TV domesticada
A interatividade será a principal característica da TV digital, que chega ao Brasil em 2001. Você vai programar seu aparelho e falar com ele.
Carlos Dias e Renata Mercante
Apesar de tantas opções de canais, muita gente tem a sensação de que há pouco coisa interessante para assistir na TV. Se você se sente assim também, anime-se. Com o início da transmissão digital no Brasil em 2001, as mudanças serão tão grandes que a caixa quadrada parecerá um novo aparelho. Aliás, ela não será mais quadrada. “A grande diferença da imagem em alta definição será o de menos”, disse à SUPER Nicholas Negroponte, diretor do Laboratório de Mídia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos. “A deficiência da TV atual é a programação. O sistema digital trará uma mudança de conteúdo completa”, afirma.
Para o reverenciado especialista em tecnologia, a interatividade será a principal vantagem da TV digital. “Isso significa que expressões como horário nobre perderão o sentido. Cada espectador fará sua própria programação”, diz Negroponte. Ou seja, se você chegar em casa depois do jornal das 8 horas, vai poder assisti-lo à meia-noite. Vai escolher se quer mais esporte e menos política no noticiário ou vice-versa. E, se quiser assistir a um concerto, poderá optar por uma visão da primeira fila, na platéia, da frisa lateral ou do fundo das galerias. Tudo isso poderá ser operado por comandos de voz.
Programação personalizada
Vai ser uma mudança e tanto. “As emissoras vão ter de reaprender a fazer televisão”, disse à SUPER o engenheiro eletrônico Eduardo Bicudo, professor da Universidade Mackenzie, em São Paulo, e responsável pelos estudos que vão definir qual dos três sistemas em operação no mundo será adotado no Brasil – o japonês, o europeu ou o americano. Segundo ele, tudo será diferente: da iluminação e da maquiagem aos cenários e aos serviços oferecidos ao telespectador. Para exibir a imagem digital a partir do ano que vem, os televisores atuais também terão de ser adaptados ou substituídos, por mais modernos que sejam agora. Para Bicudo, porém, a mudança vale a pena: “Comparada com o potencial da digital, a TV atual é um lixo”.
Em 2010, toda TV será digital
Se você quiser jogar seu televisor no lixo no ano que vem, pense duas vezes antes. Toda essa tecnologia custa caro. O preço de um aparelho digital será pra lá de salgado para a maioria dos brasileiros. No início, um modelo de 29 polegadas não deverá sair por menos de 10 000 reais. Como acontece com toda inovação, porém, a tendência dos preços é baixar, a longo prazo.
Enquanto isso não acontecer, as emissoras vão transmitir todos os seus programas com os dois sistemas, analógico e digital, ao mesmo tempo – para quem tem o aparelho novo e para quem ainda não quis ou não pôde trocar. O prazo final, porém, é dez anos. “Em 2010, a TV analógica vai ser desligada no Brasil. Todas as transmissões e todos os aparelhos terão de ser digitais”, explica Bicudo, do Mackenzie.
Não é preciso se precipitar. Afinal, todos os recursos de interatividade não vão estar disponíveis de uma hora para outra. “Os serviços serão oferecidos pelas emissoras gradativamente. Cada uma delas vai fazer sua própria escolha de ofertas, no ritmo de suas possibilidades e dos recursos técnicos disponíveis”, disse à SUPER o gerente de produção da Philips, Walter Duran. A propósito, sua empresa está desenvolvendo uma minicâmera para ser colocada na camisa de um jogador de futebol ou do juiz. Se o usuário quiser ter o ponto de vista do artilheiro na hora do gol, bastará um clique.
Enquanto essas novidades não chegam, uma coisa é certa: a qualidade da imagem vai mudar, mesmo. E muito. “Dará para perceber com nitidez o brilho dos olhos. Identificaremos o papelão ou o isopor dos cenários e a textura dos efeitos especias, o que significa que as emissoras terão de mudar de conceito ou aprimorar o existente”, afirma o engenheiro eletricista Regis Rossi Faria, coordenador do Núcleo de Engenharia de Mídias da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Por isso, prepare-se. Na TV digital, pode ser que aquele ator ou aquela atriz não seja assim tão deslumbrante. Nesse caso, a beleza não estará nos olhos de quem vê – mas na tecnologia que a transmite.
Algo mais
A TV chegou a ser chamada de rádio visual. A primeira transmissão oficial foi feita pelo inventor escocês John Logie Baird (1888-1946), em 1926. Dois anos depois, ele fez a primeira demonstração da TV em cores. Em 1929, na Alemanha, a empresa de correios e telégrafos montou o primeiro sistema de transmissão do mundo.
O perfil da mudança
Veja as novidades que a TV digital oferece.
Imagem
A primeira diferença é a qualidade da imagem. Para os especialistas, a sensação será semelhante à de um míope que coloca óculos: dará para ver detalhes que nem aparecem na TV analógica. Você enxergará as linhas da costura da bola ou a textura do tecido da camisa do jogador de futebol.
Formato
Outra diferença que chama a atenção é o formato da tela. O televisor da sua casa tem a proporção de 4×3. A do aparelho digital é 16×9, mais retangular. Lembra a de cinema.
Tudo sob controle
O controle remoto fará o mesmo que o teclado e o mouse do computador. Um toque na tela do mostrador de cristal líquido abrirá menus, com várias opções – como navegar na internet. Também terá um mouse fixo, como num notebook, para indicar na TV o recurso desejado.
Interatividade
Por usar a mesma tecnologia dos computadores, é impossível calcular como será a TV digital no futuro. Assim como seu micro, o televisor poderá ser renovado constantemente, com novos recursos oferecidos pelas emissoras, como escolher o que você quer ver no replay em câmera lenta. Só que isso pode custar caro.
Se você quer assistir a um filme, mas está com crianças na sala e acha que há cenas impróprias a elas, pode escolher no menu da tela uma versão com cortes, isto é, sem cenas de sexo, sem cenas de violência ou sem as duas.
O filme também pode ser visto em outros idiomas. É só escolher: legendado, dublado, com som original sem legendas, legendado em espanhol, em francês, dublado em italiano, enfim, do jeito que mais lhe agradar.
As crianças não perdem seu desenho favorito, que passa todos os dias à tarde. Ontem, porém, não viram o episódio mais importante da série, pois tiveram de ir ao dentista. Agora, estão desconsoladas porque não conseguem acompanhar a história.
A TV digital tem a solução. Ela oferece a opção de pedir, por meio do menu, para ver o episódio anterior. Enquanto isso, a imagem do atual fica congelada, até eles terem feito todo o dever de casa. Depois, podem assistir a tudo o que querem. Sem brigas.
O galã da novela está tomando uma marca de suco que você adoraria experimentar. É só clicar na garrafa que está em cima da mesa dele e saber o preço. Você pode fazer o pedido e, em algumas horas, terá em casa a bebida que você na novela.
Pode ser também que você tenha gostado das roupas de uma atriz. É possível ficar sabendo a marca de sua saia, da blusa, dos sapatos e das jóias, já com o preço e as opções de pagamento. É só encomendar no teleshopping.
Você está assistindo à final da Copa do Mundo, disputa de pênaltis. De repente, toca o telefone. Entra num canto da tela a imagem de sua tia, que fala sem parar – desde que você e ela tenham uma câmara de videofone acoplada à TV.
Basta um toque no controle remoto para congelar a imagem. Bem depois da conversa, com um outro clique o jogo continua de onde você o interrompeu. Só não dá para parar os fogos que os vizinhos vão soltar para comemorar.
O segredo dos zeros e uns
Por que a transmissão digital é melhor e oferece mais recursos.
Quantas vezes você já se pegou conversando com a sua TV? Seja para reclamar do final de um filme ou lamentar ter perdido uma ultrapassagem de uma corrida de Fórmula 1, essa situação é comum. Com a TV digital, porém, isso vai mudar. Você vai reclamar e ela responderá. Suas vontades e caprichos serão resolvidos com um simples clique no controle remoto. Vai dar para repetir a ultrapassagem quantas vezes quiser e até escolher outro final para o filme. Isso será possível por causa do tipo de sinal utilizado para a transmissão. Chamados analógicos, os sinais usados atualmente são passíveis de interferências, como fantasmas (imagens duplas, triplas ou quádruplas), sombras, chuviscos e chiados. Esses problemas acontecem porque os sinais enviados pelas emissoras ricocheteiam nas paredes das casas e dos prédios e se multiplicam desordenadamente até chegar ao televisor, distorcendo a imagem. Com o sistema digital, a situação é bem diferente. Por usar a mesma linguagem dos computadores, não há erro na transmissão porque não há meio-termo: tudo é gravado num código formado apenas pelos números 0 e 1. “Ou a imagem é perfeita ou não aparece na tela”, explica Bicudo. É como na brincadeira do telefone sem fio: se na roda é usada uma frase, a chance de ela ser repetida errada no final é muito grande – isso é o sinal analógico. Mas, se você disser zero, é quase certo que o último da fila repita o mesmo número – isso é o sinal digital. Outra grande vantagem do sistema digital é o tamanho. Os zeros e uns são tão simples que diminuem drasticamente a dimensão do sinal. Na mesma freqüência ocupada por um canal analógico, cabem seis canais digitais. Assim você pode assistir à transmissão de Titanic em inglês, legendado, dublado, em alemão, ver o making of do filme, saber as últimas fofocas sobre Leonardo DiCaprio ou comprar souvenires no teleshopping. É só clicar no menu.
A máquina que mudou o mundo
Veja as principais mudanças dos televisores no século XX.
1930
A televisão levou anos para deixar de ser um rádio com imagem em preto-e-branco. Este modelo, da década de 30, mostra isso. Sua tela tinha 9 polegadas, o tamanho máximo possível na época. Os primeiros aparelhos não conseguiam transmitir som e imagem ao mesmo tempo – até hoje uma das questões mais complexas da tecnologia de TV. Até o final da década de 40, ela era tão cara que custava tanto quanto um automóvel nos Estados Unidos.
1950
Com o tempo, o preço dos aparelhos caiu e a TV invadiu as casas na Europa e nos Estados Unidos, transformando-se num item da mobília a partir de 1950. Foi nesse ano que a TV chegou ao Brasil, em preto-e- branco, enquanto nos Estados Unidos já começavam as primeiras transmissões em cores. Aqui e em várias partes do mundo, a TV tornou-se o centro das atenções.
1960
Um grande salto foi a transmissão via satélite, iniciada em 1962 com o Telstar 1 americano. Noticiários e eventos esportivos em qualquer parte do mundo passaram a ser vistos no mundo inteiro, com platéias de centenas de milhões de telespectadores. Os aparelhos avançaram junto, cada vez maiores e com melhor qualidade de imagem.