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Mantendo o equilíbrio

Novas tecnologias vão atender os nossos novos hábitos: nossa casa dofuturo será mais amiga da natureza.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h31 - Publicado em 31 ago 2002, 22h00

Sérgio Bayma

Você esquece de fechar a torneira quando está escovando os dentes? Não tem tempo para ficar separando o que pode ser reciclado? Pois seus problemas acabaram! Quer dizer, quase. Em matéria de respeito ao meio ambiente, a casa do futuro talvez não seja tão definitiva quanto gostariam as Organizações Tabajara – aquela empresa do Casseta & Planeta que promete solução para tudo. Mas a tendência é que tenhamos moradias bem mais corretas e limpas que as de hoje.

Aliás, para ficar nos exemplos do primeiro parágrafo, pode-se dizer que vamos muito bem. As torneiras, além de hipereconômicas e prontas para misturar saudáveis doses de ozônio na água, em breve poderão permanecer abertas enquanto escovamos os dentes. É que, depois de descer pelo ralo, a água será limpa e tratada por um sistema próprio, para, então, voltar à caixa e ser reutilizada pelos moradores. Hoje, isso é impensável, pois custaria uma fortuna, mas a tecnologia já existe e vem sendo utilizada em regiões onde não existem mananciais ou fornecimento de água. Teremos também uma lixeira inteligente separando o que pode ser reciclado ou reaproveitado – vidros aqui, plásticos pra lá, e, neste canto, os restos de comida para usarmos como adubo. Sim, no fundo de quintal do futuro, assim como nas áreas comuns dos edifícios e condomínios residenciais, muitos de nós resgataremos o hábito do plantio, garantindo a qualidade dos alimentos e evitando os custos e a poluição que geramos para obtê-los dos produtores.

Conceito guarda-chuva

Com a cumplicidade da tecnologia, a casa de amanhã ajudará a espécie humana a lidar melhor com os seus resíduos e também com as fontes naturais de energia, como o sol e o vento. Reduziremos a queima dos combustíveis fósseis, como o petróleo e seus derivados, e a dependência das hidrelétricas, que mudam o curso dos rios, inundam grandes ecossistemas e interferem na cadeia alimentar dos animais. Enfim, cada vez mais a idéia de “morar bem” incluirá a necessidade de não causar problemas ao meio ambiente.

A casa que aparece ilustrada nesta página é um bom exemplo. Chama-se Solar Umbrella (Guarda-Chuva Solar) e nasceu de uma reforma em uma antiga casa em Venice, na Califórnia, Estados Unidos. Seus proprietários, também autores do projeto, investiram 160 000 dólares para tornar possível o sonho de uma casa ambientalmente sustentável. Placas de células fotovoltaicas absorvem a luz solar e, ao mesmo tempo, protegem a moradia do inclemente sol californiano. Em combinação com uma microturbina eólica, esse sistema garante 100% de independência da rede pública de eletricidade. Os materiais usados na Solar Umbrella também são ecologicamente corretos. Em vários ambientes, em vez de paredes de cimento e tijolo, optou-se por painéis conhecidos no mercado americano como Homosote, feitos de jornal reciclado, que, além de proteção acústica, dão excelente acabamento nos ambientes internos.

Também para evitar o uso do concreto, cuja obtenção e transporte são de alto impacto ambiental, o casal-maravilha preferiu ensaiar misturas de granito e pedregulhos decompostos, ou seja, materiais que já existem, foram colocados de lado em montes de entulho, mas que podem ser reaproveitados. A madeira é de florestas de manejo, onde o corte respeita o ciclo de recuperação natural da mata. Resumindo a ópera, projetos como esse demonstram que é possível construir ou reformar sem causar tanto incômodo ao planeta – e sem abrir mão de alta tecnologia e conforto. E tudo indica que essa moda vai pegar.

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Cientistas, empresas de pesquisas, fabricantes, engenheiros e arquitetos em todo o mundo dão passos firmes nessa direção. Como objetivo comum, a criação de produtos que usem a menor quantidade possível de materiais e energia, e que criem a menor quantidade de dejetos e toxinas ao longo de todo o seu ciclo de vida. Já existe um termo para determinar o grau de sustentabilidade das coisas: eco-eficiência. E alguns mercados estão rejeitando solenemente materiais e produtos sem certificação ambiental – como as da “família” I 14000 e outras ainda mais rigorosas. O equilíbrio entre a alta tecnologia e o respeito à natureza marcará nossa busca por um lugar ideal para morar. Porque sem um planeta saudável, não teremos casa no futuro. Nem futuro.

Não faltam boas idéias. A empresa Separett, da Escandinávia, tem vasos sanitários que separam dejetos sólidos dos líquidos. Quando o reservatório de sólidos chega ao seu limite de capacidade, ele é removido, recebe um tanto de terra e é deixado em descanso por seis meses, para finalmente servir como adubo no jardim ou na horta. Segundo esse fabricante, fazer a urina virar fertilizante é ainda mais fácil: depois de separada, o vaso esperto automaticamente lhe acrescenta oito partes de água. E pronto.

Algumas descobertas não estão em linha de produção, mas prometem virar a mesa. Ou, como neste caso, quebrar as paredes. A designer alemã Ursula Tischner bolou a Fria, uma geladeira que economiza até 50% de energia em comparação com as convencionais. Dá trabalho para instalar, porque ela é integrada à construção, atravessando de lado a lado uma das paredes da cozinha. É aí que está o segredo: o sistema colhe ar frio natural lá fora e o aproveita na refrigeração dos alimentos. Claro, tende a dar certo em regiões de inverno rigoroso.

O fator cupim

Outra empresa, a americana Montgomery Kone, de Moline, Illinois, desenvolveu um elevador que funciona com um pequeno motor preso diretamente ao trilho por onde o carro sobe e desce, modelo mais econômico que os elétricos e mesmo os hidráulicos, usados em pequenos prédios residenciais. Não é muito rápido (60 metros por minuto, contra 122 a 152 metros por minuto de máquinas mais apressadinhas) e só pode ser instalado em prédios de até oito andares. Mas parece que essas limitações compensam. Os 60 moradores do condomínio Harbour Towers, em Punta Gorda, na Flórida, Estados Unidos, já trocaram os dois antigos elevadores por esses.

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Vem da Austrália uma solução ecológica para combater os cupins. Esses pestinhas, que já nos fizeram poluir bastante o ambiente com substâncias altamente tóxicas, daqui em diante terão de enfrentar a engenhosidade de produtos como o da Termimesh System. Essa empresa está apostando todas as fichas numa espécie de rede de proteção construída em finíssimo aço inoxidável, que, supostamente, é invulnerável à ação dos cupins. Estudando continuamente os hábitos desses comedores do patrimônio, os especialistas da Termimesh acreditam ser capazes de determinar os caminhos que eles percorrem no subsolo. Então, instalam a tal rede especial em torno da casa, barrando os bicões no baile. Bem prático e razoavelmente sustentável, se comparado aos terríveis efeitos dos pesticidas.

Outro modelo de eco-eficiência é o das cozinhas Kambium, na Alemanha. Os equipamentos são inteiramente fabricados com materiais e produtos não-poluentes e recicláveis, numa região beneficiada por ventos e favorável à utilização de energia eólica. A madeira é de florestas sustentadas, obtida de fornecedores próximos, para não abusar das implicações ambientais do transporte. No acabamento, em vez de tintas utilizam-se óleos naturais não-tóxicos. Em princípio, uma cozinha dessas é para a vida toda, mas se você quiser se livrar dela, a Kambium estará muito interessada em retirar os seus produtos usados, uma vez que tudo neles pode ser reciclado, reaproveitado e vendido novamente.

Ainda mais surpreendente é a possibilidade de não possuirmos mais as coisas que temos em casa, em função da proteção ao ambiente. Parece maluco demais? Esse novo conceito está em prática na moderna sede do Centro de Pesquisa em Recursos de Energia da Southern California Gas – uma das grandes na distribuição de gás natural encanado nos Estados Unidos. Nenhum dos mais de 3 000 metros quadrados de carpetes do prédio pertence à empresa. Ela paga uma certa quantia mensal a uma fornecedora, a E2 Environmental Enterprises, que, diante disso, fornece e instala o carpete, cuida da manutenção e, de seis em seis anos, substitui o produto nas áreas de grande movimento, como recepção e hall de elevadores. As vantagens econômicas para a E2 passam pela questão ambiental: o carpete sempre volta às suas mãos e pode ser 100% reciclado, contínua e indefinidamente, com o mínimo de complicações para a natureza. Está dando certo.

Outra novidade tenta resolver o problema de acúmulo de lixo. É o tratamento por plasma, que consegue diminuir em cerca de 100 vezes o volume e em 90% a massa de todo resíduo inorgânico, por exemplo. Funciona assim: um gás é aquecido por um arco elétrico (algo parecido com os raiozinhos de filmes como Frankenstein), cujas tochas alcançam temperaturas altíssimas, de até 20 000 graus.

Vem aí a nanomágica

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No tratamento por plasma, os materiais orgânicos são decompostos em elementos ou compostos simples, como CO e CO2 (este em quantidade pequena, que não contribui para o efeito estufa) ou mesmo vapor de água. Já os inorgânicos dão origem a materiais férreos ou cerâmicos, inertes (livres de compostos tóxicos), que podem ser usados na construção, pavimentação ou revestimentos de paredes e pisos.

“Não existem aparelhos desse tipo para residências porque falta interesse comercial”, explica Roberto Szente, especialista em plasma do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo. Segundo ele, os primeiros modelos para uso doméstico deverão custar entre 5 000 e 10 000 reais.

Também boa alternativa para o lixo na casa do futuro é a utilização de biodigestores – hoje são equipamentos enormes, fisicamente inviáveis em qualquer cozinha. O “bio” do nome dá a pista: trata-se de um sistema no qual os resíduos são acumulados em um depósito para serem devorados por bactérias. Os cocôs e puns desses bichinhos transformam-se em adubo ou fonte de energia – como o gás metano. O biodigestor já é utilizado para tratamento de lixo coletivo e tem tudo para se tornar viável do ponto de vista residencial.

Mas o grande avanço para a casa eco-eficiente pode estar na revolução nanotecnológica – a capacidade de o homem manipular átomo por átomo as substâncias, construindo e desconstruindo praticamente tudo o que existe. “A nanotecnologia produzirá bens de consumo com mínimo desperdício de materiais e menos produção de resíduos, diminuindo a emissão de dióxido de carbono e reduzindo o aquecimento global”, diz Lester Milbrath, diretor do programa de pesquisas em Meio Ambiente e Sociedade da New York State University, nos Estados Unidos. Na verdade, poderemos reduzir a produção de lixo e também transformar aquele que já existe, reconstruindo as substâncias e recuperando a forma e a função originais de quase tudo. Os otimistas acreditam que será possível nos livrarmos do lixo e da poluição despejados no planeta. Aí, sim, você poderá fazer sinal de positivo, estampar aquele sorriso cheio de dentes e concordar com as Organizações Tabajara: meus problemas acabaram!

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Uma iniciativa brasileira

Um modelo interessante de moradia está em construção num bairro nobre de Brasília. “A doutrina é a da arquitetura bioclimática”, explica o arquiteto Mário Viggiano, autor do projeto Casa Autônoma (www.casaautonoma.com.br). “Um edifício deve funcionar como uma casca protetora e, na medida do possível, ser mutante para se adaptar às variações do clima.” Assim, em vez de aparelhos de ar condicionado, nessa casa a temperatura e a umidade serão mantidas em níveis de conforto graças ao aproveitamento inteligente da ventilação natural. As janelas são grandes, abrem que é uma beleza, e levam em conta a direção dos ventos na região. A própria matéria-prima de vários componentes utilizados na construção são de material de alta inércia térmica, que retardam a transmissão de calor. A energia vem do Sol, com a ajuda de placas fotovoltaicas (que transformam luz em energia elétrica) e de duas turbinas eólicas, instaladas no telhado.

As turbinas são pequenas e começam a produzir energia a partir de ventos com velocidade estimada em 2,8 metros por segundo. O lixo será separado entre orgânico e inorgânico. O lixo orgânico (restos de alimentos) será triturado e depois transformado num depósito de tratamento e compostagem, na própria casa. O lixo inorgânico (vidros, plásticos e metais) irá para centros especializados em reciclagem. Quando estiver pronta, essa casa legal vai se beneficiar das águas da chuva por meio de um sistema de captação, filtragem e tratamento.

Na primeira etapa, a água é apenas filtrada num tipo de fossa séptica e então armazenada, podendo ser usada de pronto no vaso sanitário e em outros trabalhos que não exigem potabilidade, como lavagem do quintal ou do carro. Na segunda fase, o tanto que ainda resta armazenado vai para outro reservatório, o de plantas aquáticas, que elimina o excesso de nitrogênio. Completando o ciclo, a água é novamente filtrada e então tratada, tornando-se potável. E que não se confunda princípios ecológicos com ausência de alta tecnologia: a Casa Autônoma terá um sistema de automação gerenciado por um software chamado Elipse, capaz de interligar equipamentos, monitorar a segurança, detectar vazamentos e, claro, controlar o consumo de energia e de água. “A principal preocupação do projeto é provar a viabilidade da utilização de soluções sustentáveis em construções urbanas, com um mínimo de prejuízo à natureza”, diz Viggiano.

Na casa moderna, a poluição também é nova

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A expectativa é de que a casa do futuro nos faça conviver muito mais com um tipo ainda pouco conhecido de poluição, que está diretamente ligada à evolução tecnológica: a poluição eletromagnética. Essas ondas invisíveis já fazem parte do nosso dia-a-dia e decorrem em grande parte do uso de aparelhos com emissões de alta freqüência – como as dos celulares e as de todos os sistemas sem fio que já existem e que ainda surgirão em nossas casas. Por questões de conforto e para facilitar o deslocamento pela casa, a filosofia wireless prega que mouses, controles remotos e outros emissores de sinais estejam cada vez mais junto ao corpo das pessoas. A maravilha de andarmos sempre conectados poderá trazer como ônus a propagação de ondas eletromagnéticas no ambiente e em nós mesmos.

Para muitos especialistas, essas ondas podem acarretar redução na capacidade de concentração, interrupção do ciclo do sono e até interferência na produção de melatonina na glândula pineal – substância que, entre outras funções, diminui o crescimento de células cancerígenas.

O assunto é controverso. Fabricantes garantem que não há problemas para a saúde. “A potência dos aparelhos é muito baixa”, diz Rogério Loripe, vice-presidente de Tecnologia da Ericsson. Sérgio Koifman, médico e pesquisador do Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde, da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fiocruz, faz ressalvas. “As pesquisas não deixam claro se existe uma relação de causa e efeito entre a exposição aos campos eletromagnéticos e a incidência de câncer, mas isso também não foi rejeitado.” Uma companhia japonesa anunciou recentemente uma solução para esse problema potencial: a produção de fibras de poliéster recobertas com prata, que podem servir para fabricar paredes e confeccionar roupas isolantes. Mas isso, por assim dizer, iria acabar com a festa na casa do futuro, já que atrapalharia e mesmo condenaria a comunicação dos aparelhos eletrônicos com o mundo, entre si e com a gente.

O mar na torneira

Menos de 1% da água do planeta é potável e pode ser usada pelo homem. Bem, mas tem a água do mar. “A dessalinização é a grande saída para o problema do desabastecimento de água”, afirma o engenheiro Kepler Borges França, do Laboratório de Referência em Dessalinização do Departamento de Engenharia Química da Universidade de Campina Grande, na Paraíba. Segundo ele, essa tecnologia será levada para dentro dos lares, mesmo aqueles que estão longe do litoral, já que sob o solo existem reservatórios de água de todos os tipos, boa parte de água salobra. Um sistema de dessalinização é simples. Entram, por exemplo, 10 litros de água salgada de um lado, passam por membranas de purificação que separam o sal e, finalmente, do outro lado, saem até 7 litros de água doce. O equipamento, já disponível hoje para residências, ocupa cerca de 1 metro quadrado e custa em torno de 5 000 reais.

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