Thereza Venturoli
Ao entrar nas fechadas nuvens de Júpiter, em dezembro passado, a pequena sonda lançada pela nave Galileu levou o homem ao mais distante planeta jamais visitado. E, como um novo Cristóvão Colombo, reabriu a temporada de descobrimentos. Depois de um recesso provocado pela falta de dinheiro, as grandes agências espaciais voltam a vasculhar o sistema solar. Desta vez, as terras desconhecidas estão a centenas de milhões de quilômetros. Veja aqui alguns capítulos da história que começa a ser escrita: os projetos que vêm por aí para a exploração dos vizinhos da Terra.
O mergulho nas nuvens ácidas
Dia 7 de dezembro de 1995, um ponto incandescente cortou o céu de Júpiter. Não era uma estrela cadente, nem um novo cometa Shoemaker-Levy. Era a cápsula atmosférica da nave Galileu, que mergulhou por 75 minutos em direção ao maior e mais distante planeta do sistema solar a 170 000 quilômetros por hora, cinqüenta vezes mais rápido que uma bala de revólver (veja o infográfico ao lado). Abandonada pela nave-mãe em julho do ano passado, a sonda-filhote levou cinco meses para chegar à atmosfera jupiteriana. Mais do que isso, inaugurou um novo tempo de aventuras interplanetárias, depois de um intervalo de quase quinze anos.
Lançada em outubro de 1989, a Galileu seguiu uma rota sinuosa, aproveitando a força de gravidade de outros astros para impulsioná-la pelos 780 milhões de quilômetros que separam a Terra de Júpiter. No total, ela percorreu mais de 3,7 bilhões de quilômetros. Nesse ziguezague, passou por Vênus, sobrevoou duas vezes a Terra e a Lua, e cruzou o cinturão de asteróides que existe entre Marte e Júpiter, colecionando alguns feitos heróicos da ciência (veja as fotos ao lado).
Agora, sem a sonda-filhote, a Galileu segue uma jornada de dois anos em torno de Júpiter. A primeira nave a entrar em órbita do planeta gigante vai chegar mais perto do que nunca de seus quatro grandes satélites, Io, Ganimedes, Calisto e Europa. As informações vêm por rádio, em sinais que levam 52 minutos para atingir a Terra. Os bips chegam tão fracos que podem ser comparados ao som de um radinho transistor ligado em Belém do Pará recebendo uma transmissão de Montevidéu, Uruguai. Para rastrear os sinais, foi montada uma rede de antenas distribuídas pelos Estados Unidos, Austrália e Espanha. Se não fosse assim, seria necessária uma única antena de 125 metros de diâmetro.
Menores, mais rápidas e bem mais baratas
A Galileu não é a primeira experiência interplanetária do homem. Em 1976, outra nave americana, a Viking 1, desceu sobre o solo mar-ciano. Por essa época, em plena guerra fria, Estados Unidos e a extinta União Soviética se alternavam na lista dos recordes espaciais. Mas a falta de dinheiro cortou as asas, ou melhor, ligou os retrofoguetes das missões espaciais.
Os quinze anos seguintes foram dedicados a criar tecnologias capazes de levar o homem às alturas em missões menores, mais rápidas e, principalmente, mais baratas. Daí nasceu o programa Discovery (descoberta, em inglês), da Nasa, que prevê o lançamento de pelo menos quatro naves até 1999.
A Near será a primeira a orbitar um asteróide, o Eros (veja o quadro na página ao lado). Acredita-se que os asteróides são restos de um décimo planeta que jamais chegou a se formar, devido à força gravitacional de Júpiter. Teriam ficado, assim, milhares de pedregulhos perdidos, formando um imenso cinturão, pouco além de Marte. Uma boa olhada de perto deve fornecer dicas importantes sobre os corpos que deram origem aos planetas.
Na seqüência, o programa Discovery lançará a Pathfinder. Ela vai colocar sobre a superfície de Marte um robô motorizado, para perambular pelo solo rochoso do astro, analisando a composição química das rochas e filmando a paisagem. Na primeira semana, o veículo não ultrapassará um raio de 10 metros da nave, que é para não sair do alcance da câmera fixada na sonda. Mas, depois, se tudo correr bem, o jipe arriscará excursões mais longas, de até um mês, usando apenas seus equipamentos para navegação e registrando imagens com uma câmera própria.
Como uma formiga dando voltas na Terra
Se para o Programa Discovery quanto menor, melhor, a Lunar Prospector é a campeã da simplicidade aliada a rapidez, eficiência e baixos custos (veja o quadro na página ao lado). Com apenas 58 quilos de equipamento, a sonda, que deve circundar a Lua durante um ano, a partir de meados de 1997, vai completar o trabalho começado pela falecida Clementine, que mapeou o solo lunar, durante dois meses, em 1994.
A Stardust (poeira de estrelas), último projeto já com data marcada para sair, é a primeira expedição que vai coletar material de um cometa e voltar à Terra. Como os asteróides, os cometas são corpos muito antigos, fósseis da época da formação do sistema solar, há 4,5 bilhões de anos. A missão vai também catar grãos de poeira interestelar. Trata-se de um bombardeio de minúsculos grãos de até 0,1 micrômetro (um milímetro dividido 10 000 vezes), vindos de fora do sistema solar, da direção da constelação de Escorpião.
A Agência Espacial Européia (ESA) também está na nova era de descobrimentos. Começou com a Soho, lançada em dezembro do ano passado, para estudar o Sol (veja o quadro ao lado). Mas a menina dos olhos da ESA é a Cassini, que vai estudar Saturno, seus anéis, suas luas geladas, e lançar uma sonda sobre a maior delas, Titã (veja ao lado). A nave, do tamanho de um microônibus, vai levar quase sete anos para cruzar 1,4 bilhão de quilômetros. Se a Cassini fosse uma formiga, a viagem corresponderia a sessenta voltas em torno da Terra.
A nova era de descobrimentos, sem nenhum trocadilho, promete um volume astronômico de conhecimento. Só o que a Cassini vai mandar para a Terra durante o passeio a Saturno e seus satélites daria para encher 800 coleções da Enciclopédia Britânica.
Para saber mais
NA INTERNET:
Nasa https://www.hq.nasa.gov/office/discovery;
ESA https://www.esrin.esa.it/htdocs/esa/progs.html;
Sobre a Galileu https://www.jpl.nasa.gov/galileo
Rumo ao planeta dos anéis
A sonda Cassini, um projeto conjunto da Agência Espacial Européia (ESA) e da Nasa, será lançada em outubro de 1997, devendo chegar a Saturno, a cerca de 1,4 bilhões de quilômetros da Terra, em julho de 2004. Durante quatro anos, ela vai estudar o planeta, seus anéis, sua atmosfera, seu campo magnético e suas luas. A maior delas, Titã, receberá a visita de uma sonda-filhote, a Huygens (veja mais sobre a Cassini na página 72).
Na cauda do cometa
A Stardust parte em fevereiro de 1999 para coletar material do cometa Wild 2, a 280 milhões de quilômetros da Terra. Em 2006, a sonda volta à Terra, carregando amostras da poeira e dos gases que envolvem esses viajantes gelados e gasosos, fósseis da nebulosa que deu origem aos planetas (veja mais sobre a Stardust na página 73).
Sucesso em Júpiter
Depois de seis anos de jornada por 3,7 bilhões de quilômetros, a Galileu chegou, em dezembro do ano passado, ao seu destino, o maior planeta do sistema solar. Durante uma hora e quinze minutos, uma pequena sonda atravessou as densas e ácidas nuvens de Júpiter, transmitindo para a Terra dados sobre a composição química, a pressão, a temperatura e a densidade da atmosfera. Agora, a nave-mãe segue viagem em torno do planeta por mais dois anos, estudando seus quatro principais satélites: Io, Europa, Calisto e Ganimedes (veja mais sobre a Galileu na página 68).
Uma pedra no caminho
A Near (abreviatura de Encontro com Asteróide Próximo à Terra, em inglês) será a primeira nave a visitar um asteróide. Ela deve ser lançada ainda este mês, em direção a Eros, que está a cerca de 250 milhões de quilômetros da Terra. O encontro acontece em janeiro de 1999 (veja mais sobre a Near na página 71).
Pisando em chão vermelho
A Pathfinder tem lançamento previsto para dezembro deste ano e chega a Marte em julho de 1997. Vai deixar sobre o planeta irmão da terra um rover, pequeno veículo, tipo jipe, para analisar a composição, o relevo o outras características da superfície marciana (veja mais sobre a “jipe marciano” na página 70).
Drama e final feliz a 780 milhões de quilômetros
A Galileu teve problemas técnicos, mas a sonda-filhote se comportou muito bem.
A antena principal, na forma de guarda-chuva, não abriu e não está funcionando.
A comunicação e a transmissão de dados por rádio ficou por conta desta antena menor.
A plataforma rotatória abriga os instrumentos que vão analisar o espaço em volta da nave. Aqui estão os detectores de poeira, os sensores que medem o campo magnético de Júpiter e os espectrômetros que estudam a radiação emitida pelo planeta.
Outros equipamentos, que devem focalizar um ponto específico do planeta, ficam nesta parte fixa da nave.
Para resistir ao calor
A parte de cima do escudo de proteção que envolvia a cápsula era construída de fibra de náilon.
As testemunhas da missão
A sonda pesava 339 quilos e carregava sete instrumentos de precisão que analisaram a composição química exata dos gases e mediram a temperatura, a pressão e a densidade das nuvens, durante os primeiros minutos da queda mortal.
Devorada pelos gases
A parte de baixo do escudo de proteção era feita da mesma fibra de carbono que é usada no nariz dos ônibus espaciais. Durante a queda, o atrito com os gases e o calor reduziram seu peso de 152 para 65 quilos. Apenas nos dois primeiros minutos, ela freou de 170 000 para cerca de 1 000 quilômetros por hora.
Em queda quase livre
A cápsula atmosférica passou do céu ao inferno em 75 minutos.
1 – Tempo: 0 minutos
A sonda entrou na camada superior de gases a 170 000 km/h. A temperatura era de -8 graus Celsius e a pressão, praticamente nula
2 – Tempo: 1min54s
Abriu-se o pára-quedas principal, a 3 120 km/h. A temperatura era de -161 graus Celsius e a pressão, 12,5 vezes menor que a da Terra.
3 – Tempo: 2 min
O escudo de proteção foi solto. A velocidade era de 1 630 km/h. A temperatura, de -160 graus Celsius e a pressão, onze vezes menor que a da Terra.
4 – Tempo: 2min15s
Iniciou-se a transmissão de dados para a nave-mãe. A velocidade era de 890 km/h. A temperatura, de -160 graus Celsius e a pressão, dez vezes menor que a da Terra.
5 – Tempo: 1h15min
A nave, a 104 km/h, começou a ser destruída pelo calor e pela pressão. A temperatura local era de 140 graus Celsius e a pressão, vinte vezes maior que a da Terra.
Esta é sua vida, Galileu
Ao longo de seis anos de viagem, a nave colecionou um álbum de conquistas e alguns recordes.
A Galileu descobriu um asteróide que tem satélite. É o Ida e sua lua Dactil (foto). Ela também tirou a primeira fotografia de um asteróide em close-up – o Gaspra.
Entre 1990 e 1992, “viu” na Terra o único sinal de vida que pode ser detectado de longe: o gás metano. Sinais de inteligência, apenas as ondas artificiais de rádio.
Fez o mapa da face oculta da Lua. As áreas em azul escuro são rochas ricas em titânio. As alaranjadas têm pouco titânio. As regiões em azul claro indicam recentes quedas de meteoros.
Pouso em Marte
Em julho de 1997, a Pathfinder vai pôr em Marte um jipe para colher amostras do solo.
1 – Pára-quedas e balões de ar
O pouso da nave será sustentado por um pára-quedas e freado por retrofoguetes. Balões de ar envolverão todo o equipamento para amortecer o choque com o chão. Todos os sistemas de proteção para a aterrissagem foram calculados para agüentar até duas vezes o peso da nave, que é de 463 quilos. Durante a descida, a sonda transmitirá para a Terra informações sobre a composição, a temperatura e a pressão da atmosfera, composta basicamente de gás carbônico.
2 – De pé no chão
Assim que tocar o solo, o pára-quedas se soltará da sonda e os balões se esvaziarão. Depois de perder parte do aparato de proteção durante a descida, o peso da sonda cairá para apenas 264 quilos. Os painéis de células solares descem fechados para proteger o equipamento do superaquecimento causado pela travessia da atmosfera.
3 – Passeio de jipe
Depois da aterrissagem, os três painéis solares se abrirão. A energia do Sol captada por eles virará eletricidade para acionar os instrumentos da nave. A câmera “olhará” ao redor, enviando as imagens imediatamente para a Terra. O jipinho, que estava preso a um dos painéis, se solta e começa o passeio para analisar as rochas e as areias de Marte.
Uma das rodas será coberta por duas camadas de tinta: uma fluorescente e outra, por cima, fosca. Analisando os arranhões na camada fosca, os cientistas determinarão a dureza das rochas sobre as quais o rover circula
Sensores de temperatura vão monitorar o calor e o frio que atingem o rover. A temperatura nos desertos marcianos varia de 0 a 100 graus Celsius da noite para o dia.
Um canhão disparará núcleos de átomos de hélio (partículas Alfa) sobre a poeira e as rochas. Analisando a quantidade de raios X emitidos de volta, os cientistas descobrirão a composição do solo.
As rochas estudadas serão filmadas em preto e branco. As imagens serão processadas na sonda e retransmitidas para a Terra.
Laboratório em quatro rodas
O rover, nome do minijipe da Pathfinder, será o primeiro veículo a se mover livremente sobre o solo de outro planeta. Ele tem apenas 28 centímetros de altura, 63 centímetros de comprimento e 48 centímetros de largura. Livre do aparato que o mantinha preso à sonda durante a descida, não pesa mais do que 10 quilos.
Ciranda ao redor do pedregulho
Por enquanto, só se sabe que asteróide Eros é um charuto rochoso.
A Near, o primeiro projeto do programa Discovery, da Nasa, mede só 1,5 metro de diâmetro e pesa 850 quilos. Mas tem uma missão nada acanhada: entrar, pela primeira vez, na órbita de um asteróide (há um cinturão de asteróides que gira em torno do Sol, numa órbita um pouco adiante de Marte). Os instrumentos da sonda vão analisar o formato, a composição química e o campo magnético de Eros. Por enquanto, sabe-se que ele é uma rocha formada basicamente por silício – um minério abundante na crosta terrestre. Com 36 quilômetros de comprimento, 13 quilômetros de largura e outros 13 quilômetros de espessura, Eros dá uma volta completa em torno de si mesmo a cada cinco horas e meia.
Rumo ao passado
A Cassini vai lançar a sonda Huygens em Titã, que é muito parecido com a Terra de 3,9 bilhões de anos atrás
A missão da grande nave
Com 5,6 toneladas, a Cassini tem dois objetivos. O primeiro é sobrevoar Vênus duas vezes, depois a Terra e, por fim, Júpiter. Somente em julho de 2004 começa a segunda etapa, de observação direta de Saturno e seus satélites. Ao todo, ela percorrerá 4,9 bilhões de quilômetros, a maior parte da viagem impulsionada pela força de gravidade dos planetas sobrevoados. Só para dar uma idéia do que isso representa em termos de economia, os sobrevôos de Vênus e da Terra vão dispensar 68 toneladas de combustível.
Caçando extraterrestres
A sonda Huygens deve chegar a Titã, um dos satélites de Saturno, três semanas depois de ser solta da nave-mãe Cassini, em novembro do ano 2004. Nos seus 2,50 metros de diâmetro há um verdadeiro laboratório robotizado, capaz de localizar compostos orgânicos, que podem ser eventuais embriões de vida. Os cientistas procuram mais em Titã: existem oceanos líquidos? Seu interior é quente? Por que tem uma atmosfera tão mais densa que os outros satélites de Saturno?
É a cara da Terra jovem
Titã tem 5 100 quilômetros de diâmetro e uma temperatura de 170 graus Celsius negativos. Visto pela primeira vez em 1655 pelo astrônomo irlandês Christian Huygens (1629-1695), o satélite é recoberto por espessas nuvens de hidrogênio, que escondem completamente sua superfície. As camadas superiores da atmosfera são compostas de material orgânico, como metano, que se dissolve quando atingido pela luz solar. Isso dá a Titã um ambiente semelhante ao da Terra de 3,9 bilhões de anos atrás, quando as espécies apenas começavam a surgir. A diferença é que na Terra a temperatura não era tão baixa.
Ouvindo a estrela
A Soho vai investigar a energia que se movimenta no interior do Sol.
A sonda Soho (abreviatura de Observatório Heliosférico Solar, em inglês), da ESA, partiu dia 2 de dezembro passado para uma missão de dois anos ao redor do Sol. A nave – que tem 3,5 metros de altura e 9,5 metros de largura, com os painéis solares abertos – vai estudar como a energia se movimenta no interior da estrela, feito ondas de som, e como é liberada para o espaço. Colocada estrategicamente a 1,5 milhão de quilômetros à frente da Terra, a Soho vai poder observar o Sol ininterruptamente, livre da interferência da atmosfera terrestre.
Mapa lunar
Além da superfície, a Lunar Prospector vai estudar a atmosfera do satélite da Terra.
A Lunar Prospector, da Nasa, vai passar um ano, a partir de junho de 1997, girando em torno da Lua. Seu desenho é simplíssimo: um tambor de 1,4 metro de diâmetro e 1,2 metro de altura. Do seu peso total de 240 quilos, 114 correspondem ao combustível. Ela carrega cinco equipamentos que pesam só 58 quilos. Eles vão analisar a composição das rochas lunares, verificar a existência de gelo nos pólos, medir a variação da força de gravidade e investigar a natureza do campo magnético. A última missão da Lunar Prospector é estudar a tênue atmosfera lunar e procurar supostos gêisers que estariam liberando jatos de gases do interior do satélite.
Aspirador de pó cósmico
A poeira interestelar voltará à Terra colada num supergel de altíssima tecnologia.
A Stardust, do Programa Discovery da Nasa, é o primeiro projeto que prevê a coleta de material de um cometa e o retorno à Terra.
Quem vai receber a visitante é o Wild 2, um cometa “fresco”, que teve sua órbita desviada para o interior do sistema solar pela força gravitacional de Júpiter, em 1974. A nave vai acompanhar esse nômade cósmico a 50 quilômetros de distância. De quebra, a sonda vai catar poeira interestelar pelo caminho. Para coletar essa chuva de grãos, ela usará folhas de um novíssimo material, chamado aerogel, à base de silício. É o material sólido menos denso que já se inventou.