobagem que se tem divulgado não só por fibra ótica, mas também por meio do velho e sujo papel de imprensa: a Internet democratiza o conhecimento. Se o leitor me perdoa a etimologia rasteira, direi que na verdade a rede tem muito demos para pouco cratos. Que poder efetivo uma página pessoal representa para seu autor? Na falta de um centro, somos todos periferia.

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A pretensa “teia do conhecimento” (expressão de Negroponte no livro A Vida Digital) é também um amontoado caótico da ignorância. Substância e trivialidade já conviviam no jornal, que na mesma edição pode abrigar o horóscopo prevendo um dia auspicioso para os nativos de Virgem e o artigo de fundo de um cientista sobre o Projeto Genoma. A dispersão da Internet, porém, anula uma dimensão que o jornal abrigou em tempos pretéritos: o confronto. Israelenses e palestinos, petistas e tucanos, pornógrafos e evangélicos, gremistas e colorados, punks e skin-heads – todos podem ter seu site. O internauta surfa – isto é, passa pela superfície – por todos sem que isso implique o mínimo compromisso ou mesmo interesse. A “harmonia mundial” (Negroponte, mais uma vez) que essa diversidade sugere é enganosa.

Podemos jogar paciência sem baralho, mas ainda vivemos em um mundo prosaicamente físico no qual o hardware para abrigar nosso software segue inacessível para a maioria. No mínimo, ainda é cedo para se falar em uma revolução sem precedentes. Gutenberg apresentou sua famosa Bíblia em 1455, mas a imprensa como instituição pública levaria séculos para se desenvolver.

Querem nos fazer crer que a velocidade das mudanças nunca foi tão rápida que agora o segundo vale pelo século. Nem mesmo essa sensação é nova: Flaubert, já no século XIX, dizia-se incapaz de entender a paisagem que via da janela de um trem. As novas tecnologias, por mais sofisticadas que sejam, não produzem mais tamanha perplexidade. A velocidade traduz-se simplesmente na histeria do upgrade – todos temos aquele amigo que nos humilha semanalmente com o último e mais rápido processador, a maior memória RAM, o modem mais veloz, o HD de maior capacidade. E que no entanto faz downloads cada vez mais demorados.

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Uma objeção previsível é a de que, afinal, eu uso a Internet. O presente texto foi produzido em Porto Alegre, onde moro, e transmitido via e-mail para a redação da SUPER, em São Paulo. E estou, admito, muito feliz de não ter que sair de casa em um dia frio para enfrentar fila nos Correios. Ainda assim, sustento o título aí em cima. Muita gente vai de carro todos os dias para o trabalho, mesmo detestando dirigir.

Fico com as velhas bibliotecas de papel, cujo autoritarismo secular pelo menos não vende ilusões de igualdade tecnopopulista. “Livros e putas podem ser levados para a cama”, dizia o filósofo alemão Walter Benjamin. Talvez um dia criem uma interface confortável (o laptop é desajeitado) para que nos conectemos da cama. Até aqui, a popularidade da Internet entre adolescentes e as patéticas salas de sex chat confirmam: os livros estão para as prostitutas como a Internet está para a masturbação.

Jornalista, mestre em Teoria da Literatura pela PUC/RS, autor da novela As Horas Podres (Artes e Ofícios, 1997)

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