O império contra-ataca: a resposta da Intel para os chips da Apple
Os processadores Apple M1 e M2 gastam bem pouca energia – por isso, a bateria dos MacBooks dura inéditas 16h. Agora a Intel, que domina 80% do mercado de laptops, finalmente está lançando a sua resposta: o processador Alder Lake P. Será que ele consegue chegar lá? Confira o teste.
UUm homem severo fala a uma grande plateia, que o assiste por um telão. “Hoje, celebramos o primeiro aniversário das Diretivas de Purificação da Informação. Criamos, pela primeira vez na história, um jardim de ideologia pura – onde cada trabalhador pode florescer, a salvo das pragas que causam pensamentos contraditórios. Somos um só povo, com um só desejo, uma resolução, uma causa. Nós venceremos!” Assim que ele diz isso, uma mulher vem correndo e arremessa um machado no telão, que explode. Aí aparece a mensagem: “Em 24 de janeiro, a Apple lançará o Macintosh. E você verá por que 1984 não será como 1984”.
Uau. O comercial de apresentação do primeiro Mac, veiculado no Super Bowl de 1984, é um dos mais marcantes da história da propaganda. Foi dirigido por Ridley Scott (que havia acabado de filmar Alien e Blade Runner), custou US$ 1,1 milhão em valores atuais, e é baseado no clássico romance 1984, de George Orwell.
O homem que faz o discurso é o Grande Irmão, o estado totalitário imaginado por Orwell. Ele representa o PC, que havia sido criado pela IBM usando os processadores da Intel e estava começando a dominar o mercado. A mulher é o Mac – e simboliza a rebeldia da Apple, que era uma empresa pequena perto da gigantesca IBM.
O PC venceu. Dezenas de empresas começaram a fabricar computadores compatíveis com a máquina da IBM, e os preços despencaram. Eles usavam chips Intel, cada vez mais potentes, e em 1985 surgiu a primeira versão do Windows, que tinha ícones e janelas como o Mac.
Já a Apple botou Steve Jobs para fora, entrou em declínio e quase foi à falência – acabou salva pelo retorno do próprio Jobs, em 1997. Com ele vieram o iMac, iPod, o iPhone. A Apple se tornou uma empresa bem maior que a IBM (faturou US$ 97 bilhões ano passado, quase o dobro da “Big Blue”). Mas os PCs continuam dominantes: representam 91% dos computadores vendidos este ano no mundo, segundo a consultoria Gartner.
E a Intel manda neles. Os chips dela estão presentes em oito de cada dez notebooks. No final de 2020, a Apple desafiou essa supremacia com o lançamento do processador M1, que gasta muito menos energia – e levou os MacBooks a alcançar inéditas 16h de bateria, algo fora do alcance dos laptops Windows.
É uma mudança profunda, que transforma a relação com o notebook: ele deixa de ser um aparelho meio problemático, que esquenta, tem ventoinhas barulhentas e aguenta pouco tempo longe da tomada, e se torna algo silencioso e com muita autonomia, sempre pronto para uso. Como os smartphones.
Agora, a Intel está lançando sua resposta: os processadores Core de 12a geração, também conhecidos pelo codinome Alder Lake (a empresa usa nomes de lagos para batizar suas gerações de chips; o Alder fica em Washington e surgiu com a construção de uma hidrelétrica, em 1944).
Eles foram apresentados no começo de 2022, mas acabaram atrasando. Nos primeiros meses do ano, a Intel só conseguiu colocar no mercado os Alder Lake da chamada série H – chips ultrapotentes, que gastam bastante eletricidade e se destinam a notebooks gamer (grandes, pesados e com baterias que duram pouco).
Só agora chegaram os processadores que mais interessam: os Alder Lake P, que prometem combinar bom desempenho e baixo consumo. Assim como os outros chips da Intel, os Alder Lake P terão versões básicas (Core i3), intermediárias (i5) e de alta performance (i7).
Nós testamos o notebook Lenovo Yoga 9i, o primeiro com um processador da nova geração. Ele tem o chip Core i7-1280P e é uma máquina de luxo, fina e leve, que custa R$ 13 mil – preço de MacBook. Mas calma. Com o tempo, os Alder Lake P irão chegar a todos os laptops, inclusive os mais baratos.
Se eles realmente gastarem pouca energia, até os notebooks mais simples, na faixa de R$ 3 mil, terão tanta autonomia quanto os MacBooks. Ou, na pior das hipóteses, bem mais do que têm hoje. Basta que o novo processador da Intel entregue o que promete. Mas, para conseguir fazer isso, ele terá de superar um grande obstáculo.
Ao projetar os seus chips, a Apple abandonou a microarquitetura x86, que é a usada pela Intel, e migrou para a ARM – a mesma usada nos chips de celular. Os processadores ARM conseguem executar cerca de 230 operações matemáticas diferentes, contra as mais de 1.500 realizadas pelos rivais x86.
Isso não é um problema (basta reescrever os softwares para a linguagem ARM, e eles funcionam numa boa), e proporciona uma enorme vantagem: como faz menos tipos de cálculo, o processador contém circuitos menos complexos. E gasta menos energia.
Só que a Intel, ao contrário da Apple, não pode mudar para ARM. As pessoas usam Macs para rodar um conjunto bem específico de programas – navegador, pacote Office e programas de criação de conteúdo (edição de vídeo, foto, ilustração etc.). A Apple conseguiu que a grande maioria deles fosse convertida para a linguagem ARM.
Mas a realidade da Intel é outra. Praticamente todos os computadores, no mundo, são x86 – e isso inclui, além do seu desktop ou laptop, coisas tão díspares quanto os caixas de supermercado, os terminais que controlam o tráfego aéreo e as plataformas de petróleo, os servidores dos bancos e das bolsas de valores.
Seria inviável tentar migrar tudo isso para um novo padrão. O mercado rejeitaria (a Intel até tentou algo do tipo no começo dos anos 2000, com a arquitetura IA-64, e fracassou). Então os novos Alder Lake são do padrão x86 mesmo – que é poderoso, mas gasta bastante eletricidade.
Para tentar mitigar isso, eles têm dois tipos de núcleo de processamento: os P-cores, de “performance”, que são acionados em tarefas mais pesadas, e os E-cores, de “economia”, que gastam menos energia e teoricamente dão conta do resto [veja no infográfico].
É o mesmo princípio usado nos chips da Apple (e nos da Qualcomm, presentes em smartphones). O notebook que testamos tem seis P-cores e oito E-cores.
O processador controla automaticamente a velocidade de cada um para poupar energia, e também pode desativar núcleos (core parking) quando eles não forem necessários. Começamos o teste avaliando o desempenho do chip.
Mesmo com trocentas abas do Chrome abertas, fazendo ao mesmo tempo várias atividades online que exigem certo poder de processamento (como rodar o Google Docs e o Google Planilhas, tocar música por streaming e ver vídeos no YouTube), o navegador consumiu apenas 2% a 3% da potência da CPU. Bem impressionante.
O Lenovo Yoga 9i não é um notebook para games ou edição de vídeo. Mas, para ver como a nova CPU da Intel se sairia, também testamos isso. O chip mostrou ter força suficiente para trabalhar com vídeo. Ele levou 19 minutos para renderizar (processar) um clipe de 15 minutos, na resolução 4K, com dois efeitos aplicados (correção de cor e ajuste de áudio) no programa DaVinci Resolve. Um desempenho razoável.
Já com games, aconteceu o esperado: a “placa de vídeo” integrada na CPU não é nada de mais. Testamos com Forza Horizon 5, Battlefield V e Halo Infinite, todos configurados para o nível “médio” de detalhes gráficos e com a tela em 1080p (abaixo da resolução nativa do notebook Lenovo, que é 4K).
Conseguimos rodar os dois primeiros a 30 quadros por segundo (fps), patamar mínimo para jogar com conforto. Já Halo patinou, a 15 fps. Para conseguir jogar, só diminuindo a resolução dele para 720p. Em suma: o vídeo onboard é passável, mas não faz milagre.
As ventoinhas do notebook são silenciosas, você só sente a (leve) vibração delas. Porém, em situações de uso intenso, a temperatura interna da CPU ficou entre 96 e 98 graus Celsius.
Isso é um pouco alarmante, mas está dentro do previsto pela Intel. Para evitar que o chip batesse em 100 oC, superaquecesse e perdesse velocidade (entrando em thermal throttle), tive que colocar manualmente a configuração das ventoinhas no modo “Performance”. Funcionou.
Em seguida, vieram os testes de bateria. Usei só o navegador, rodando o Google Workspace (Gmail e os editores de textos e planilhas do Google), usando o WhatsApp Web, ouvindo música por streaming (Tidal) – e parando, na hora do almoço, para ver um pouco de YouTube.
Exatamente como nos testes do MacBook Pro M1, em que consegui facilmente atingir as 16h de autonomia prometidas pela Apple. A tela foi ajustada para 40% de brilho, com as configurações de energia do Windows no modo “equilibrado”.
Na primeira rodada, um susto: a bateria do Lenovo durou pífias 2h33. Mas logo achei o problema. Alguém havia instalado o pacote Adobe Creative Suite na máquina, e o gerenciador dele não estava logado. Nesse estado, consumia 5 a 7% da potência da CPU, de forma contínua. Era um bug. Loguei com a minha conta Adobe, e o problema sumiu.
Aproveitei para desinstalar o antivírus McAfee, que vem de fábrica e “gasta” bastante CPU (o Windows tem seu próprio antivírus, o Defender, mais leve). Também coloquei o sistema operacional, manualmente, no modo “economia de energia”, e reduzi o brilho da tela para 30%. Melhorou: na segunda rodada, a bateria durou 6h09. Ainda muito longe dos MacBooks.
Então, na terceira rodada de teste, troquei o Chrome pelo navegador Microsoft Edge, que tem fama de gastar menos energia. Não adiantou muito: 6h14. Ok, poderia ter sido meia hora a mais se o Windows não tivesse desperdiçado 7% da bateria, durante um tempinho em que precisei ir ao banco e o notebook ficou “dormindo” em casa, com a tampa fechada.
Normalmente, isso não acontece (nos testes, a máquina da Lenovo gastou apenas 1% a 2% da bateria a cada 8 horas no modo de espera, o que é excelente). O Windows deve ter decidido acordar sozinho para baixar alguma atualização.
Executei a quarta rodada sem nenhuma interrupção. Nela, tentei outro truque. Diminuí a resolução da tela para 1080p, o que supostamente também economiza energia. Em vão. A bateria durou 6h18. Conclusão: mesmo considerando as variações naturais e inevitáveis em cada rodada de testes, a autonomia não vai muito além das seis horas.
Resolvi tentar com uma ferramenta automatizada, o programa PCMark 10. Ele tem uma função, a “Modern Office”, que executa uma série de tarefas típicas de trabalho: abre um navegador e acessa alguns sites, simula uma videoconferência, edita textos e planilhas e até renderiza arquivos 3D (como os usados por arquitetos e engenheiros), alternando entre essas coisas até a bateria acabar.
Nesse teste, o notebook aguentou 10h53. Aí sim. Uma diferença e tanto. O problema é que o “escritório moderno” do programa, lançado em 2017, não é tão moderno assim: ele usa o LibreOffice, um pacote offline, que roda localmente no PC – e, por isso, provavelmente exige menos energia do que o Google Workspace.
Ou talvez o problema seja que, mesmo quando você está usando apenas 2% a 3% da potência da CPU (como eu fiz enquanto trabalhava), o Alder Lake continue gastando eletricidade demais.
Também há outra hipótese, mais prosaica. Observando o PCMark trabalhar, notei que em diversos momentos do dia ele simplesmente parava e ficava um tempão sem fazer nada. Talvez seja para reproduzir aqueles momentos, tão típicos do escritório pré-pandemia, em que as pessoas interrompiam o trabalho para ir papear e tomar café.
Conclusão: na prática, o Alder Lake continua sendo um típico processador x86. Ele é potente, mas esquenta. E, apesar dos núcleos econômicos, gasta bastante energia.
O notebook da Lenovo tem bateria generosa, com 75 watts-hora de capacidade – bem mais do que os 58 Wh do
MacBook Pro M1. Ainda assim, fica distante dele em autonomia. Em suma: mesmo com seu novo chip, a Intel ainda não tem uma resposta, no quesito performance/consumo de energia, à altura da Apple.
Uma possível solução está nos chips Alder Lake da Série U, que terão menos núcleos (e, por isso, gastam menos eletricidade). Eles foram apresentados no começo do ano, mas ainda não estão no mercado.
Devem ser lançados nos próximos meses – e talvez consigam chegar mais perto dos MacBooks. Pelo bem das pessoas normais, que não podem nem querem pagar mais de R$ 10 mil num laptop, mas gostariam que ele aguentasse o dia inteiro longe da tomada, tomara que sim.
***
A pegadinha do M2
Os novos MacBooks são ótimos. Desde que você saiba evitar uma armadilha.
Um ano e meio após o lançamento dos MacBooks com o processador M1, a Apple finalmente colocou no mercado a nova geração dessas máquinas, equipadas com o chip M2. Ele gasta pouquíssima bateria, assim como o M1, e é um pouco mais rápido.
Um excelente processador, que continua bem à frente dos PCs na relação performance/consumo de energia – o MacBook Pro M2 mantém as impressionantes 16h de autonomia. Mas os novos portáteis da Apple também escondem uma pegadinha: o SSD (solid state disk) de 256 gigabytes presente em suas versões básicas.
Tanto no MacBook Air M2 quanto no Pro M2, o SSD de 256 gigas é formado por apenas um chip de memória. E o problema é justamente esse. Na geração anterior dos notebooks Apple, os M1, havia dois chips (128 GB + 128 GB). O computador gravava e lia dados nos dois ao mesmo tempo.
No M2, como há apenas um chip, não dá para trabalhar dessa forma – e a performance cai bastante. Mesmo. Os primeiros testes publicados nos EUA revelaram que o novo SSD da Apple é 50% mais lento na leitura de dados (e 30% mais lento na escrita).
Não entenda mal: ele continua sendo muito rápido. Trata-se de um SSD, afinal. Os programas abrem depressa, os MacBooks M2 são bem ágeis. Mas existe uma situação em que eles podem sofrer, por causa de outra limitação. As versões básicas do Air e do Pro, essas mesmas que vêm com o SSD de 256 gigabytes, têm apenas 8 GB de memória RAM.
Conforme você vai abrindo mais softwares e abas do navegador, os programas acabam ocupando todos os 8 gigabytes da RAM. Quando isso acontece, o sistema operacional começa a usar um arquivo chamado swap – ele fica no SSD (em computadores mais antigos, no disco rígido) e funciona como uma espécie de memória RAM virtual.
Nos MacBooks M1, tudo bem: como eles tinham SSD muito rápido, você nem sentia quando a máquina recorria ao swap. Já nos M2 de 256 gigabytes, a queda de desempenho é claramente perceptível.
A Apple confirmou a mudança nos SSDs, mas não disse por que tomou essa decisão – se foi uma medida para reduzir custos, ou (o que talvez seja mais provável) uma tentativa de driblar a escassez global de todos os tipos de chip, inclusive os de memória.
O problema só afeta os MacBooks M2 com SSD de 256 GB. As versões de 512 GB e 1 TB continuam usando vários chips de memória, e por isso não têm a queda de performance.