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Por Alexandre Versignassi
Blog do diretor de redação da SUPER e autor do livro "Crash - Uma Breve História da Economia", finalista do Prêmio Jabuti.
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O final de Twin Peaks – explicado

David Lynch fechou sua série de uma forma tão genial quanto hermética. Aqui, tentamos traduzir o que ele quis dizer.

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Atualizado em 9 abr 2020, 13h31 - Publicado em 5 set 2017, 19h29

Cooper derrota Bob, volta no tempo e impede o assassinato de Laura Palmer. Mas aí Laura some. Evapora. Em seguida, vemos Sarah, a mãe de Laura, destruindo um retrato da filha. Sarah está possuída por Judy, “mãe” de Bob, e, no contexto da série, a representação máxima do mal. O diabo em pessoa, basicamente. A destruição do retrato, então, é um momento-chave para entender o que está acontecendo ali: representa Judy abduzindo Laura, e enviando-a para um mundo paralelo.

Judy quebra o retrato em 2017 ao mesmo tempo em que sequestra Laura em 1989. Mas em Twin Peaks isso faz sentido. Mike, o homem de um braço só, já tinha alertado a audiência: “Is it future? Or is it past?”. Tanto faz. Tudo acontece ao mesmo tempo. Passado, futuro e presente são entidades simultâneas no Black Lodge, e em todos os lugares que fazem parte da “não-existência” no mundo de Twin Peaks.

Bom, quem não assistiu à série e resolveu ler isto aqui já deve estar se sentindo diante de um texto do Menino do Acre. Se esse for o seu caso, saia daqui, por favor, e só volte depois de ter assistido os 18 episódios. Não quero ficar pagando mico.

De volta à programação normal.

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David Bowie, reencarnado na forma de uma chaleira que se comunica por sinais de fumaça (falei para você ir embora…) dá as coordenadas a Cooper sobre como chegar ao mundo paralelo e trazer Laura. Então ele segue para Odessa, no Texas. Trata-se de uma cidade que existe de fato, mas não estamos mais no mundo real aqui. Essa é uma Odessa criada por Judy. Mais do que isso. Não é só que Judy criou o lugar. Judy É o lugar. Tanto que só de respirar o ar de Odessa Cooper adquire alguns traços da personalidade de seu doppelgänger. Se torna um híbrido entre o Cooper gente boa e o Cooper do mal.

No mundo paralelo, Cooper encontra uma Laura igualmente paralela. Trata-se de uma mulher de meia idade, naturalmente, e que passou a vida trabalhando como garçonete. No encontro com Cooper ela diz que não, não se chama Laura Palmer, mas Carrie Page. E que nunca nem ouviu falar da cidade de Twin Peaks. Mesmo assim, ela aceita ir com Cooper. Sua vida em Odessa, afinal, é um inferno (como era a da Laura original, em sua cidade original).

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A dupla, então, chega à casa dos pais de Laura, mas quem abre a porta não é Sarah. É uma uma mulher que nunca ouviu falar da família Palmer. A explicação mais racional aí é que, ao evitar o assassinato de Laura lá atrás, Cooper criou uma linha do tempo alternativa. Nessa timeline, Laura desapareceu em 1989 (levada por Judy para Odessa), e seus pais teriam deixado a cidade há tanto tempo que nem existem mais na memória local.

Mas talvez não seja tão simples. O nome da mulher que atende a porta é Alice Tremond. Cooper pergunta de quem Alice comprou a casa. Ela diz que foi há muito tempo, de uma certa Sra. Chalfont. Na mitologia de Twin Peaks, formada pelas duas temporadas da série original (1990-1991) e pelo filme Os Últimos Dias de Laura Palmer (1993), as senhoras Tremond e Chalfond são a mesma pessoa. E essa pessoa é um espírito (ou seja lá o que for) que aparece no Black Lodge. Com isso, Lynch deixa em aberto: a casa onde a dupla chega pode estar na Twin Peaks real, ou também ser uma criação de Judy. E não é só isso que fica em aberto, claro. Twin Peaks é como A Estrada Perdida ou Mulholland Drive, as obras primas de Lynch: é uma pintura abstrata, aberta a interpretações. Por outro lado, Lynch gosta de lógica. Por baixo das abstrações, geralmente há um caminho racional (ou dois…). 

Bom, depois de darem boa noite para Alice Tremond, Cooper e Laura vão para a calçada. Desnorteado com a aparente não-existência de Sarah Palmer, o agente pergunta: “Em que ano a gente está??”. Laura não responde, porque neste momento ela olha para a janela da casa e lembra a voz da mãe chamando por ela: “Laaaaauraaaa!”. Então ela reage com um grito primal, como se estivesse acordando de um pesadelo. É o sinal de que Laura lembrou de sua identidade.

Sobem os créditos.

E o que a gente tem aí, então? Primeiro um paralelo bem lógico com a série original. Lá, quem matou Laura foi o pai, possuído pelo demônio Bob. Agora, foi a mãe, possuída por Judy – já que enviar Laura para um limbo e largá-la por lá sem memória de sua identidade verdadeira equivale a matar.

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Por que tanto interesse das grandes forças sobrenaturais do Universo numa menina qualquer? Essa resposta veio no oitavo episódio, o da bomba atômica. Ali, Lynch renovou toda a mitologia da série mostrando que Bob “nasceu”  durante o Experimento Trinity, o primeiro teste nuclear da história, em 16 de julho de 1945. A detonação da bomba evoca, de alguma forma, o diabo (que aparece com corpo de mulher, e que depois passamos a conhecer como “Judy”). Judy dá à luz Bob em meio à explosão.

Em seguida, Os agentes sobrenaturais “do bem”, representados pelo Fireman, o gigante, reagem criando um “anti-Bob”: a semente de Laura Palmer, que uma hora acaba na barriga de Sarah (talvez via um daqueles besouros gigantes do episódio 8). Sim, talvez haja algum exagero nessa ideia de pintar Laura como “a prometida”, a “the one”, a Jesus Fucking Christ da parada toda, mas que a coisa deu uma nova dimensão à morte de Laura Palmer, deu. Quando Bob tira a vida de Laura, na série original, o que temos é basicamente o mal triunfando sobre o bem.

Na série atual, Cooper consegue a proeza de salvar a vida de Laura. Mas acaba descobrindo que foi em vão. O mal, agora sob uma forma extraordinariamente mais poderosa que Bob, vence de novo. E é isso. Se você gosta de final feliz, não assista David Lynch. Mas se você gosta de arte, no sentido mais profundo da palavra, siga com o velhinho. Ele sabe o que faz.

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