O mundo da Lua
O vizinho mais próximo da Terra ainda guarda muitos segredos. Alguns cientistas dizem até que é um planeta - não um satélite. Enquanto isso, renovam-se planos para uma base lunar
Martha San Juan França
Tudo começou há vinte anos. Naquele histórico 20 de julho de 1969, cerca de 1 bilhão de pessoas — um terço da humanidade — viram emocionadas pela televisão o astronauta americano Neil Armstrong pisar pela primeira vez o solo lunar, depois de uma viagem de quatro dias a bordo da Apolo 11. O ato foi saudado como um pequeno passo para o homem, um gigantesco salto para a humanidade. Era o ponto culminante da corrida espacial em que se empenhavam americanos e soviéticos desde 1957, quando Moscou anunciou o lançamento do Sputnik, primeiro satélite artificial da Terra.
Depois da proeza da Apolo 11, pensou-se fazer da Lua a primeira escala de uma viagem que levaria o homem para planetas ainda mais distantes. Algo assim como um posto de abastecimento no meio de uma estrada deserta. Muita gente sonhou também com uma colônia humana na Lua — longe das crises e dos problemas que os terráqueos costumam criar em seu habitat natural. Os astrônomos queriam construir ali um observatório, aproveitando a ausência de atmosfera, que atrapalha os telescópios terrestres. E todo o mundo queria saber mais sobre esse astro, de repente tão próximo da Terra.
Nos anos que se seguiram, o homem arranhou como pôde a superfície da Lua — garimpou suas rochas, tirou fotografias de seus acidentes geográficos, constatou ali a ocorrência de 10 mil terremotos e o impacto de 2 mil meteoritos. Trouxe 385 quilos de amostras de seu solo para estudar nos laboratórios. Medidores de radiação, radares, refletores de laser e sismógrafos enviaram 1 trilhão de bits de informações para abastecer os computadores da NASA no Centro Espacial Johnson, no Texas. Muito se aprendeu sobre as andanças e o corpo da Lua. Mesmo assim, ela conservou bem guardados alguns de seus segredos mais importantes.
Para começar, os cientistas vêem a Lua ora como satélite, ora como planeta. Embora seu diâmetro seja quatro vezes menor que o da Terra, ela é um dos maiores satélites existentes no sistema solar, perdendo por pouco para Mercúrio, o menor de todos os planetas. Os astrônomos às vezes dizem que o sistema Terra-Lua forma um planeta binário. Nenhum outro planeta do sistema solar tem um satélite comparativamente tão grande, observa o astrônomo Sylvio Ferraz Mello, da Universidade de São Paulo. Às vezes também dizem que planeta ou satélite, no fundo é uma questão semântica. Mas o astrônomo Wagner Sessim, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), de São José dos Campos, não deixa por menos: Ao contrário do que se ensina na escola, a Lua não é um satélite da Terra. Terra e Lua giram uma em torno da outra e ambas em torno do Sol.
Satélite ou não, a Lua deve ter começado como um pequeno planeta que há 4,6 bilhões de anos disputou com a Terra o material existente nesse pedaço do sistema solar. Por algum motivo que não se conhece, a Terra evoluiu mais depressa, acumulou mais material e tornou-se sensivelmente maior. A Lua, que ficou menor que a Terra, acabou capturada pela atração gravitacional do planeta e passou a girar em sua volta. Outra hipótese, que o astrônomo Ferraz Mello considera fantasia, afirma que durante aquele turbulento período um planeta em formação — quem sabe do tamanho de Marte — pode ter-se chocado com a Terra e dos estilhaços nasceu a Lua.
Quando os primeiros répteis deixaram os mares e se fixaram na superfície terrestre, há 350 bilhões de anos, enxergavam a Lua 22 vezes maior do que ela parece hoje. Não que seu tamanho fosse maior então — apenas estava mais perto da Terra. Atualmente, sua órbita caprichosa ora a afasta 406 mil quilômetros, ora a aproxima até 356 mil quilômetros da Terra. Esse movimento dura 27 dias e oito horas — o mesmo tempo que a Lua leva para dar uma volta completa em torno de si mesma. É por esse motivo que, como se sabe, a Lua sempre tem a mesma face voltada para a Terra. Há 350 milhões de anos, porém, o dia tinha apenas 21 horas e 9 minutos, porque a Terra girava mais depressa sobre seu eixo, e o ano 400 dias. Em compensação, a Lua estava a apenas 18 mil quilômetros de distância.
Esse jogo de aproximação e afastamento que se repete até hoje entre a Terra e a Lua é embalado pelo ritmo das marés, ou seja, pela atração gravitacional que a Lua exerce sobre os oceanos, continentes e até sobre a atmosfera do planeta. Como o freio de um carro, as marés reduzem a velocidade de rotação da Terra. À meia-noite do último dia de 1987, por exemplo, todos os relógios do mundo tiveram de ser atrasados 1 segundo para acompanhar o atraso na velocidade de rotação da Terra. Ao contrário de um relógio, a Lua compensa o atraso aumentando sua órbita — todo ano ela se afasta 3 centímetros do planeta. Segundo o astrônomo Paulo Benevides, da USP, o movimento é inexorável: A Lua vai continuar se afastando até que a Terra demore tanto para dar uma volta completa entorno de si quanto a Lua em torno dela. Quando isso acontecer, a Terra terá apenas uma face voltada para a Lua.
Lua quer dizer luminosa em latim. Para os antigos, de fato, ela parecia um astro liso e brilhante. Mas desde 1610, quando o italiano Galileu Galilei (1564-1642) apontou pela primeira vez uma luneta em sua direção, se sabe que a Lua é esburacada como, na clássica metáfora, um queijo suíço. Aliás, os românticos podem debitar a Galileu o fato de o homem aprender a vê-la realisticamente. A Lua não é lisa nem esférica, dizia ele. É feia, esburacada, coberta de montanhas e sulcada de vale profundos.
Supõe-se que a Lua tenha mais de 500 mil crateras com diâmetro superior a 1 quilômetro, algo como dez campos de futebol enfileirados, e alguns bilhões de mini e microcrateras. Elas são um testemunho mudo de um passado de colisões ocorridas há mais de 4 bilhões de anos. Naquela época, o sistema solar mais parecia um campo de batalha cósmica, onde asteróides e cometas faziam o papel de balas de canhão caindo por todos os lados. Quando uma dessas balas atingia um planeta ou satélite, a explosão abria um buraco de cratera. Para o geólogo americano Harold Masurky, o impacto de alguns desses objetos era tão violento que o chão devia tremer como um prato de geléia.
Se a Lua foi tão castigada por esse colossal fogo cruzado, por que o mesmo não teria acontecido com a Terra? De fato, o bombardeio cósmico não poupou nem a Terra nem os outros corpos do sistema solar. Só que a grande maioria das feridas cicatrizou com o tempo — no caso da Terra, devido à ação da água e dos ventos. Como na Lua quase não há erosão, até crateras minúsculas foram preservadas. De perto, é uma paisagem ao mesmo tempo monótona e aterradora. A centenas de milhares de quilômetros, porém, a aparência é bem mais plácida.
Mesmo assim, a Lua inspirou lendas e superstições mais que qualquer outro corpo celeste. Nas noites de lua cheia quando a luz do Sol incide diretamente sobre sua face voltada para a Terra, o homem se acostumou a imaginar que ali se moviam estranhas criaturas — entre elas um garboso cavaleiro São Jorge em luta contra o dragão. A realidade é bem menos delirante. As manchas escuras da Lua, que sugeriam ao homem medieval o perfil do santo, são apenas planícies basálticas que receberam o nome latino de maria (plural de mar) porque os astrônomos do século XVII as confundiram com oceanos — algo de que, por sinal, a Lua não possui nem um pingo na superfície.
As regiões prateadas que brilham mais intensamente são montanhas. Elas cobrem 60 por cento da face visível da Lua e quase todo o lado oculto, que o homem conhece somente pelas fotografias. Para não fugir à regra lunática, tanto as planícies quanto as montanhas são crivadas de crateras. O bombardeio dos meteoritos também produziu rachaduras que se irradiam da boca das crateras. Os 385 quilos de pedras trazidos pelas naves espaciais americanas e soviéticas forneceram algumas pistas sobre a turbulenta história da Lua.
Durante seus primeiros 200 milhões de anos, era apenas uma massa com a superfície derretida, constantemente bombardeada pelos projéteis espaciais. Demorou outros tantos 300 milhões de anos para que a crosta se solidificasse. Embora mais esparso, o bombardeio continuou. O impacto dos objetos cavou enormes depressões assemelhadas a golfos e baías, principalmente na face iluminada da Lua, onde a crosta era menos espessa. O calor provocado pelo impacto de projéteis fundiu o material da superfície. Terremotos e vulcões trouxeram à tona um mundo de lava que preencheu os golfos, constituindo os mares lunares. Nos últimos 3 bilhões de anos, o aspecto da Lua sofreu poucas transformações. Os impactos dos meteoritos em sua superfície tornaram-se mais raros. Ao mesmo tempo, a Lua foi lentamente se resfriando.
Um dos pais da Astronomia moderna o alemão Johannes Kepler (1571-1630) chegou a imaginar que as crateras da Lua, que pareciam perfeitamente circulares, fossem uma prova da existência de alguma raça capaz de grandes construções, como a Muralha da China, que pode ser vista fora da Terra. Na verdade, embora a Lua ainda não tenha sido explorada palmo a palmo, a existência de seres lunáticos é uma possibilidade virtualmente nula. Por causa de sua baixa gravidade, a Lua não tem atmosfera ficando indefesa diante da carga brutal de radiação cósmica ultravioleta, X e gama, capaz de destruir qualquer forma de vida. Para completar, a temperatura ali não é nada favorável: de dia, sobe a 100 graus; à noite, baixa para 150 graus negativos.
É esse mundo inóspito que o homem novamente pensa conquistar. O objetivo agora não é apenas fincar uma bandeira que marque a hegemonia numa disputa pela conquista do espaço, como aconteceu há vinte anos, quando os americanos, à frente dos soviéticos, pisaram pela primeira vez na Lua. Desde aquela época, a NASA acumulou centenas de projetos de construção de uma base lunar. Mas, passado o clima de competição com a União Soviética, arrefeceram os impulsos de dar segmento ao feito da Apolo. Só depois do desastre da Challenger, em janeiro de 1986, que pôs em xeque o programa espacial americano, novas idéias foram admitidas e velhas idéias foram reavaliadas — entre elas a da base lunar.
Sinto que agora a possibilidade começa a entusiasmar, comenta o físico Wendell Mendell, responsável pelo projeto lunar no Centro Espacial Johnson. Já estamos pensando até nos detalhes, diz ele. Isso não quer dizer, porém, que o governo americano já tenha resolvido efetivamente bancar o projeto. As incursões espaciais da União Soviética, por outro lado, passam ao que tudo indica bem longe da Lua. Em todo caso, segundo os planos americanos, seria estabelecida de início uma colônia de seis a doze pioneiros, que viveriam em abrigos subterrâneos para escapar da radiação cósmica e das mudanças de temperatura. Esses abrigos seriam formados por balões cheios de ar, cobertos de sacos de areia ou tijolos feitos de solo lunar. Com a energia obtida por células solares esses primeiros colonos da Lua, teriam calor e eletricidade.
A tecnologia necessária para a concretização desse sonho já existe. Num relatório sobre os possíveis caminhos do projeto espacial americano, uma comissão chefiada pela ex-astronauta Sally Ride afirma que entre 1995 e 2015 a NASA poderia enviar tripulações à Lua para, num prazo de trinta dias, instalar os equipamentos necessários a uma futura base permanente. Nessa primeira fase, todo o material usado na base, inclusive para a construção de abrigos, iria da Terra. Uma vez estabelecidos, diz o relatório, os astronautas ocupariam a base por mais duzentos dias, pesquisando minerais. Então estariam preparados para a auto-suficiência.
Esse primeiro oásis lunar serviria basicamente de trampolim para foguetes destinados a lugares mais distantes. Pois um dos principais obstáculos ao lançamento de naves interplanetárias a partir da Terra é a força gravitacional. Com a baixa gravidade da Lua, não seria mais preciso construir gigantes ainda maiores do que o Saturno 5, que impulsionou a nave Apolo à Lua. Aliás, na era dos ônibus espaciais reutilizáveis, como o Discovery, é difícil imaginar um foguete tão grande quanto o que seria necessário, por exemplo, para levar o homem a Marte. A Lua serviria também como depósito de combustível — responsável por 70 por cento do peso de uma nave. O combustível, basicamente oxigênio líquido, seria extraído quimicamente do solo lunar. Do basalto, se retiraria água e resíduos sólidos. A água seria separada por eletrólise em hidrogênio e oxigênio.
Graças a baixa gravidade lunar também se poderia fabricar ligas metálicas impossíveis de obter na Terra pela diferença de densidade dos materiais. Teoricamente, um metal leve como o alumínio poderia fazer parte de uma nova liga, digamos, com chumbo, com propriedades ideais para um novo produto industrial. Há ainda estudos para a fabricação na Lua de cerâmicas supercondutoras. Atualmente, elas conduzem eletricidade sem perda de energia a temperaturas de 148 graus negativos. Na Lua, como essa temperatura existe em locais onde não bate sol, o processo fica mais fácil.
Remédios, cristais e outros produtos desconhecidos na Terra também poderiam ser fabricados ali. Experiências nesse sentido, por sinal, já foram realizadas nos laboratórios espaciais. A primeira viagem do ônibus espacial Discovery depois do desastre com a Challenger serviu entre outras coisas para testar a fabricação do AZT, droga usada no tratamento da AIDS. Enfim, a conquista da Lua não é ficção científica. O homem já tem uma bagagem de conhecimentos suficientes para a empreitada — a questão é saber se há vontade de tocá-la.
O problema é complexo. De um lado, a colonização da Lua significaria dar seqüência prática ao gigantesco salto para a humanidade, que foi, há vinte anos, a primeira alunissagem. Além disso, uma base lunar também daria à aventura espacial o sentido de permanência que não teve até hoje. Ou seja, montar casa na Lua equivaleria a cortar o cordão umbilical com a Terra. De outro lado, porém, resta saber se, na ponta do lápis, os eventuais benefícios dessa excitante cartada futurista compensariam o investimento de bilhões de dólares que talvez pudessem ser gastos para melhorar a vida na própria Terra.
Para saber mais:
Pisou na Lua? Vai para o castigo
(SUPER número 6, ano 8)
(SUPER número 8, ano 8)
Houston, temos um problema aqui
(SUPER número 8, ano 9)
(SUPER número 2, ano 11)
Lendas lunáticas
Mesmo na era espacial há quem acredite que a Lua exerça poderosa influência sobre plantas, animais e seres humanos. Essa lenda provavelmente começou quando o homem pré-histórico imaginou que a sucessão das quatro fases da Lua – nova, crescente, cheia e minguante — era um ato de vontade daquele corpo celeste, o único por sinal a não mostrar sempre a mesma imagem. Tratada como divindade, a Lua regeria a flutuação dos humores e emoções das pessoas. Sobreviveu até os dias de hoje, devidamente reforçada pela Astrologia, a crendice de que ela afeta o sistema nervoso, fertilidade e até a saúde dos cabelos.
Durante a Lua cheia, que por coincidência também é a preferida dos lobisomens e mulas-sem-cabeça, aumentam os casos de loucura e os crimes passionais, as clínicas psiquiátricas recebem mais pacientes e nas maternidades cresce o número de partos. Tudo bobagem, afirma o neurologista José Levy, do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Não há qualquer estatística que comprove alteração do número de partos em qualquer fase da Lua, garante por sua vez o presidente da Sociedade Brasileira de Ginecologia, Thomas Gollop. E, para decepção dos que se preocupam com o viço dos cabelos, o dermatologista Mário Grimblat comunica: Não faz a menor diferença a lua em que se corta o cabelo.