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A colônia de bactérias comedoras de nylon que surgiu no Japão em 1975

Esses micróbios total flex, que evoluíram em poças d'água com rejeitos industriais, se tornaram porta-bandeiras da seleção natural.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
6 set 2024, 19h00

Em 1975, um grupo de biólogos japoneses encontrou uma colônia de bactérias vivendo em poças d’água ao redor de uma fábrica de nylon. Elas produziam três enzimas capazes de digerir subprodutos da fabricação do material   compostos químicos que não existiam na natureza antes da invenção do nylon, em 1935.

Descobriu-se também, em 1977, que as tais enzimas não conseguem corroer nenhum outro material, apenas nylon. Esse é um indício de que essa capacidade evoluiu por seleção natural especificamente em resposta às condições de vida daquele habitat poluído.

Bactérias se reproduzem muito rápido, divindindo o próprio corpinho ao meio para dar origem a dois bebês idênticos. Eis aí a vantagem de ser um organismo de uma célula só. Isso também significa que a população cresce rápido, em progressão geométrica: 2, 4, 8, 16, 32, 64…

Sempre existe a chance de que algo dê errado nesse processo. Toda vez que uma bactéria se duplica, ela precisa duplicar também seu material genético. Nesse processo, pode sair uma letrinha diferente, como ocorre com uma fotocópia caseira.

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A maior parte das mutações genéticas não faz diferença alguma para os genes em que incidem. E genes são receitas para fabricar proteínas, ou seja: em última instância, o que uma mutação genética faz é dar ou tirar do organismo a capacidade de montar uma proteína seja isso bom ou ruim para ele.

É muito raro uma mutação fortuita, aleatória, modificar um gene de modo a dar uma habilidade bioquímica nova e útil ao organismo. A maior parte das mutações bagunça as coisas em vez de ajudar.

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Acontece que, em uma poça d’água com um mastodontilhão de bactérias, acontecem um mastodontilhão de mutações. E quando os números são muito grandes, a estatística assume o volante: em algum lugar da água, algum microorganismo vai ganhar na loteira da vida.

É o que aconteceu no poço japonês. Um micróbio sortudo sofreu uma mutação de um milhão de dólares e passou a produzir enzimas (enzimas são proteínas, lembre-se) que o permitia comer nylon. Delícia. Isso é uma prova cabal de que a seleção natural é um fato e está atuando constantemente ao nosso redor.

Este minúsculo ser vivo com uma larica muito intensa foi batizado de Paenarthrobacter ureafaciens var. KI72. Os genes que contêm os código para fabricar as três enzimas ficam em um plasmídeo, um pedacinho de DNA isolado que não fica atrelado ao cromossomo principal da bactéria.

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Plasmídeos podem ser trocados entre bactérias, de modo que é possível usá-los para presentear outros microorganismos com a capacidade de digerir nylon. O mundo microoscópico é um pouco como a vida dentro da Matrix: você pode fazer o download de uma habilidade nova, basta instalar os genes necessários via plasmídeo.

Essa é uma história curiosa, mas ela não estaria sendo contada 50 anos depois caso essas bactérias (que tem potencial para salvar o mundo de todos os adolescentes que tocam músicas do Legião em violões de nylon na hora do recreio) não tivessem se tornado um catalisador da briga entre biólogos e criacionistas.

Em 1985, o Centro Nacional para Educação Científica (NCSE) dos EUA publicou um texto intitulado “Novas proteínas sem a ajuda de Deus”. O texto explica com clareza como é possível que uma molécula tão complexa quanto uma proteína se forme por acaso, e usa os micróbios papa-nylon como exemplo.

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Algo fascinante é que uma das enzimas têm apenas 2% da eficiência de uma enzima comum uma demonstração de que ela se formou de maneira acidental, e um sinal de que a seleção natural agora pode aperfeiçoar a molécula para torná-la mais eficaz (tudo, na evolução das espécies, é gradual).

Para se defender, os criacionistas levaram o argumento do design inteligente ao pináculo do absurdo: “Parece claro que os plasmídeos das bactérias são projetados para permitir adaptação a novas fontes de comida ou a degradação de toxinas. Os detalhes até agora sugerem claramente que essas adaptações não são resultado de mutações acidentais, mas sim de um mecanismo planejado”, escreveu na época Don Batten.

Histórias como essa mostram que o criacionismo não é coisa do século 19. Ainda hoje existem religiosos e pseudocientistas, alguns infiltrados na comunidade acadêmica séria, que defendem abertamente o argumento do design inteligente, usando uma roupagem científica que disfarça o background pernicioso da ideia. Fique de olho.

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