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Viva a lei de Gérson!

Somos mesmo uma nação de egoístas, corruptos e sacanas, que só pensam em si e só querem saber de levar vantagem. Certo?

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h12 - Publicado em 31 jan 2004, 22h00

Helio Gurovitz

O meio-campista Gérson ficou célebre não apenas por ter sido uma das maiores estrelas do tricampeonato brasileiro em 1970, mas por ter formulado, na propaganda do cigarro Vila Rica veiculada anos depois, aquela que viria a ser conhecida como lei de Gérson: “O importante é levar vantagem em tudo, certo?” – frase dita num carregado sotaque carioca, forçando os erres até o palato ficar encharcado. Gérson tentou por muito tempo se desvencilhar da fama de patrocinador dos espertalhões, patrono dos corruptos e propagandista dos canalhas, mas não teve jeito. A lei de Gérson pegou. Sociólogos, antropólogos e a nata da intelectualidade brasileira já gastaram horas e mais horas, tinta e mais tinta, neurônios e mais neurônios para condenar nossa brasileira condição gersoniana. Somos mesmo uma nação de egoístas, corruptos e sacanas, que só pensam em si e só querem saber de levar vantagem. Certo?

Errado. No fundo, Gérson deveria ter é orgulho. Só a lei de Gérson nos salva nesta era politicamente correta, em que anão virou “verticalmente prejudicado”, pobre virou “excluído social”, débil mental virou “diferentemente capacitado” e em que nem propaganda de cigarro é mais possível fazer sem pedir desculpas em letras garrafais. O enunciado da lei de Gérson põe a nu a essência do nosso caráter sem pudor: somos um povo que gosta de levar vantagem. E daí? Alguém aí teria orgulho de fazer parte de uma nação de trouxas e otários?

Ninguém aqui vai defender um comportamento antiético ou ilegal com base no enunciado da lei de Gérson. Se ela existe, é em primeiro lugar reflexo da nossa realidade. Veja o caso das nossas empresas. Na hora de dar entrevista e aparecer na mídia, todas querem loas a sua responsabilidade social corporativa e boa cidadania. Na hora de declarar imposto, de desempatar alguma pendenga judicial ou de conseguir autorização para obras, estão todas atrás do primeiro Rocha Mattos de plantão para livrar-lhes a cara, já que, em meio à nossa barafunda legal, a propina é questão de sobrevivência e só ela faz a economia andar.

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Parece que o povo brasileiro vive uma tensão entre duas forças. Por fora, a força da imagem. Em público, todos têm de ser como que sacerdotes, com comportamento impecável, retidão moral absoluta, espinha dorsal inflexível. Os políticos corruptos são condenados com virulência, qualquer deslize de executivos tem de ser punido de forma exemplar, damos a nossos filhos a impressão de que a ira divina se abaterá sobre suas menores falhas. Esse sentimento faz a fortuna e a desgraça de prefeitos, governadores e presidentes. Por dentro, porém, irrompe a força de Gérson. Ninguém agüenta essa pressão hipócrita. Todos querem o melhor para si – e que mal há de haver nisso? De posse da menor fímbria de poder, de uma tênue nesga de oportunidade, não raro transgredimos as mesmíssimas regras cuja transgressão acabamos de condenar nos outros. Julgamos, condenamos, enforcamos e esquartejamos Gérson. Mas Gérson somos nós. Eis nosso dilema.

Para que tanta hipocrisia? Nada disso precisa ser assim. A lei de Gérson muito deveria nos honrar. Basta despi-la da hipocrisia para perceber que é a esperteza nacional que faz o Brasil se destacar em meio à mediocridade reinante no planeta politicamente correto, em que tudo tem de ser igual e insosso, em que todos acham que têm direito a tudo, em que a criatividade – e a verdadeira diferença – foram banidas. Na América Latina, os argentinos choram suas tristezas frustradas num tango melancólico, enquanto nós brasileiros damos risadas de nossas sacanagens num alegre sambinha. Qual o problema se podemos ser espertos e felizes? Quem disse que ser esperto é ruim ou necessariamente antiético? Por que ter vergonha disso em vez de usar a esperteza a nosso favor?

O empreendedorismo e a criatividade do brasileiro nada mais são que expressões dessa faceta mais nobre da lei de Gérson. Afinal, empreender não é saber aproveitar oportunidades? Criar não é violar regras estabelecidas e preconcebidas? Tudo isso não é, no fundo, saber levar vantagem? Vamos largar a mão de ser bestas e incorporar com orgulho nosso lado Macunaíma. Vamos dar um basta à histeria politicamente correta que infesta a humanidade e usar nosso próprio antídoto: a boa e velha lei de Gérson. Viva Macunaíma! Viva Gérson! Ziriguidum. Telecoteco. Balacobaco, esquindô, esquindô.

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