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Uma cientista tratou o próprio câncer com vírus criado em laboratório

Beata Halassy injetou vírus do sarampo e da estomatite vesicular em si mesma, reduzindo substancialmente seu reincidente tumor na mama. No entanto, a prática é considerada antiética na ciência.

Por Bela Lobato
13 nov 2024, 18h00

Quando a cientista Beata Halassy descobriu seu câncer de mama aos 49 anos, em 2020, o diagnóstico não era novidade. Era a segunda vez que o tumor retornava no local de onde sua mama esquerda havia sido retirada, e as opções de tratamento eram limitadas. A virologista da Universidade de Zagrebe, na Croácia, resolveu que trataria seu câncer de nível 3 com as próprias mãos. Spoiler: já faz quatro anos que a cientista não tem câncer.

Ela estudou a literatura científica e escolheu aplicar em si mesma um tratamento chamado viroterapia oncolítica (OVT). Esse tratamento utiliza vírus para atacar as células cancerosas, com a intenção de que o sistema imunológico seja ativado para combater tanto o câncer quanto os vírus.

É uma área de pesquisa em tratamentos oncológicos emergente, e não existe nenhum agente de OVT aprovado para tratar câncer de mama, em nenhum lugar do mundo. Isso não impediu Halassy: ela afirma que sua experiência no cultivo e purificação de vírus em laboratório lhe deu a confiança necessária para os testes.

Foto de Halassy.
A virologista da Croácia Beata Halassy. (Ivanka Popić/Reprodução)

Halassy montou uma estratégia em que dois vírus diferentes atacaram o seu tumor: um vírus do sarampo seguido por um vírus da estomatite vesicular (VSV). Ambos já eram conhecidos por infectar o tipo de célula que originou o tumor e já haviam sido usados em testes clínicos de OVT.

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A pesquisadora tinha experiência anterior de trabalho com ambos os vírus, que são bastante estudados e considerados seguros. A cepa de sarampo que ela escolheu é amplamente usada em vacinas infantis; e a cepa de VSV induz, na pior das hipóteses, sintomas leves semelhantes aos da gripe.

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Durante dois meses, um colega de Halassy injetou os materiais preparados pela cientista diretamente em seu tumor. “Os oncologistas de Halassy concordaram em monitorar o progresso do tratamento, principalmente com o objetivo de interromper as injeções e intervir com a terapia convencional em caso de efeitos adversos ou progressão do tumor [o que não ocorreu]”, escreveram os autores do artigo sobre o caso.

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Sem apresentar efeitos colaterais graves, o tumor encolheu e ficou mais macio. Ele também se soltou do músculo e da pele, o que facilitou a remoção cirúrgica.

Depois da cirurgia, ela recebeu um ano de tratamento com trastuzumabe, um medicamento comum para esses casos.

Embora tenha sido comum no passado, a auto experimentação é hoje muito controversa e considerada antiética pela ciência. O artigo que descreve os experimentos e resultados de Halassy foi recusado por mais de uma dúzia de revistas científicas antes de ser publicado na revista Vaccines.

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As revistas se preocupam com a publicação desse tipo de estudo, porque temem que os resultados possam incentivar outras pessoas a rejeitarem o tratamento tradicional e tentarem algo semelhante. Mas o fato dos resultados terem sido aparentemente positivos para uma pessoa não é nem perto do suficiente para atestar a segurança e a eficácia de um tratamento.

Os autores destacam que o trabalho é “isolado e não convencional” e que a automedicação com vírus oncolíticos não deve ser a primeira abordagem para lidar com o câncer diagnosticado. Entretanto, eles esperam que a pesquisa incentive “ensaios clínicos formais para avaliar o OVT como terapia neoadjuvante no câncer inicial.”

Halassy deve continuar pesquisando nesse sentido: depois da publicação dos resultados, ela conseguiu financiamento para investigar a OVT para tratar o câncer em animais domésticos. “O foco do meu laboratório mudou completamente por causa da experiência positiva com meu autotratamento”, disse ela à revista Nature.

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