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Vovô não me deixa brincar

Avanços em inteligência artificial e a possibilidade de definir personagens e trama transformarão os games em objetos do desejo de todo mundo - e não apenas dos jovens

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h38 - Publicado em 31 out 2000, 22h00

Edson Rossi

Pela quarta vez em 18 minutos sua mãe quase arromba a porta do quarto. Ela está aos socos, aos berros: “Desliga este videogame, menino!”. Você, como sempre, ignora. Na quinta investida, ela não perdoa. Com dois tiros de escopeta faz voar a fechadura da porta – e você mal tem tempo de escapar, pela janela, do terceiro disparo. Mamãe, agora, o persegue implacavelmente. Ela está possuída por algo maligno ou a paciência materna com o rebento querido esgotou-se? Na dúvida, é melhor continuar correndo sem saber se o resto da família também quer o seu fim.

Será assim que você vai jogar videogame daqui a 30 anos: sem ter absoluta certeza se é mentirinha ou realidade. “Tecnicamente já é possível prever a interação total entre as pessoas e os jogos”, disse à Super o americano Joel Ruzich, diretor internacional de games da Microsoft. Torça, então, para que sua mãe não adote as reações que o videogame do futuro criou para a versão virtual dela.

Esse inevitável mundo novo tem três alicerces. O primeiro é a Física. Os avanços da holografia permitirão a qualquer pessoa jogar de forma quase real. Não se trata mais de simplesmente ver os cenários dos jogos, mas sim de estar dentro desses ambientes. O segundo componente é a Inteligência Artificial. “A tecnologia permite uma realidade virtual multissensorial, com acesso a quatro dos cinco sentidos, com exceção do paladar”, afirma o professor-doutor Flávio Soares Correa da Silva, especialista em Inteligência Artificial do Departamento de Ciências da Computação da Universidade de São Paulo (USP). O terceiro alicerce é a Psicofísica, que dará ao videogame a capacidade de provocar sensações de medo, dor, angústia, felicidade e estresse comuns ao dia-a-dia. Participar de caçadas em uma versão descendente de Final Fantasy deixará de ser um exercício virtual. “O mundo dos games será real”, disse à Super Bertrand Chaverot, diretor da francesa Ubi Soft, uma das cinco maiores produtoras do mundo. Veja como cada componente dos games vai mudar para nos manter plugados:

 

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Videogames – Impossível pensar num videogame como os brinquedos eletrônicos de hoje. Em forma de pequenas caixas, com som de altíssima fidelidade e telas específicas para imagens holográficas, eles ganharão o status de poderosos e populares eletrodomésticos. Serão usinas de entretenimento para filmes, músicas, games e Internet. Isso significa que a geração 128 bits – PlayStation 2 (Sony), GameCube (Nintendo) e X-Box (Microsoft) – é a pioneira desse universo sem limites. “O entretenimento familiar gerado pelo videogame dominará o futuro”, diz Taiji Ogata, da Computer Entertainment Software Association, entidade que reúne os produtores japoneses de games. E as megaempresas serão conglomerados como a Sony, que produz videogames, games, filmes e música.

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Jogos – Se o futuro é reunir e entreter toda a família, a conseqüência mais clara será a mudança no perfil dos jogos. Você é um gamemaníaco? Vai se tornar ainda mais fanático. Você não é? Será. Você nem nasceu? Não importa, o videogame será o que a televisão é hoje: onipresente. E o que é melhor: sem resquícios ditatoriais de histórias predominantemente masculinas e juvenis. “Hoje, os fabricantes criam enredos para o perfil médio dos jogadores, meninos de 15 anos, mas isso vai mudar”, afirma Ogata. “Haverá cada vez mais produtos para mulheres e também para pessoas mais velhas.” É isso mesmo: você vai ter de disputar horário com o vovô. “Os roteiros são hoje o ponto frágil dos games. Temos excelentes gráficos, som maravilhoso, mas ainda faltam tramas mais envolventes”, diz Chaverot. Para ele, os Street Fighters da vida darão espaço a RPGs, esportes, aventuras e simuladores.

Simuladores – Comandar situações reais será o barato da geração 2030. Pode até apostar que os videogames – que pobreza! – passarão a se chamar Caixa de BioInteratividade (para os gringos, a sugestão é BioBox ou 2B). Simuladores de vôo e de tiro são usados hoje para treinar as Forças Armadas americanas. Daqui a três décadas, porém, vamos simular coisas mais práticas e cotidianas. Para aprender sobre a Guerra do Paraguai, por exemplo, programaremos o videogame, digo, o BioBox, tendo como ambiente holográfico o Sul do país. Você escolhe para quem vai lutar – ao lado dos machos soldados do Duque de Caxias ou como um dos aliados de Solano López – e aí é só cair na batalha. Volte de lá com uma aula de história não apenas na mente, mas também no coração. Corações e mentes. Corpo e espírito. “Mais que o 3D, a holografia permitirá a construção desse universo”, diz José Joaquín Lunazzi, professor pesquisador do Departamento de Física da Unicamp.

Personagens – Você vai ser como um diretor de cinema, controlando os atores que quiser. As animações darão lugar a personagens reais: família, artistas famosos e esportistas consagrados, tudo misturado. Será uma espécie de Lego eletrônico em que montaremos as histórias e os ambientes conforme o gosto. Esqueça Lara Croft (o que é uma pena). No descendente de Tomb Raider você vai se arriscar ao lado de Angelina Jolie ou Catherine Zeta-Jones e mandar bala naquele vizinho impertinente. Todos os movimentos do seu elenco de pessoas serão criados a partir de um banco de imagens. “Personagens reais vão conviver com os digitais”, diz Ogata. Dessa forma, seu pai saudosista poderá montar um time de Fifa Soccer 2000 com ele no gol, seu tio na zaga e Beckenbauer, Ademir da Guia e Batistuta do meio-campo para a frente.

Acessórios – Luvas e capacetes sensoriais eliminarão os decanos joysticks. Você vestirá o videogame e, além de estar inserido nos ambientes dos jogos – tendo a visão espacial e não apenas a frontal e a lateral -, vai experimentar todos os sentidos, incluindo o mau cheiro de uma rua entulhada de lixo ou a sensação de náusea que uma bomba de gás provoca. Assim, na hora de atirar em alguém, seu corpo reagirá como deve: molhado de suor, com medo de que seu rival atire antes. Isso se ele não for a mamãe querida apontando em sua direção uma escopeta.

 

Edson Rossi é redator-chefe da revista Ação Games

Papo-cabeça

Estar dentro de um videogame daqui a 30 anos vai significar ser deus num universo paralelo. Atenção: não escrevi ser um deus bom ou mau, apenas ser deus. Assim, se você quiser equilibrar sua vida de universitário ou de profissional liberal com um segundo perfil, digamos, mais marginal, basta reproduzir um novo mundo dentro dos games. Lá poderá ser o assassino implacável que sua moral recrimina.

“Tecnologicamente tudo será possível, mas a pista para descobrir o que será o videogame do futuro está mais na sociedade do que na tecnologia”, afirma o professor-doutor Flávio Soares Correa da Silva, do Departamento de Ciências da Computação da USP. Não gostou de se ver no papel de bandido? Então, arrisque-se numa sociedade que estimula a concentração de renda, promove o empobrecimento em larga escala e cultua a violência. “Tudo isso se estende até um nível crítico de ruptura, o ponto em que a realidade se torna insuportável e as pessoas procuram o contrário do que vêem”, diz Correa da Silva. E vão procurar esse contrário no videogame – máquinas que serão capazes de recriar o mundo do jeito que sonharmos.

Videogame não se limitará, portanto, ao campo do entretenimento e da ciência. Será também tema de filosofia. Os jogos vão gerar um segundo universo para cada um de nós, onde iremos interagir com gente de verdade e, o que é mais fascinante, com conceitos éticos e morais diferentes dos que teremos em nossa vida real. Será um mundo do conhecimento e das experiências.

De certa maneira, será o ritual de passagem das cavernas para o mundo das idéias, como definiu Platão há 24 séculos.

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