Fábio Gandour
Tentando entender melhor as atrevidas previsões e conclusões de Rodney Brooks (Flesh and Machines… – aquele que diz que a humanidade vai mesmo se robotizar), voltei ao ponto de partida: o livro Eu, Robô, um clássico de Isaac Asimov, de 1964, autor indispensável para quem gosta de ficção científica. Depois de escalar a estante para chegar lá onde costuma estar a literatura antiga, reli a esmo algumas páginas amareladas e tive uma sensação estranha: tudo ou muito do que estava lá já está aí! Está aí na esquina, está aí nas páginas desta publicação, aí nos laboratórios ou nos noticiários. E se o que era antes ficção ainda não nasceu, não se materializou fisicamente, pelo menos já há uma base teórica que apóia o sonho. O nascimento é apenas uma questão de tempo.
Um pouco surpreso com o que poderia concluir, saí a validar a nova percepção com contemporâneos de Asimov, começando com alguns familiares mais velhos, a quem pedi para tentar me contar dos seus mais antigos sonhos e aspirações tecnológicas, aquelas que, um dia, pertenceram ao mundo da ficção. Não deu outra! Quase tudo que era ficção também está aí e, em alguns casos, a realidade foi muito além! Vale notar que, no passado, a ficção tinha um denominador comum: dar ao homem a capacidade de voar. Olhe para o céu e você vai ver, ou, pelo menos, lembrar-se de que já viu gente voando das mais variadas maneiras, até na avenida durante o Carnaval!
Conclusão: acabou a ficção. Pelo menos aquela ficção dita científica que esperava da ciência uma resposta para deixar a vida melhor, mais prática e…. mais longa. Tanto progrediu a ciência que gerou uma grande base teórica, sobre a qual a tecnologia cria de tudo. Até a perspectiva de uma geração geneticamente construída para viver mais.
Sociedade sem ficção, que coisa mais sem graça!
Com certeza, e felizmente, não vamos ficar assim, sem uma ficção, sem um sonho, uma aspiração maior e comum a muitos de nós. Se a ficção científica já não representa esse ideal, que tal criarmos novas ficções? Pode ser a ficção racial, em que, pela tecnologia, vamos eliminar barreiras entre culturas, disseminando o conhecimento de hábitos dos povos e ultrapassar a dificuldade de comunicação imposta pelas línguas. Que tal a ficção econômica? Aí a tecnologia vai aumentar os meios de produção e melhorar a distribuição da renda gerada com essa produção.
Ou mesmo a ficção educacional, em que uma tecnologia – inevitável pensar em internet – passe a exercer o papel de agente educador universal. Pensando bem, estas mesmas ficções até já existem dentro de cada um, mas ainda em uma forma mais primitiva, a da utopia. Lembrando que, algum dia, toda ficção foi utopia, é hora de pensarmos na nova ficção, a ficção social, em que tudo o que já foi produzido pela tecnologia até agora passe a ser usado primariamente a serviço da humanidade. E aí, mais do que inventar, é preciso inventar uma maneira de inovar, usando as invenções já existentes para beneficiar mais gente. É colocar o produto da tecnologia a serviço da sociedade em todos os níveis. Para acelerar o nascimento desta nova ficção, dá para aproveitar as famosas “três leis da robótica” criadas por Asimov, que, com uma nova redação, poderiam ficar assim:
1. “A tecnologia jamais vai danificar um ser humano ou tornar-se inativa a ponto de prejudicá-lo.”
2. “A tecnologia vai se submeter aos seres humanos, exceto quando essa submissão entrar em conflito com a primeira lei.”
3. “A tecnologia será usada sempre em benefício das pessoas, tanto quanto esse uso não entre em conflito com a primeira e a segunda lei.”
Na era da ficção social, a inovação se sobrepõe à invenção. Em breve, o pessoal dos laboratórios vai perceber que sua dedicação se justifica, ainda mais quando o invento nasce orientado para fazer a ficção social se materializar. Dos laboratórios às empresas, o caminho será curto e rapidamente percorrido, e a inovação passa a ser um indiscutível fator de sucesso e competitividade. Tem tudo para ser assim.
Portanto, bem-vindos à era da ficção social! Observe à sua volta e veja onde algo já inventado pode ser usado de forma inovadora, a serviço das pessoas. Se ainda não foi inventado, invente você mesmo, sabendo que, agora, o invento nasce para ser o agente da inovação. E se, em alguns anos, a história se repetir, a ficção social não será mais ficção, a humanidade vai estar melhor e vamos repetir esse exercício de criar novos sonhos, novas aspirações que, no início, vão parecer uma utopia. Será mais um exercício inovador.