O Sherlock Holmes dos micro ETs
O detetive-cientista Jack Farmer escolheu uma profissão tão incomum que teve de inventar um nome para ela: exopaleontologia. Ele procura fósseis de micróbios extraterrestres
Thereza Venturoli
Lupa na mão e lógica na cabeça. Era assim que o detetive Sherlock Holmes, criação do escritor escocês Sir Arthur Conan Doyle (1859-1930), solucionava crimes na Londres do século passado. Pois a ciência do século XX tem seu próprio Sherlock: o exopaleontólogo americano Jack Farmer. O grande caso de Farmer não tem nada a ver com mortes misteriosas. Ao contrário, diz respeito à origem da vida. Ele procura fósseis de microscópicos seres que habitaram outros mundos há bilhões de anos.
A antiquada lupa de Holmes foi trocada por potentes microscópios eletrônicos. Mas a lógica do personagem de ficção permaneceu impecável no raciocínio do cientista. Acompanhe: alguns dos locais menos hospitaleiros da Terra, como vulcões e gêiseres, estão até hoje pululando de primitivos microorganismos, descendentes dos micróbios que povoaram o planeta há mais de 3,5 bilhões de anos. Se Marte já teve um cenário muito parecido com esse, por que não teriam nascido micróbios ali também?
Aos 49 anos, Farmer aposta na lógica. Desde 1991, trabalha no Centro de Pesquisa Ames, da Nasa, na Califórnia, como o primeiro exopalentólogo do mundo. E hoje participa do planejamento das futuras missões à Marte. Nesta entrevista exclusiva à SUPER, o detetive de microETs conta que um de seus maiores sonhos é entender o processo de surgimento da vida no nosso mundo, a partir da caça aos extraterrestres.
SUPER: Como o senhor se sente sendo o primeiro exopaleontólogo do mundo?
É um grande desafio. Sou completamente tomado pela paixão por descobrir respostas para questões fundamentais como de onde viemos e se estamos sozinhos, ou não, nesse vasto e belo Cosmo. No início, acho que nem mesmo meus colegas mais próximos me levavam a sério. Contudo, com a descoberta do ALH84001, essa atitude mudou bastante. Pela primeira vez admitiu-se que substâncias orgânicas podem estar preservadas em rochas marcianas, exatamente como eu havia sugerido anos atrás. Com as recentes descobertas, fica mais fácil desenvolver um plano para a exploração de Marte, em busca de antigos habitantes. É claro que ainda existem céticos. Mas isso é bom para a ciência. Mantém todos nós com os pés no chão e trabalhando melhor.
SUPER: Quer dizer que o meteorito encontrado na Antártida no ano passado traz mesmo marcas de ETs?
O meteorito ALH84001 não carrega nenhuma prova definitiva de microorganismos. Os registros químicos que ele contém podem muito bem ter sido deixados ali por reações inorgânicas, e não por atividade biológica. E as marcas atribuídas a fósseis de micróbios são muito menores do que os menores organismos terráqueos que conhecemos. Mesmo assim, aprendemos muita coisa com a análise da rocha. Descobrimos que, no início da sua história, Marte continha dois ingredientes fundamentais à vida, água e compostos orgânicos, que foram perfeitamente preservados por bilhões de anos. Agora, precisamos ir até os antigos planaltos marcianos, de onde o meteorito deve ter sido arrancado, e trazer amostras para análise na Terra. Aí, sim, teremos as provas definitivas da existência ou não de seres fossilizados em Marte. Foi o estudo do meteorito caído na Antártida que nos levou a ir tão longe.
SUPER: É por isso que a Nasa tem demonstrado tanto interesse por Marte?
As respostas sobre como a evolução das espécies se deu na Terra podem estar enterradas em algum lugar de Marte. O fóssil microscópico terráqueo mais antigo que conhecemos tem mais de 3,5 bilhões de anos. Ainda assim, ele não é um exemplar original. Foi destruído e reciclado milhares de vezes antes de ser encontrado pelos movimentos da crosta terrestre. Marte, onde não existem tais movimentos, é um planeta extremamente interessante para buscarmos fósseis antiqüíssimos e intactos. Mesmo que a vida nunca tenha florescido por lá, sua velha crosta mantém “assinaturas” geoquímicas dos primórdios do sistema solar, que acabaram por se perder na Terra. Isso nos ajudará a descobrir como as substâncias se misturaram para dar origem aos primeiros organismos do nosso planeta.
SUPER: E o senhor acredita que ainda haja organismos vivos em Marte?
Procurar seres vivos equivale a procurar por água em estado líquido. Eu acho que o subsolo marciano –que tem pressão e temperatura mais altas do que a superfície – contém água líquida. Na Terra, esse tipo de ambiente hospeda numerosos tipos de microorganismos. O mesmo pode ocorrer por lá. O único problema é chegar até a casa dos pequenos seres. Para alcançar a água, teríamos de perfurar no mínimo 10 quilômetros. Hoje, esse trabalho teria de ser feito pessoalmente pelo homem, pois a tecnologia robótica de que dispomos não está preparada para cavar mais do que alguns metros.
SUPER: Que outros lugares podem conter organismos vivos no Sistema Solar?
Europa, um dos satélites de Júpiter, é um bom palpite. As últimas imagens da sonda Galileu mostram que a superfície dessa lua é formada de água gelada. Mas tudo indica que, abaixo desse gelo, há uma zona com água líquida, que pode ser o cenário ideal para o surgimento da vida. Precisamos ir lá e ver de perto, mas outra vez isso está limitado por nossa limitada capacidade de fazer escavações extraterrestres. Aí a exopaleontologia pode ajudar a encontrar fósseis que tenham sido lançados do subsolo por fontes e gêiseres, e se congelado na superfície gelada, ficando preservados criogenicamente.
SUPER: De onde vem essa sua segurança de que eles estão lá?
É tudo uma questão de probabilidade, não é? E essa probabilidade vem aumentando. Calcule pelo grande número de estrelas de nossa Galáxia, pelos milhões de novas galáxias que o Telescópio Espacial Hubble tem revelado e pelos recém-descobertos planetas em torno de outros sóis. Tudo isso aumenta a possibilidade de existirem outros planetas com ambiente favorável ao desenvolvimento de seres vivos, pelo simples fato de terem água líquida.
SUPER: Por que é tão importante buscar nossos vizinhos cósmicos?
Se existe ou não mais alguém lá fora no Universo é uma das grandes questões da humanidade. A eventual descoberta de ETs, ainda que microscópicos, vai transformar nossa visão de nós mesmos e do nosso lugar no Cosmo. Por outro lado, se não acharmos evidências de vida além da Terra, vamos aprender outra grande lição. Isso provará que o homem é uma espécie agraciada com um dom singular e raríssimo. Eu me lembro do impacto criado pelas primeiras imagens da Terra vista da Lua, feitas durante as missões Apolo, a partir do final da década de 60. Aquele solitário oásis azul e verde no céu escuro era o lar de toda a humanidade. E guardava toda a história do homem, com todas suas batalhas, triunfos e derrotas de sua origem até hoje. Acredito que essa visão seja a raiz de movimentos globais de defesa do meio ambiente e do esforço para evitar nossa autodestruição pela guerra. Agora, podemos ir mais além nessa preocupação. Veja que, antes de trazermos qualquer amostra do solo marciano para cá, o mundo todo terá de concordar com uma política de proteção do nosso planeta contra o eventual risco de contaminação.