Seus amigos afetam sua microbiota intestinal. Entenda como
Estudo feito em vilas remotas mostra que interações sociais compartilham também microrganismos.
Melhores amigos compartilham gostos, segredos, sonhos e… bactérias?
As pessoas com quem você convive e interage no dia a dia afetam sua microbiota, o conjunto de microrganismos que vivem no seu trato gastrointestinal. O efeito acontece mesmo entre indivíduos que não vivem na mesma casa.
A conclusão é de uma pesquisa publicada ontem na revista Nature. No estudo, cientistas da Universidade Yale (EUA) analisaram os dados de 1.787 adultos que vivem em 18 vilarejos isolados em Honduras, na América Central. Os pesquisadores fizeram mapas detalhados das conexões sociais de cada pessoa e também analisaram a composição de suas respectivas microbiotas.
A escolha do local não foi à toa: nessas vilas remotas, os moradores interagem pouco com estranhos, mas ficam cara a cara com locais por muito tempo, e tem pouco contato com alimentos industrializados (que podem alterar a microbiota).
O banco de dados da pesquisa incluiu mais de 2.500 espécies de micróbios que viviam no corpo dos participantes, totalizando 340 mil cepas – subgrupos de um determinado microrganismos que têm um ancestral comum e compartilham características genéticas específicas, ou seja, são como “familiazinhas” desses seres microscópicos.
O artigo concluiu que pessoas que viviam nas mesmas casas, como casais, compartilham cerca de 14% de micróbios de cepas idênticas. E mesmo quem não vivia junto, mas interagiam com frequência no dia a dia (como amigos próximos), chegavam a ter 10% dos mesmos microrganismos em seus sistemas gastrointestinais. Esse número, porém, caía para 4% entre pessoas que viviam nos mesmos vilarejos, mas interagiam pouco entre si.
Não só: há evidências de transmissão também. Duas pessoas que não eram muito íntimas, mas possuíam algum contato em comum, também tinham mais semelhanças do que o esperado entre dois estranhos. Ou seja, um amigo de um amigo também afeta sua microbiota por meio de um intermediário.
Como isso acontece? Pense em momentos que há trocas de bactérias entre indivíduos: quando dão um abraço ou beijinho (seja na boca ou na bochecha), comem a mesma refeição, compartilham um canudo ou copo…
Por que isso importa
Há trilhões de microrganismos vivendo no seu trato gastrointestinal agora – mais até do que o número de células que formam seu corpo –, quase todos benéficos ou neutros para sua saúde (ajudando, por exemplo, na digestão).
Vários fatores alteram a microbiota intestinal, como dieta, uso de medicamentos como antibióticos, estilo de vida etc. O contato social, porém, é um dos menos estudados. O novo estudo não foi o primeiro artigo a estabelecer essa conexão – pesquisas anteriores já trataram do tema –, mas é um dos mais completos e detalhados.
O estudo é importante porque a microbiota é extremamente relevante na saúde humana: está ligada a uma série de benefícios ou malefícios – como maiores riscos de desenvolver hipertensão, obesidade ou depressão.
Entender como os círculos sociais afetam a questão pode ajudar a “transmitir” melhor os benefícios de uma microbiota saudável – e evitar que microrganismos que causem danos sejam compartilhados.
“Meu laboratório está muito feliz em publicar este artigo, pois ele reflete a busca contínua de uma ideia que articulamos em 2007: que fenômenos como a obesidade podem se espalhar não apenas por contágio social, mas também por contágio biológico, talvez por meio de bactérias comuns que habitam os intestinos humanos”, diz Nicholas Christakis, professor de Yale e um dos autores do artigo.