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Israel: o “wadi” do silício

Como um país pequeno e envolto em guerras virou polo de empresas de tecnologia - com mais startups, proporcionalmente, até que os EUA

Por Cindy Wilk
Atualizado em 22 jul 2020, 16h28 - Publicado em 30 Maio 2016, 18h30

Quando você está preso no congestionamento, abre o Waze para tentar achar uma saída. Se for pegar ônibus, checa o Moovit para saber se ele está perto do ponto. Ao chegar em casa, liga seu notebook (que, como 92% de todos os laptops do planeta, provavelmente usa CPU da Intel) e coloca uma música para tocar enquanto prepara o jantar – cuja entrada é uma saladinha de tomates-cereja. Você não sabe, mas, em todas essas situações, consumiu tecnologias vindas de um mesmo lugar: Israel. Os chips de laptop da Intel foram inventados lá, onde a empresa mantém uma base com 8 mil funcionários. O Waze, que hoje pertence ao Google, também surgiu ali – mesma origem do Moovit, da ferramenta de sites Wix e até dos tomatinhos que comemos (a espécie foi desenvolvida pela empresa de biotecnologia Hazera Genetics).

Hoje, Israel é o país com maior concentração de startups por habitante no mundo: são cerca de 6 mil delas, para uma população de 8,4 milhões de pessoas. A cada ano, surgem aproximadamente 800 novas startups no país, que foi apelidado de Silicon Wadi (wadi é um termo árabe que significa “vale”). “O mercado aqui é tão aquecido que ideias promissoras são disputadas pelos investidores, e não o contrário”, diz o brasileiro Michel Abadi, que mora há 12 anos em Israel e é sócio de um fundo que financia startups.

Isso parece ainda mais surpreendente levando-se em conta a situação geopolítica: Israel esteve envolvido em cinco guerras nos últimos 15 anos. Mas a onda tecnológica pode ser explicada por três grandes fatores. Primeiro, mão de obra qualificada: Israel tem boas escolas e, com o fim da União Soviética, recebeu 1 milhão de imigrantes russos, muitos deles com alto nível educacional. O segundo fator é o dinheiro. O país recebe US$ 10 bilhões por ano em investimento externo. Pode parecer um número modesto perto dos US$ 60 bilhões que o Brasil recebe. Mas, se você considerar que Israel tem menos habitantes do que a cidade de São Paulo, é uma avalanche de investimento. Isso permite que ele seja o país que mais investe em pesquisa como proporção do PIB (os Estados Unidos estão em sexto lugar, e o Brasil é o 31o. no ranking), segundo um levantamento da Universidade de Toronto.

O terceiro fator é a própria guerra. Historicamente, todas as grandes inovações tecnológicas têm a ver, de alguma forma, com ela. Das fundações do século 20, como o transístor e o raio laser, aos elementos mais presentes no século 21, praticamente tudo teve financiamento militar. O Vale do Silício, na Califórnia, nasceu como centro tecnológico da Marinha dos EUA (e o Google começou a ser desenvolvido, em 1994, graças a uma bolsa parcialmente paga pela Darpa, a divisão de alta tecnologia do Pentágono). Israel é um dos países que mais gastam com seu exército: 5,2% do PIB, segundo dados do Banco Mundial (o país fica à frente até de EUA e Rússia, que gastam 3,5% e 4,5%, respectivamente, de tudo o que produzem com defesa militar). Essa montanha de dinheiro vai parar em inovações tecnológicas, que depois acabam ganhando versões civis – e alimentando a cena das startups.

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Um robô entre dois mundos

Depois de participar do Vacation from War (“férias da guerra”), evento que reuniu judeus e palestinos por três meses na Alemanha, o programador Avner Peled voltou para Israel pensando em como manter o contato e estreitar laços. Teve a ideia de criar um robô de telepresença, batizado de Separation Wall-E. “Ele ficaria nas ruas de Tel Aviv e seria controlado, remotamente, por pessoas na Cisjordânia”, diz ele, que já construiu um protótipo. Graças ao projeto, Avner foi aceito no Media Lab Helsinki (laboratório de inovação da Universidade de Aalto, na Finlândia), onde ele passará os próximos dois anos aperfeiçoando o robô.

O exército também acaba aproximando os israelenses, de certa forma. Em Israel, o serviço militar é obrigatório para homens e mulheres, e dura pelo menos dois a três anos. Isso faz com que as pessoas se conheçam e sejam obrigadas a conviver por bastante tempo, o que acaba produzindo um networking natural. “Não à toa, muitos dos CEOs de startups vêm de unidades de elite do exército”, diz Lior Romanowsky, diretor do ThemeGo (um site que organiza viagens para parques temáticos) e também oficial de combate da Força Aérea israelense.

Tanto é assim que até a Unidade 8200, divisão de ciberinteligência do exército israelense, deu origem a uma startup milionária. Dois integrantes dessa unidade, que haviam criado um software para analisar a movimentação financeira de suspeitos de terrorismo, tiveram a ideia de adaptar a ferramenta – e usá-la para detectar golpes em sites de comércio eletrônico. Nascia a Fraud Sciences, empresa que acabou sendo vendida para a PayPal, gigante dos pagamentos na internet, por US$ 169 milhões. Outra empresa nascida do networking militar é a Feature.FM, que criou uma plataforma para distribuir músicas de novos artistas em sites de streaming. Ela foi criada por oficiais da Mamram (termo que significa “Centro de Computação e Informação”), que gerenciavam a infraestrutura tecnológica do exército de Israel. “Vivemos no meio do deserto, precisamos de tecnologia e inovação até para regar as plantas”, explica Zohar Aharoni, fundador da empresa.

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Atrás do armário

No Vale do Silício, as empresas se espalham por São Francisco e por cidades a seu redor, como Cupertino (casa da Apple) e Mountain View (sede do Google). O epicentro do Silicon Wadi fica na avenida Rotschild, em Tel Aviv, que reúne construções históricas, escritórios e espaços de coworking – onde qualquer startup pode montar seu escritório, sem precisar alugar o próprio imóvel. Um dos maiores é o Mind Space, que surgiu há um ano e meio em apenas um andar de um edifício da avenida. Hoje, ocupa mais de cinco andares, com 700 pessoas trabalhando. Todo mundo vê e escuta o que os demais estão fazendo. O local tem salas de reunião para os momentos em que é preciso privacidade. Curiosamente, uma delas é secreta (para ter acesso, é preciso empurrar um armário). É que a ideia é debater tudo na frente dos outros mesmo. “Você se torna membro do MindSpace para ter um escritório com tudo incluído, inclusive a comunidade”, explica a gerente Dari Shechter. “Aqui é uma comuna de negócios.”

O senso de comunidade vem das raízes de Israel, que se estabeleceu baseado em estruturas comunitárias rurais, os kibbutz. “Aqui as pessoas se ajudam”, diz Ron Ozery. Ele cita um exemplo. Certa vez, um potencial competidor passou horas explicando como a própria empresa havia fracassado – e dando dicas para que ele não repetisse os mesmos erros. Ron é criador do JobSwipe, um aplicativo que funciona como o Tinder, só que para procurar e oferecer empregos. Ele costuma trabalhar no WeWork, espaço de coworking que nasceu na avenida Rotschild e hoje é uma potência, com 54 escritórios em Israel, na Europa e nos EUA e valor de mercado de US$ 10 bilhões. Agora, a empresa quer dar um passo além – criou o WeLive, um espaço de “coabitação” em Nova York, que irá abrigar 600 pessoas em um prédio de 20 andares. São apartamentos pequenos e mobiliados, mas as semelhanças com um condomínio comum terminam aí. O prédio terá aulas de ginástica, festas e jantares comunitários e uma rede social própria, tudo coordenado por meio de um aplicativo.

Essa tendência comunitária deixa pouco espaço para lobos solitários – como é o caso de Yaniv Schuldenfrei, 30 anos, que trabalha sozinho na própria casa, em Tel Aviv, na companhia apenas de sua cadela, Bella. Há cerca de dois anos, ele desenvolve um mecanismo de busca de passagens aéreas que diz ser revolucionário. “O Alice serve para quem tem flexibilidade total quanto às datas ou mesmo ao destino de uma viagem. Meu sistema é para quem busca preço”, explica. Financiado com recursos próprios, ele prefere investir o dinheiro que gastaria num coworking na própria ferramenta. “É muito duro trabalhar, pensar e lidar com as crises sozinho”, admite.

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Do outro lado do muro

Enquanto em Israel há pelo menos 60 empresas incubadoras de startups, do outro lado da fronteira existe apenas uma. É a Gaza Sky Geeks, da faixa de Gaza, que surgiu em 2011 e já ajudou no lançamento de 16 empresas digitais, como Wasselini (app de táxi), Tanaffas (site que dá acesso a psicólogos), Sabeel (uma espécie de Foursquare) e Datrios (rede social para amantes de futebol). A incubadora, que ano passado recebeu US$ 200 mil em doações, está selecionando as próximas startups que irá ajudar. Uma curiosidade: em Gaza, 60% dos estudantes de engenharia da computação são mulheres.

Em um universo de tantas startups é possível achar combinações ainda mais improváveis do que o voo solo. Caso da HolyXplore, comandada por Shlomi Gilboa e seus dois filhos: o jornalista Alon, de 24 anos, e o mestre em ciência da computação Elad, de 33. A plataforma serve para organizar e facilitar viagens religiosas em grupo. “As pessoas acabam se perdendo em inúmeras redes sociais”, diz Shlomi, que além de tocar a startup também é médico.

Pessoas de outros países também têm ido a Israel para tentar pegar carona na onda de startups. “Gosto de acreditar que eu tenha veia empreendedora”, diz a londrina Sharonna Karni Cohen, que há cinco anos emigrou para Tel Aviv e é a criadora da Dreame, uma plataforma online em que gente do mundo inteiro pode descrever seus sonhos ou memórias – para que eles sejam transformados em ilustrações, feitas por 50 artistas de 15 cidades. “Os israelenses são ao mesmo tempo espontâneos e racionais, muito pé no chão, por causa das guerras e do exército. Essa combinação é perfeita para um empreendedor. Aqui você fica mais alerta para as coisas”, acredita.

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Mas, quando uma startup dá certo, o caminho acaba sendo oposto – sair de Israel e ir para os EUA. Foi o caso do site Eatwith, uma espécie de Airbnb culinário: se você sabe cozinhar, pode vender ingressos para um almoço ou jantar na sua casa. O site cresceu, ganhou usuários em 30 países, e a empresa decidiu se mudar para São Francisco. Mas sua diretora de desenvolvimento, Andrea Rosen, bateu o pé para ficar em Tel Aviv. “É porque eu amo a cidade”, diz ela, que se divide entre as longas horas de uma startup e as também longas horas como DJ em lugares como o Kuli Alma, misto de balada com exposições de arte ligadas à tecnologia. Para Andrea, a energia que move as startups também move a rotina agitada da cidade – de dia e de noite. “Quando quero descansar, vou a Berlim”, diz.

O Wadi do silício
Algumas das principais empresas de internet de Israel

Storesmart: criou um sistema que reconhece o seu celular, via Wi-Fi, e mapeia a sua movimentação dentro de lojas (quais produtos você viu, por quanto tempo, etc). Os dados são repassados ao comerciante.

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Wework: rede multinacional de coworking (escritórios compartilhados, em que qualquer pessoa ou empresa pode trabalhar, pagando uma taxa). Alcançou US$ 10 bilhões de valor de mercado.

Unidade 8200: é a divisão de ciberinteligência do Exército. Deu origem a uma incubadora de startups e a várias empresas de sucesso – uma delas, de detecção de fraudes online, foi comprada pelo Paypal.

Dreame: plataforma online em que você pode descrever um sonho – e receber uma pintura baseada nele. Os quadros custam a partir de US$ 40, e você escolhe o artista (são 50, espalhados por 15 cidades).

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