Por que a vida surgiu no Universo?
Acaso puro ou seleção natural cósmica? As idéias capazes de explicar por que estamos aqui ainda são chutes quase completos
Hoje em dia, a ciência se vangloria de saber, pelo menos em grandes pinceladas, como viemos parar aqui. Resumindo uma longa história, tudo começou com uma grande explosão que, 13,7 bilhões de anos atrás, deu origem ao Cosmos. Desse big-bang nasceram os elementos hidrogênio e hélio, que formaram as primeiras estrelas. Essas, por sua vez, produziram outros elementos, como carbono e oxigênio, indispensáveis para a formação de planetas como a Terra e pessoas como nós.
Em locais adequados (até agora só conhecemos com certeza um, o nosso próprio planeta), as moléculas formadas com os novos elementos foram adquirindo grau cada vez mais elevado de organização, gerando os primeiros seres vivos. Por seleção natural (a famosa “lei do mais apto”), essas criaturas foram evoluindo e, pelo menos em um lugar do Universo (possivelmente, em mais de um), desembocaram em seres inteligentes e capazes de deduzir toda essa história. Foi o que aconteceu aqui, nos últimos 4 bilhões de anos.
Bonito, né? Pena que essa historinha ainda esteja longe de realmente explicar a coisa toda. Isso porque todo mundo entende o que aconteceu para que o Universo acabasse produzindo vida, mas ninguém entende por que o Universo nasceu “configurado” para permitir todas essas maravilhas. Parece uma sorte tremendamente grande.
Aparentemente, nós só estamos aqui porque algumas regulagens específicas das leis da física – a intensidade da gravidade, ou o nível de atração entre elétrons e prótons, partículas que compõem os átomos – vieram “certinhas” para permitir a nossa existência. Quer exemplos? Se a gravidade fosse um pouco mais forte, as estrelas teriam vida muito curta e nunca haveria tempo hábil para a evolução das espécies; se fosse um pouco mais fraca, não seria capaz de agregar a massa em estrelas. E a atração mútua entre elétrons e prótons? Se fosse diferente do que é, não existiriam átomos estáveis.
Certinho demais
São parâmetros que, devidamente ajustados, tornaram o Universo um lugar habitável. A pergunta que não quer calar: quem ou o que fez essa “tunagem”, ou “regulagem” do Cosmos, lá no começo de todas as coisas?
Nem é preciso mencionar quem os religiosos acham que fez isso, certo? Acontece que os cientistas não seguem a mesma cartilha e, por isso, passam um aperto para explicar o mistério. A coisa anda tão feia que boa parte deles, incluindo Martin Rees e Stephen Hawking, responde à pergunta descartando-a. É o princípio antrópico.
Para os defensores do princípio antrópico, o suposto mistério não passa de mera conseqüência de estarmos aqui. Quando alguém pergunta por que o Universo é tão bom para nós, eles respondem que essa pergunta só pode existir em universos que são bons para nós. Se o Cosmos fosse diferente, e a vida inteligente fosse impossível pelas leis da física, ninguém faria essa pergunta. Ou seja, o grande enigma é apenas um sintoma de um Universo como o nosso, mas nada que exija grandes explicações. E eles seguem a vida.
Há quem se sinta intelectualmente desonesto com uma explicação mequetrefe dessas e prefira sofisticar um pouco o argumento. Em apoio ao princípio antrópico, esses cientistas defendem que é possível que existam infinitos universos, cada um com sua afinação diferente. O nosso não teria nada de especial, seria apenas mais um de uma gama de universos totalmente desligados uns dos outros, componentes de um Multiverso.
Se, de um lado, essa hipótese elimina por completo o caráter especial do Cosmos em que vivemos, de outro ela é completamente metafísica – um outro tipo de roubalheira intelectual, em que se usa de hipóteses não verificáveis para solucionar (entre aspas) um problema apresentado pela configuração do Universo. A única forma de dar legitimidade à hipótese do Multiverso é criar uma teoria que seja verificável em nosso Universo e explique como todos esses cosmos separados poderiam surgir.
Foi o que o físico americano Lee Smolin acredita ter obtido. Sua inspiração, acredite se quiser, é o naturalista britânico Charles Darwin. Imagine por um momento que o nosso Universo, aparentemente tão sintonizado para produzir criaturas como nós, na verdade esteja sintonizado para produzir o maior número possível de buracos negros. Sim, buracos negros.
Reprodução cósmica
Smolin aponta, em seu livro A Vida do Cosmos, que existe grande coincidência entre as “necessidades” que tem um Universo para produzir muitos buracos negros (ou seja, estrelas muito grandes, que implodem de forma tão violenta que nada consegue escapar de seu interior, nem mesmo a luz) e as “necessidades” ligadas a produzir pessoas – como o surgimento de elementos químicos mais pesados, por exemplo.Agora vá um pouco mais longe e imagine que cada buraco negro (definido, pela Teoria da Relatividade Geral, como um literal rombo no tecido do espaço-tempo) pode dar origem a um outro Universo, independente do que o gerou. E o toque final: imagine que esses universos-bebês, de alguma maneira, carregam o “DNA” (ou seja, a regulagem) dos universos que os geraram, apenas um pouco modificados.
Pronto, está armado o circo para o surgimento de um Multiverso governado pela seleção natural – ou melhor, pela “seleção cosmológica natural”, como coloca Lee Smolin.
Assim como seres vivos que se reproduzem com mais eficiência conservam suas características ao longo dos tempos, universos mais capazes de se multiplicar teriam o mesmo efeito. Logo, em pouco tempo, os universos com o potencial para criar mais buracos negros – e, coincidentemente, pessoas – estariam em número muito maior que os que têm poucos “filhos”. Resultado: torna-se, de súbito, muito mais provável que estejamos em um Universo como o nosso, em vez de em qualquer outro menos prolífico, digamos.
E como testar a idéia? Smolin dá uma série de sugestões, tanto teóricas quanto práticas. Na teoria, é possível simplesmente manipular a “tunagem” do Universo nas equações e tentar produzir um Cosmos hipotético mais propenso a formar buracos negros que o nosso. Se conseguíssemos, a hipótese de Smolin sairia enfraquecida. Mas ninguém conseguiu fazer isso ainda.
Na prática, é possível investir em detectores de ondas gravitacionais capazes de estudar os ecos do próprio big-bang, na esperança de encontrar neles sinais do que pode ter existido antes (quiçá um buraco negro em outro universo?) e de como o suposto “DNA” de universos pode ter sido transmitido, com poucas alterações, de um universo a outro durante trilhões de anos.
Fácil falar, mas difícil fazer. Até hoje, a despeito das tentativas, ninguém conseguiu detectar uma onda gravitacional, por mais que tentasse. Mas detectores têm sido construídos no mundo todo – inclusive no Brasil. O que faz crer que talvez a resposta ao maior dos enigmas da ciência possa ser encontrada algum dia. Ou não.
Fórmula vital
Temos uma idéia razoavelmente boa da receita para o surgimento de seres vivos como os terrestres Universo afora. O carbono (C) é importante por sua versatilidade química, assim como o nitrogênio (N). O oxigênio (O) produz energia de forma insuperável, e a água é o meio ideal para o metabolismo celular.
Desde os primórdios até hoje em dia
Confira os principais passos da evolução cósmica que culminou com a vida por aqui
Big-bang
As teorias atuais falam do big-bang como um ponto de singularidade – ou seja, um momento em que as leis da física são tão violentadas pelo calor e pressão que deixam de valer. Por isso, é dificílimo estudar a grande explosão.
Primeiras estrelas
Cerca de 400 milhões de anos após o big-bang, a ação da gravidade começa a juntar grandes massas do elemento químico hidrogênio para formar estrelas. A fusão nuclear no interior desses astros produz novos elementos.
Primeiras galáxias
Não se sabe ao certo como as estrelas primordiais se juntaram em estruturas de maior escala, as galáxias. Esses conjuntos, contudo, dão início a uma espécie de ambiente estelar, no qual energia e matéria circulam sem parar.
Vida na Terra
Os primeiros indícios de seres vivos por aqui são minerais modificados pela ação de micróbios há uns 4 bilhões de anos. A vida complexa tem só um quarto dessa idade, tendo aparecido entre 1 bilhão e 600 milhões de anos atrás.