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Olhe para o alto, seu carro chegou

O Uber quer montar uma frota de microaviões elétricos, que decolam e pousam na vertical para driblar os congestionamentos. Será que pode dar certo?

Por Leonardo Pujol e Bruno Garattoni
Atualizado em 7 fev 2019, 15h13 - Publicado em 12 jul 2017, 15h19

Vós que entrais, deixai para trás toda a esperança. É isso o que, na Divina Comédia de Dante Alighieri, está escrito na porta do inferno. Mas também valeria para outro tipo de suplício: o trânsito nas cidades. Em São Paulo, por exemplo, as pessoas ficam em média 2h58 por dia no trânsito, segundo uma pesquisa do Ibope. Dá 30 dias inteirinhos por ano, ou seja, passamos tanto tempo presos no trânsito quanto tirando férias. É desesperador, e só tende a piorar. Mas talvez exista uma saída – pelo alto. Gigantes como Uber, Airbus e Embraer já estão desenvolvendo carros voadores, e eles podem começar a operar antes do que se imagina: um dos veículos pode estrear já neste segundo semestre, em Dubai. 

Você deve estar lendo isso e pensando: de novo essa história? Afinal, já houve muitas promessas de carros voadores, uma ideia tão antiga quanto o próprio carro (o livro O Senhor do Mundo, escrito por Júlio Verne em 1904, já faz menção a um veículo do tipo). Em 1926, a Ford apresentou ao mundo o Flivver, seu carro voador. Tinha mais ou menos o tamanho de uma kombi, e voou durante dois anos – até que, em 25 de fevereiro de 1928, caiu no mar, matando o piloto e enterrando o projeto. De lá para cá, várias empresas construíram protótipos de carros voadores, que nunca ganharam as ruas (e os céus) do mundo. Mas agora é diferente, por um motivo simples: a tecnologia evoluiu, e finalmente pode estar chegando lá. A nova geração de carros voadores (que talvez nem devam ser chamados de “carros”, já que não terão rodas) promete resolver todos os obstáculos técnicos, e transformar o transporte voador urbano em algo tão corriqueiro quanto os táxis – e ubers – de hoje. 

O projeto mais ambicioso é justamente o Uber Elevate, anunciado no final de abril. Ele é capitaneado pelo engenheiro Mark Moore, que trabalhou mais de 30 anos na Nasa e é especialista na tecnologia VTOL: sigla em inglês que significa decolagem e pouso vertical. As aeronaves VTOL decolam e pousam como se fossem helicópteros, e voam como se fossem aviões – pois suas turbinas apontam para baixo na decolagem e no pouso, e ficam na horizontal durante o voo. O Uber pretende criar uma frota de microaviões VTOL equipados com turbinas elétricas.

O protótipo mais adiantado é o alemão Lilium, que possui 36 microturbinas elétricas – e teve o primeiro voo experimental em abril (veja infográficos abaixo). Como as turbinas são pequenas, elas geram menos turbulência, o que permite manobrar em bem menos espaço do que o exigido pelos helicópteros – a ideia é que os microaviões urbanos possam decolar e pousar, às dezenas, em estacionamentos no topo de prédios. Isso porque o computador de bordo controla a potência de cada turbina, compensando automaticamente o vento para garantir decolagens e pousos estáveis.

 

O carro voador – e elétrico
A nova geração de carros voadores promete tornar o voo urbano mais rápido, barato e seguro. Conheça os segredos do mais avançado deles: o alemão Lilium

Carro voador_2
(Thales Molina e Yan Blanco/Superinteressante)

1. Fuselagem
Plástico reforçado com fibra de carbono (CFRP), mesmo material utilizado no Boeing 787.

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2. Baterias redundantes
A aeronave é alimentada por baterias de lítio, como as usadas em carros elétricos. Por questões de segurança, elas são conectadas em circuitos independentes. Se uma falhar, as outras seguem alimentando o avião.

3. Controle automático de voo
O computador de bordo ajusta a potência de cada turbina para compensar eventuais turbulências e manter o avião estável. Também monitora o piloto, e não obedece a manobras que considerar arriscadas.

4. Decolagem e pouso na vertical (VTOL)
Ao decolar e pousar, as turbinas apontam para baixo, ou seja, a aeronave se comporta como se fosse um helicóptero, podendo manobrar em espaços pequenos. Já durante o voo, elas apontam para trás, acelerando o avião.

5. Propulsão elétrica distribuída (DEP)
São 36 turbinas elétricas. Mesmo se várias delas pifarem, o avião é capaz de voar normalmente. As turbinas são blindadas. Se alguma delas estourar (ao engolir um pássaro, por exemplo), em tese não danifica as demais.

6. Paraquedas
Freia a descida do avião, permitindo um pouso de emergência em caso de pane total. O Lilium também é vedado, o que permite fazer pousos na água.

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(Thales Molina/Superinteressante)

O Uber não vai construir seus veículos voadores. Ele fechou acordos com cinco empresas, que ficarão encarregadas de desenvolvê-los: Aurora Flight Sciences (fabricante de drones e helicópteros), Bell Helicopter (helicópteros militares), Mooney (aviões), Pipistrel Aircraft (aviões de pequeno porte) e a brasileira Embraer. Todas ainda estão em estágio embrionário de desenvolvimento. “Por enquanto, só temos o conceito. Ainda estamos definindo as especificações do veículo”, resume Antônio Campello, diretor de Inovação Corporativa da Embraer.

Cada empresa terá liberdade total em seus projetos. A Aurora, por exemplo, pensa em construir uma espécie de drone gigante – mesma estratégia adotada pela chinesa Ehang, que criou um drone capaz de transportar uma pessoa de até 100 kg. Ele é autônomo, ou seja, pilota a si mesmo, e só decola ou pousa em pontos predefinidos (que o passageiro escolhe no painel). A empresa obteve permissão do governo de Dubai para testar o veículo, oferecendo um serviço de táxi aéreo cuja estreia está prevista para o segundo semestre. O grande problema é que, como não são VTOL, e sim drones comuns, os veículos desse tipo voam devagar: o Ehang, por exemplo, não passa de 100 km/h.

As outras empresas, como a Bell e a Embraer, estudam projetos mais ousados, com sistemas de propulsão móvel similares ao Lillium – cuja velocidade máxima é de 300 km/h. Todas prometem revelar mais detalhes até o final do ano. A gigante Airbus não está participando do projeto do Uber, mas também já desenvolve um protótipo de microavião VTOL: o Vahana, que tem oito turbinas móveis. Segundo a empresa, ele terá autonomia de 80 km e fará deslocamentos urbanos duas a quatro vezes mais rápido do que os carros. Seu primeiro voo está prometido para 2020.

Os microaviões urbanos obedeceriam a um novo sistema de tráfego aéreo, que se baseia numa tecnologia da Nasa e seria totalmente automático, coordenado por um computador central (veja infográfico abaixo).

 

A lógica do Uber Elevate
O Uber publicou um estudo em que descreve detalhadamente seu serviço de transporte voador – e diz até quanto custaria usá-lo

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(Thales Molina)
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(Thales Molina/Superinteressante)

A. Pontos de decolagem
As aeronaves Uber Elevate seriam do tipo VTOL, capazes de decolar e pousar na vertical. Inicialmente, o Uber pensa em usá-las em voos com distância média de 80 km (menos do que isso, a despesa não compensaria).

B. Medidas de segurança
Para evitar tentativas de terrorismo, os passageiros passariam por uma triagem (como acontece nos aeroportos atuais). Além disso, cada Uber voador seria programado para manter pelo menos 150 metros de distância de prédios e outros obstáculos – mesma norma que é exigida das aeronaves atuais.

C. Tráfego aéreo
Ele usaria o sistema UTM (Unmanned Traffic Management), que foi criado pela Nasa e é inteiramente automatizado, sem operadores humanos. Um computador gerencia as rotas de todas as aeronaves – e envia instruções para cada uma.

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O controle automatizado permitiria que dezenas de veículos compartilhassem um espaço aéreo pequeno sem colocar em risco sua segurança. Inicialmente, os microaviões teriam piloto – mas o Uber acredita que, após alguns anos de operação sem acidentes, conseguirá permissão dos governos para operar veículos autônomos. “Os carros voadores são prometidos há décadas. Nós queremos torná-los realidade”, diz Jeff Holden, diretor de produtos da empresa. O Uber é bastante otimista – e nos últimos anos demonstrou ter ousadia de sobra (inclusive passando por cima da lei em alguns momentos) para reinventar o transporte urbano. Esse é o hype. Mas também há um grande porém.

O W da questão

Você já deve ter ouvido falar da Tesla. Ela faz os carros elétricos mais avançados do mercado, que podem rodar mais de 300 km a cada recarga. Isso graças a suas baterias de lítio, que foram desenvolvidas com a Panasonic e são as mais potentes do mundo: geram 250 watts-hora de eletricidade por kg de peso. Só que é preciso muita energia para empurrar o carro, então as baterias seguem enormes: têm 600 kg.

O pequeno Lilium jamais conseguiria decolar carregando uma dessas. É que ele inteirinho, contando a bateria, as turbinas, o piloto e os passageiros, pesa 600 kg. Por isso, ele terá que se virar com uma bateria bem menor que a da Tesla – mas que, ao mesmo tempo, tenha potência suficiente para sustentar o voo. Há dúvidas, então, quanto ao alcance e à velocidade da aeronave,  que promete voar a 300 km/h e ter autonomia de uma hora. Até hoje, o melhor que um avião elétrico conseguiu foi voar uma hora a 160 km/h. Esse recorde foi alcançado pelo protótipo Airbus E-Fan, que não decola nem pousa na vertical. Já o Lilium, sim – o que aumenta bastante o seu gasto de energia. Para conseguir fazer o que promete, ele provavelmente precisará de uma bateria revolucionária. E os criadores do avião (que não quiseram dar entrevista) não apresentaram nada assim.

Mas não daria para usar uma bateria mais fraca, e simplesmente recarregá-la com mais frequência? Não. A recarga tomaria muito tempo, limitando o uso do microavião, e desgastaria rapidamente as baterias – tornando o serviço economicamente inviável.

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O Uber acredita que, para construir microaviões como os que ele imagina, será necessário quase dobrar a densidade das baterias de lítio, chegando a 400 watts-hora de energia por kg. É um pulo e tanto. Mas a empresa diz que ele será alcançado rapidamente, e cita como exemplo a Sony (que fala em lançar baterias de 400 w/kg já em 2020) e o projeto DOE 500, em que o Department of Energy, o ministério de energia americano, tenta desenvolver baterias com 500 watts por kg.

Alguns especialistas duvidam desse número, e acreditam que seja preciso ir além, chegando a baterias de 1.000 w/kg para criar aviões elétricos viáveis. Isso não dá nem 10% da energia contida em 1 kg de querosene de aviação, mas já seria o suficiente para voar.

Seja como for, as baterias são o calcanhar de aquiles do mundo da tecnologia (como você percebe sempre que o seu celular fica sem energia). Por isso, também há empresas trabalhando em microaviões a gasolina. É o caso das europeias AeroMobil e Pal-V, cujas aeronaves usam motores comuns e já estão à venda, por US$ 400 mil a US$ 1,2 milhão. “Esses conceitos vão na contramão do modelo ideal, que seria de baixo custo, elétrico ou ao menos híbrido, e de decolagem vertical”, diz Hildebrando Hoffmann, coordenador do curso de Ciências Aeronáuticas da PUC-RS. Ele tem razão. Não faria sentido, nas cidades já afogadas pelo CO2 dos carros, sujar ainda mais o ar com um enxame de aviõezinhos movidos a combustível fóssil. Eles terão mesmo de ser elétricos. Mas alguém precisará dar um jeito nas baterias primeiro.

Também há um desafio cultural. Como toda máquina inventada pelo homem, um dia os microaviões vão dar algum problema. Um vai cair ou bater, gente morrerá – e isso criará resistência na opinião pública (para não falar em processos milionários). Mesmo antes disso, a humanidade ainda vai passar pela era dos carros autônomos, que também atrairão controvérsia antes de ganhar a confiança da sociedade. É normal, acontece com toda invenção. O elevador elétrico, como os que usamos, foi criado em 1880, mas levou 60 anos para se popularizar. A diferença é que hoje tudo evolui exponencialmente mais depressa – e, por isso, o carro voador pode chegar mais rápido do que se espera. Literalmente. 

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