Qualidade do CD: Puro som
Nunca se ouviu música igual: técnicas derivadas da Informática e das pesquisas com raio laser proporcionam nos compact discs um registro sonoro impecável e a salvo de desgastes.
Luiz Guilherme Duarte
Luz! Computador! Som! Não importa se é um acorde suave de um concerto de Vivaldi ou um estrondo de guitarra de rock, os amantes da música em todo o mundo estão encantados com o que ouvem em seus novos toca-discos a laser, um som tão puro como o que, durante uma gravação, preenche os estúdios protegidos contra qualquer outro ruído. Esse prazer é dado pelo compact disc (disco compacto), ou simplesmente CD, um disco de plástico revestido de alumínio, com apenas 12 centímetros de diâmetro e 16 gramas de peso, capaz de armazenar 70 minutos de som — o dobro de um disco comum —, graças à união da tecnologia do laser com a da Informática.
A ilusão proporcionada pelo CD, que faz o ouvinte imaginar-se sentado no meio de uma orquestra durante um concerto, deixa mudos os fabricantes, cujos estoques evaporam sem que eles sequer gastem muito dinheiro em publicidade. Meros dois anos depois que a Sony japonesa e a Philips holandesa lançaram o sistema, na Feira de Áudio de 1982, no Japão, as vendas mundiais da última maravilha da alta tecnologia em matéria de bens de consumo já haviam alcançado a marca de 20 milhões de unidades. Isso faz do toca-discos a laser o eletrodoméstico de difusão mais rápida na história do setor. O videocassete, outra estrela ascendente da eletrônica, levou quase sete anos para chegar ao mesmo ponto.
Uma das poucas inovações reais no método de se registrar e reproduzir sons, desde que em 1877 o inventor americano Thomas Edison (1847-1931) criou o fonógrafo, o sistema seduz os ouvidos também pelas suas credenciais de “bem perene”, isto é, uma tecnologia que se apresenta como insuperável. Foi, de fato, uma transformação que merece ser chamada revolucionária. Os LPs atuais, uma criação do engenheiro húngaro- americano Peter Goldmark em 1948, arquivam o som sob a forma de pequenas irregularidades esculpidas em sulcos num prato de vinil, um tipo de plástico. Quando uma agulha de diamante percorre esses entalhes, a vibração gera uma corrente elétrica variável, que é convertida em som. Os toca-fitas, de seu lado, lêem o som em partículas magnetizadas numa tira de plástico. Nos dois casos, o processo é conhecido como analógico, no qual o som ouvido é uma réplica física do som gravado.
A extraordinária vantagem do toca-discos a laser, como se sabe, é que este dispensa a agulha ou a cabeça de leitura de fitas, que permanecem em atrito com a superfície de gravação, provocando distorções e inevitável desgaste. Num processo semelhante ao utilizado pelos computadores, os sons são convertidos em códigos digitais binários, ou seja, combinações de zero e um, armazenadas no disco em 2,5 bilhões de microscópicos relevos altos e baixos. No lugar da agulha, um fino feixe de raios laser atravessa o plástico e “varre” o disco, que começa girando à velocidade de quinhentas rotações por minuto, que cai gradativamente para 250, para que a leitura do laser se mantenha constante enquanto o feixe vai do centro para a periferia.
Um diodo fotossensível acoplado a um tipo de microcomputador capta os reflexos dos raios na camada de alumínio — que variam de acordo com a ondulação impressa no plástico — e reconverte os códigos digitais em som. Isso só é possível, portanto, porque as diferenças no relevo do disco fazem com que os reflexos de luz também sejam fisicamente diferentes. Como não há qualquer contato mecânico com a superfície do disco, o som ouvido está livre de distorções. Mesmo que o laser passe sobre marcas profundas, daquelas capazes de fazer saltar longe a agulha de um toca-discos convencional, o microcomputador usará o material gravado imediatamente antes e depois do risco para cobrir a ausência de informação no lugar. Além da impecável qualidade do som, o processo digital dispõe dos mesmos recursos dos sistemas computadorizados. Assim, sua memória permite selecionar músicas inteiras ou apenas certos trechos, para o ouvinte programar o próprio repertório, e todos os comandos podem ser dados a distância, por meio de um controle remoto — como só uma face é gravada, ninguém precisa levantar-se para virar o disco.
Melhor ainda: como o princípio básico de leitura é comum a todos os toca-discos a laser, mesmo o modelo mais simples — o disc-walkman lançado pela Sony no Brasil há dois anos — apresenta a mesma qualidade de som que os maiores e mais avançados sistemas. Difícil mesmo, muito mais difícil do que no caso das fitas- cassetes e dos LPs comuns, é fazer um compact disc. Afinal, em um único lado do disco, cerca de 720 mil sulcos de 0,1 mícron (milésimo de milímetro) de profundidade, chamados pits, estão cheios de pontos que refletem ou não o laser, compondo códigos equivalentes a até 250 mil páginas de informação, seja ela programas de computador, imagens ou sons.
Até 1984 os CDs só eram produzidos no Japão e na Alemanha: transcorridos menos de quatro anos, cerca de oitenta fabricantes se habilitaram em mais de uma dezena de países, incluindo o Brasil. “Investimos 18 milhões de dólares na importação de tecnologia e de equipamentos, além do treinamento de técnicos no exterior”, conta Roberto Pol, gerente da empresa paulista Microservice, a única fabricante de CDs na América Latina. Segundo Pol, a confecção de um CD nacional começa nos Estados Unidos, para onde são enviadas as grandes fitas magnéticas profissionais com a gravação das músicas feita em estúdio. Já nessa fase se manifesta a diferença de qualidade. Em cada disco, uma senha de três letras indica os processos utilizados na gravação, mixagem (ou mistura) de sons e industrialização. Quanto mais CDs, de digital, a senha contiver, melhor a qualidade.
Nos estúdios americanos a fita analógica recebe códigos digitais, impressos por um fino feixe de laser de íons de argônio em um vidro revestido com uma camada sensível, apropriadamente designado “mãe”. O feixe de luz azul de 457,8 nanômetros (milionésimos de milímetro) deixa o canhão de emissão de raios com uma potência de 5 watts — o que é muito para um laser. No caminho até a placa de vidro, porém, o raio perde grande parte de sua energia. Desse modo, ao chegar ao ponto focal, o de maior concentração de luz, a potência do raio se limita a ínfimos 4 miliwatts — o suficiente para expor a camada de verniz sensível à luz. No final, a placa de vidro ainda passa por um banho alcalino para remover os excessos de verniz e só então recebe uma cobertura de níquel, que assim adquire a sua forma definitiva com todos os pits em alto relevo.
A niquelação pode ser feita por evaporação, a técnica mais antiga, ou por pulverização. Na primeira, os átomos de metal saltam de um recipiente aquecido para a “mãe”, sob elevado vácuo, depositando-se como um floco metálico sobre a superfície. Essa casca metálica, o “pai”, é retirada para servir de molde na prensagem do produto comercializado, de plástico. Geralmente, existem vários pais para um mesmo disco, pois cada um consegue reproduzir no máximo 10 mil unidades. No Brasil, como em qualquer país produtor de CDs, o pai é tratado como uma pessoa que fosse passar por uma cirurgia. Realmente, todo o processo de fabricação transcorre em ambientes onde o ar, a exemplo das salas de operação dos melhores hospitais, é rigorosamente filtrado — um grão de pó que seja comprometerá o CD, já que o laser pode refletir-se nele. Assim, enquanto nos hospitais se admite até 33 mil partículas de poeira por metro cúbico de ar, na empresa as salas têm menos de um décimo disso em circulação.
Os técnicos usam roupas especiais, feitas de tydek, um tecido de papel, e passam por uma câmara onde um jato de ar de alta intensidade remove o que houver de sujeira do traje. Além disso, em alguns países, todo o ambiente é mantido sob pressões atmosféricas mais altas que o normal a fim de reter eventuais partículas no solo e impedir que alcancem as máquinas. Em determinados recintos, as pessoas evitam até mesmo falar, embora usem máscaras, para não propagar partículas. Apesar de todos esses cuidados, o trabalho consiste apenas em fiscalizar os robôs, que fazem tudo, menos embalar o produto final. “Começamos por tratar o policarbonato, um tipo de plástico descreve Pol enquanto exibe um punhado de grãos transparentes da resina. Aquecidos até se liquefazerem e injetados sob alta pressão contra o molde, 14 gramas de policarbonato, a matéria-prima do disco, se formam, com as ranhuras impressas, por um resfriamento brusco.
Uma fina camada de 80 nanômetros de alumínio de alto brilho é depositada a seguir sobre um dos lados por um método parecido com aquele utilizado na criação do “pai”. Isso torna os discos tão brilhantes que a luz neles se reflete com as cores do arco-íris. Para proteger o metal, ele é envernizado com 500 miligramas de uma laca especial muito resistente, sobre a qual finalmente é aplicado o texto de identificação, por meio de técnicas de silk screen, o mesmo processo utilizado para imprimir imagens em camisetas — e o disco está pronto. Pelo menos 9 milhões de unidades deverão ser fabricadas este ano no Brasil, contra 4,5 milhões no ano passado e 1,8 milhão em 1988. A produção cada vez maior, no país e no exterior, está baixando o preço real do CD e dos toca-discos nas lojas, assim como aconteceu com outros bens de consumo eletrônicos.
Em 1983, os aparelhos eram vendidos no mercado internacional por cerca de 1000 dólares e cada disco por 20. Hoje, no exterior, pode-se encontrar toca- discos por menos de 200 dólares (três vezes mais no Brasil) e CDs por 12 (mesmo preço aqui). Isso explica por que os compact discs de música popular aumentaram, em toda parte, de algo como 25 por cento do total das gravações para 70 por cento. Desde o primeiro disco a laser nacional, uma seleção de músicas do cantor Caetano Veloso, lançado em 1987, o preço do CD brasileiro também tem ficado mais acessível. No começo, um CD custava tanto quanto quatro LPs. “Hoje em dia, nas lojas de departamentos, que mantêm grandes estoques, o preço se equivale”, compara Pol, da Microservice. “Nas lojas de discos, que compram menos, fica difícil manter a paridade, mas como o CD contém o equivalente a dois LPs, ainda estamos em condições de competir.”
No mundo inteiro o resultado da concorrência parece já estar definido — a favor do laser. No ano passado, a produção dos disquinhos brilhantes superou a de LPs, cujas vendas, por sinal, caíram pela metade em cinco anos de confronto com a nova tecnologia. Na verdade, o consumo das tradicionais bolachas de vinil foi superado desde 1985 pelos cassetes que, aos dezoito anos de existência e graças principalmente ao advento do sistema portátil walkman, chegaram ao auge da aceitação popular. O receio de que os long-playings estejam com os dias contados tem feito soar as únicas notas desafinadas na sinfonia de elogios aos CDs. Nos Estados Unidos, o especialista Harry Pearson, editor do periódico Absolute Sound, atacou: “O compact disc não capta todas as nuances do som e não permite distinguir entre um violino e uma viola”. A primeira afirmação é verdadeira. A segunda, não. Mas a ameaça mais séria à nova tecnologia apareceu em 1988, quando a fabricante inglesa Nimbus Records acusou defeitos de fabricação nos discos. Segundo a Nimbus, empresários gananciosos estariam diminuindo a qualidade do produto, usando tintas corrosivas e esmaltes de vida curta, o que exporia o alumínio e comprometeria o som. Além disso, afirmou-se que, embora as campanhas apregoem que os discos sejam virtualmente eternos, a vida útil de um CD seria de dez anos no máximo—aproximadamente a metade de um vinil. Tudo leva a crer, porém, que isso não tem fundamento. Nem por isso se deve manuseá-lo descuidadamente: como o LP, ele pode riscar-se, ficar empoeirado ou engordurado, em prejuízo da qualidade do som. “Felizmente aquela onda já passou”, suspira Pol.
Segundo ele, defeitos numa produção em série podem ocorrer, apesar do controle de qualidade em quatro etapas, mas as lojas trocam sem problemas o produto defeituoso. Os padrões internacionais de produção admitem um máximo de quinhentos erros de leitura de sons por segundo. Parece muito, mas nem é perceptível pelo ouvido humano. Para assegurar essa qualidade, o disco pronto é submetido a uma inspeção visual — nenhuma luz pode passar por ele, caso contrário não haverá reflexão do laser. Depois o computador e um toca-discos profissional fazem a leitura integral do conteúdo e emitem um relatório. Prova de que o disco compacto veio para ficar, fabricantes e consumidores dão as boas- vindas às novas versões da tecnologia laser. Mais baratos e totalmente compatíveis com os toca- discos a laser disponíveis, os mini-CDs, com 8 centímetros de diâmetro e até 20 minutos de gravação, já podem ser encontrados nas lojas de vários países. Mas o CD-V (“V” de vídeo), embora viável tecnologicamente, ainda precisa diminuir de tamanho (os discos têm o tamanho de um LP) e vencer a dura concorrência com o videotape antes de ser produzido em massa. O sonho dos técnicos, em todo caso, é chegar a um sistema capaz de ler e gravar com a mesma perfeição uma infinidade de sons, imagens e informações. O mundo será, então, mais redondo, brilhante e achatado.
Para saber mais:
(SUPER número 10, ano 3)
(SUPER número 7, ano 10)
Pirataria digital
Uma nova expressão, “musical pirata”, entrou para o léxico dos apreciadores de música. Refere-se aos discos e fitas, analógicos e digitais, lançados no mercado de forma irregular, obra de contraventores ou de inocentes audiófilos que não vêem mal algum em gravar algumas músicas para os amigos. Para os auto-denominados “produtores independentes”, que ignoram direitos autorais alheios, o advento da tecnologia digital oferece a possibilidade de gerar cópias clandestinas tão boas quanto os originais. No Brasil, onde o preço de um sistema a laser e dos próprios discos ainda é elevado para a grande maioria da população, multiplicam-se os clubes de locação de CDs e os discos acabam sendo copiados em fitas cassetes. Justamente prevendo a proliferação dessas cópias não autorizadas, os grandes produtores multinacionais de música tentaram em vão boicotar o disco laser.
Perdida essa batalha, hoje sua dor de cabeça é outra: segurar a expansão da nova tecnologia DAT (Digital Audio Tape-Recorder, ou gravador de fita digital). Provido de, um circuito que permite converter sinais analógicos em digitais, oferecendo assim uma qualidade sonora igual à do CD, esse novo gravador-reprodutor foi lançado em 1987 no Japão e em pouco mais de um ano vendeu mais de 70 mil unidades. Sua fita, de duas horas de gravação e de tamanho equivalente à metade de um cassete comum, promete rivalizar em breve com o sistema laser, levando sobre este a vantagem de aceitar várias gravações — exatamente o atributo contra o qual investe a indústria do disco. Nos Estados Unidos, produtores de música e fabricantes parecem ter chegado a um acordo: cada gravador conterá um chip que irá determinar um código digital específico na fita, quando esta receber a primeira cópia. Esse código bloqueará novas cópias dessa fita. Assim, os consumidores poderão copiar um CD, mas essa versão não poderá ser usada para produzir outras fitas.