Tudo ao mesmo tempo agora
Tudo acontece junto: diversão, aprendizado e trabalho. Cada vez mais os programas se esforçam para romper essas fronteiras analógicas e transformar a experiência diante do computador em uma coisa só
Você está diante de uma tela gigante, do tamanho da parede da sala. Não, várias telas, uma em cada parede. Não, pensando bem, existem as telas, mas você também usa uns óculos semitransparentes, que projetam uma imagem sobre elas. O som é perfeito. E controles para voar pelo ambiente, luvas que permitem pegar nos objetos virtuais, emissores de cheiros, sensação de texturas. O ambiente é uma catedral gótica. E você está em um dos balcões, observando os detalhes da arquitetura.
Agora vem o problema: o que você está fazendo? Participando de um videogame 3D de última geração? Estudando arquitetura? Ou trabalhando, criando uma réplica da catedral que, depois, servirá como modelo para que engenheiros construam uma com cimento e tijolos? Só de ver você agir, uma pessoa de fora não teria como saber, pois os ambientes virtuais misturam as coisas e, hoje, a distinção entre educação, entretenimento e produção está completamente embaralhada.
É o que se chama a queda das fronteiras. Você conhece isso com relação à fronteira entre diversão e educação. Pense em um bom documentário na TV. Quando você assiste a algo assim, está se divertindo ou estudando? Um pouco de cada. Agora, a fronteira da produção é que está para ser derrubada. Tudo – ferramenta, videogame e enciclopédia – vai se fundir em uma coisa só.
Para Samroeng Thongrong, pesquisador do Laboratório de Visualização Eletrônica da Universidade de Chicago, Estados Unidos, “programas multimídia usados em educação não devem ser muito divertidos, pois essa característica leva à distração”. Isso, claro, não quer dizer que os programas devam se dividir em chatos e não-chatos, entre educativos e de diversão. Tudo o que o pesquisador sugere é que os educadores encontrem a dose certa para usar recursos multimídia.
Mas esse ponto de vista só pode ser defendido se você reconhecer que existem os pólos, isto é, que existem programas puramente educativos, programas puramente divertidos e programas voltados exclusivamente para a produção. A discussão parece abstrata, parece coisa distante demais do presente? Pense bem. Se você escreve textos em um micro, provavelmente é usuário de um processador da Microsoft chamado Word, certo? Já notou que existe um “assistente de edição”? Já notou que ele não é simplesmente uma ajuda em forma de texto, mas tem uma carinha configurável? Aí está um caso em que elementos de diversão podem se misturar à produção. A carinha ajuda o usuário a se lembrar de coisas importantes, que terão influência em sua produtividade. Não é a mistura total, mas é um começo e está bem aí, diante de você.
Brenda Laurel uma das primeiras pesquisadoras em games e realidade virtual, autora do clássico livro Computadores como Teatro, costumava, dez anos atrás, dividir a relação entre homens e máquinas em duas grandes categorias, a produtiva e a experiencial, termos que usava para definir aqueles programas que divertiam. Em 2001, Brenda reconhece que algo está mudando: “Acredito que temos hoje uma apreciação melhor das dimensões experienciais dos produtos voltados para a produtividade, como os sistemas de CAD, as simulações de treinamento ou os ambientes de gerenciamento de informação”. Ou seja, mais e mais os desenvolvedores de ferramentas tentam torná-las divertidas.
Marcos Cuzziol, engenheiro e sócio fundador da Perceptum – uma das responsáveis pelo ingresso de empresas brasileiras no mercado internacional de games, sugere uma boa metáfora para explicar por que essa fusão entre diversão e produção segue lentamente: “Quando crianças, nos familiarizamos com um tipo de simulação: brincar”. Só agora os wizards da informática começam a achar modos de integrar tudo, para que esse “brincar” de que Cuzziol fala se estenda para o uso de toda ferramenta usada no computador.
Indiana Jones virtual
Thongrong participa de um projeto que é um bom exemplo dessa fusão. Ele e uma equipe de arqueólogos, historiadores e programadores desenvolveram uma réplica em 3D de um grande tesouro arqueológico, as grutas Mogoa, um complexo de 492 cavernas localizadas no Deserto de Gobi, na região oeste da China. Elas trazem 25 000 metros quadrados de murais, pintados durante mil anos, entre 400 e 1400. Os modelos construídos por ele e mais um grupo de modeladores (os arquitetos do mundo virtual) permitem que as pessoas visitem as cavernas sem terem de ir lá (educação), possam explorá-las livremente, como se fossem arqueólogos (diversão) e ainda propiciam a especialistas em pontos distantes do planeta encontros virtuais, para discussões sobre a construção de novos modelos (ou seja, produção).
No momento, isso só funciona bem em redes, com técnicas que os pesquisadores chamam de “teleimersão”, que precisam de telas grandes, câmeras e óculos especiais. Mas, com a internet cada vez mais rápida e com as interfaces cada vez mais baratas, logo esse tipo de ambiente estará disponível na casa de qualquer um.
“Cyber-Michelângelo”
O estudo de obras de arte ganha muito com as novas técnicas de modelagem 3D. Claro, uma vez modelada, uma obra pode ser vista sob qualquer ângulo e em qualquer lugar. Aproveitando essa tecnologia, Jack Wasserman, professor de história da arte na Temple University, Filadélfia, Estados Unidos, realizou uma parceria com o Watson Research Laboratory, ligado à IBM americana (www.research.ibm.com), para o desenvolvimento de um modelo 3D da Pietá florentina, de Michelângelo, que ele estudava há alguns anos.
A estátua foi inicialmente esculpida para ser colocada sobre o túmulo de Michelângelo. A obra tem quatro figu-ras: Jesus, a Virgem Maria, Nicodemo (que é um auto-retrato do autor) e Madalena. Não se sabe por quê, mas Michelângelo resolveu dividir a obra, isolando a Virgem e seu filho. Mais tarde, as outras figuras foram recolocadas em seus lugares por um aluno do escultor, Tibério Calcagni.
O modelo 3D permitiu reconstruir a estátua da maneira que Michelângelo a deixou, separar as quatro figuras para estudos detalhados, remover as marcas causadas pelo tempo, simular seu posicionamento em diferentes locais e medir partes da obra.
Para criar o modelo, foram necessárias mais de 800 imagens escaneadas, que levaram 90 horas para serem capturadas. A IBM está instalando terminais em bibliotecas e museus de diversos países mostrando a construção da estátua. Mas você não precisa ser pesquisador para aproveitar essa tecnologia. Basta gostar de arte e querer aprender com os grandes mestres. Na versão virtual, claro.
Criando seu próprio museu
Toda exposição de arte em um museu ou em um centro cultural tem por trás um curador, a pessoa responsável pelo que você vai ver. Assim, exposições de arte com títulos como “Modernismo no Brasil” exigem alguém que conheça bem o assunto e saiba como exibi-lo.
Agora existe um museu que está passando essa bola para você. Quer ser curador? Entre no Museu de Arte Contemporânea de Chicago. Mas aí vem o melhor. Não precisa ir aos EUA. O museu tem um site no qual você pode exercer sua “curadoria” virtualmente.
Simples. Na home page, procure por “Exposições”. Depois, na lista das exposições passadas, procure por “Transmute”. Então, é só entrar e agir. O internauta é colocado no meio de um espaço vazio. Na parte de baixo da tela fica uma lista de obras de arte. Clique em qualquer uma. Em seguida, clique em algum ponto do espaço do museu virtual. Pronto, a obra aparece lá.
Ok, dizem os curadores profissio-nais. Fazer curadoria é mais que apenas colocar obras de arte em salas. Em favor deles, diga-se que é verdade. Mas, mesmo assim, não é que as exposições “curadas” por amadores podem ficar bem bonitas? De qualquer jeito, é uma forma mais interessante de aprender o que um curador faz do que ficar ouvindo alguém falar horas e horas sobre sua profissão. Tente fazer uma e veja se tem jeito para a coisa. O endereço é www.mcachicago.org.
Uma visita à catedral de Notre Dame
A catedral de Nossa Senhora, em Paris, mais conhecida por seu nome francês, Notre Dame, levou mais ou menos 200 anos para ser construída, a partir do momento em que o papa Alexandre III a iniciou, em 1163.
Mas bastou um ano para que uma equipe norte-americana recriasse a catedral em um ambiente virtual. “As pessoas não acreditavam e diziam ·Bárbaro, isso é real·!”, explica Vic De Leon, um dos principais desenvolvedores da empresa Digitalo (www.digitalo.com), que apresentou ao público o primeiro demo do projeto em 1999. Tempo de realização? Um ano. Quantos profissionais? “Quinze”, diz De Leon, mas logo acrescenta: “No início, éramos somente seis”. Bem distante dos milhares de operários envolvidos na construção da catedral de verdade.
O projeto VRND (Virtual Notre Dame) é um passeio por dentro da catedral gótica mais famosa do planeta. Tudo funciona como em um jogo e, na verdade, não deixa de ser um. Afinal, o pessoal do VRND usou o mesmo programa empregado para criar o jogo Unreal, um grande sucesso comercial em 1998. Você começa em um acanhado corredor, anda um pouco, vira à esquerda e dá de frente com a imensa nave central da igreja. A Notre Dame real tem 130 metros de comprimento, da porta até atrás do altar, mais ou menos um campo de futebol. A impressão que se tem no modelo virtual é a mesma, com as formas do edifício sendo reveladas pouco a pouco, a cada passo, por meio da luz cuidadosamente calculada para parecer filtrada pelos complicados vitrais.
O futuro da catedral virtual é, para começar, ter um exterior. Estranho isso na arquitetura virtual: você pode começar as coisas por onde quiser. Quer fazer o teto primeiro? Tudo bem. Quer fazer a parte de dentro e nada da de fora? Tudo bem também. De Leon explica que o projeto é feito, hoje em dia, nas horas vagas e que a base do programa foi dada à empresa Perilith Industrielle, que deverá lançar uma versão melhorada da catedral em 2002. Essa vai permitir que o visitante passeie por fora, admirando o edifício, antes de entrar. Além disso, deverá ter um guia, para mostrar aos visitantes todos os tesouros guardados no prédio.
Quanto ao potencial educacional de projetos assim, De Leon não tem dúvidas: “Levando em conta a importância que os computadores assumem na educação, o potencial é tremendo”. E olha que na catedral real você pode apenas andar. Na virtual, existe o flying mode (modo de vôo), que liberta o visitante dos limites impostos pela gravidade!
FAQ educação digital
Atenção
A partir daqui, você conta, para consulta rápida, com um glossário com os termos mais importantes relacionados à nova era do ensino tecnológico
Arte eletrônica
É a arte que usa meios eletrônicos para se expressar. Assim, videoarte, arte-xerox, fotografia digital, animação feita em computador e outras são arte eletrônica.
Existem duas correntes no que diz respeito ao papel dos artistas no desenvolvimento de ferramentas de software.
Uma é a colaboracionista. Muitos centros de pesquisa colocam na mesma sala, para criar interfaces, artistas, designers e programadores. Dessa química nascem novas idéias.
Outra é a da nova formação, representada pelo pesquisador norte-americano John Maeda. Ele defende que o futuro das interfaces eletrônicas virá da formação de um novo tipo de profissional, o cientista-artista e que o estágio atual, de colaboração, será superado. “Minha posição é de que nenhum deles (arte e tecnologia) é mais importante que o outro. Eles se complementam… Assumir que o único modelo para arte tecnológica é por meio da colaboração entre artista e técnico é arriscar todo o futuro de nossa cultura no costume de, em termos figurados, enxertar os olhos e sentidos dos artistas diretamente nas mãos e nas mentes dos técnicos. Dizem-me que a beleza de tal colaboração é um resultado que nem um nem outro esperam. Não consigo ver os méritos de um enfoque baseado em mero acaso.”
Arquitetura de informação
O termo é recente, não tendo mais de 20 anos. Mas se refere a uma atividade bem conhecida: uma vez de posse de informação, como apresentá-la da melhor forma, isto é, como fazer para que o receptor obtenha o máximo de informação com o mínimo de ruído no menor tempo possível? Para tanto, algumas escolhas têm de ser feitas:
a. Escolha da linguagem da informação (por exemplo, determinação do nível do texto e das ilustrações segundo faixa etária, nível de instrução dos leitores etc.).
b. Escolha da ênfase (isto é, qual a forma de veicular informação: textos longos/curtos, ilustrações, fotos, vídeos, estruturas interativas etc.).
c. Escolha da mídia (livros, revistas, CD-ROMs, vídeo, DVD etc.).
Com a chegada ao mercado de microcomputadores equipados com dispositivos multimídia (1992) e com o advento da internet pública (1995), os problemas de arquitetura de informação, por um lado, ganhavam novas soluções, já que variados meios de veicular conteúdo ficavam à disposição do autor; mas, por outro, viam-se somados a novas dificuldades, pois os potenciais autores multimídia não estavam preparados para usar de forma equilibrada toda a parafernália à sua disposição para produzir unidades precisas e objetivas de informação.