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Alexandre Versignassi

Por Alexandre Versignassi Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Blog do diretor de redação da SUPER e autor do livro "Crash - Uma Breve História da Economia", finalista do Prêmio Jabuti.

Os bancos vão receber R$ 650 bi. Entenda a necessidade disso, e o perigo

Temos 150 bancos, contra 4,5 mil nos EUA. Quatro deles detêm 70% dos depósitos. E o problema não é só esse.

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Atualizado em 3 abr 2020, 17h57 - Publicado em 2 abr 2020, 19h01

A medida mais famosa para conter a crise da pandemia é aquela de pagar R$ 600 mensais, por três meses, para trabalhadores autônomos – que deve começar nas próximas semanas. Mas ela diz pouco sobre como a crise realmente vai impactar os alicerces da nossa economia.

A ideia ali é que 54 milhões de pessoas recebam essa ajuda de custo. Dá R$ 32,4 bilhões por mês. Não é pouco. O gasto total com o Bolsa Família em 2019 foi de R$ 30 bilhões. Ao fim de três meses, o governo terá gasto R$ 98 bilhões.

De onde vai sair esse dinheiro? De dívida. Se você já sabe como dívida de governo funciona, pule o parágrafo seguinte. Se não, siga comigo.

O governo pega emprestado lançando títulos públicos – aqueles do Tesouro Direto mesmo. Se você tirou seu dinheiro da bolsa e colocou num fundo de renda fixa, está financiando o governo, já que esses fundos não fazem dinheiro por milagre, mas comprando títulos públicos. O que sobra para você é uma parte dos juros que esses títulos vão pagando.

Só que R$ 98 bilhões é dinheiro de pinga. O dinheiro forte está em outra linha: a de ajuda aos bancos. Eles vão receber R$ 650 bilhões na veia, direto do Banco Central.

R$ 98 bilhões é dinheiro de pinga. O dinheiro forte está em outra linha: a de ajuda aos bancos. Eles vão receber R$ 650 bilhões na veia, direto do Banco Central.

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O Banco Central (BC) não é um banco qualquer. Ele é “central” porque tem um poder mágico: só ele pode criar dinheiro do nada. Basta ligar a impressora – ou, de um ponto de vista mais realista, digitar números numa tela e transferir esses números para as contas correntes dos bancos normais. E é isso que o BC vai fazer. A criação desse dinheiro novo foi aprovada nesta quinta (02). É algo inédito no Brasil moderno, aquele que nasceu em 1994, como o Plano Real – mas não no resto do mundo, os EUA e a Europa imprimiram dinheiro a rodo para estimular o sistema bancário na crise de 2008. O nome técnico da coisa é quantitative easing “flexibilização quantitativa”. Mas pode chamar de “dinheiro de graça” mesmo.

Bom, nem tão de graça. As instituições vão dar como garantia carteiras de empréstimos que já têm na mão. Se você comprou um apartamento financiado, o dinheiro que você deve ao banco nos próximos 20 anos é uma “carta de crédito”. Na prática, então, o seu banco vai deixar essa sua dívida, e mais milhares de outras, no colo do BC, como garantia de que pagará o quinhão que receber dos R$ 650 bi.

Para o banco, é um negocião. O dinheiro que ele só iria receber em 20 anos, ele recebe todo agora. Se ele não conseguir pagar lá na frente (os prazos variam de 30 a 359 dias), sem problema: a dívida que você tem para pagar vira problema do Banco Central.

“Mas e se eu perder o meu emprego e não conseguir mais pagar o meu apartamento?”. O Banco Central que se vire, caso ele fique mesmo com a sua dívida. Ou seja: o risco passa para a mão do governo, o controlador do BC.    

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Por essas, o Banco Central só vai aceitar dívidas com “notas altas de classificação” – aquelas que, de acordo com as agências de avaliação de risco apresentam uma chance baixa de calote. Nesse pacote de créditos com nota alta pode estar qualquer coisa – pode ser empréstimo para a compra de imóveis (caso do exemplo que dei), pode ser dinheiro que o banco tem a receber da Petrobras.

A ajuda não fica nisso. Os bancos são obrigados a deixar uma porcentagem do dinheiro que você deposita ali nos cofres do banco central (o restante ele empresta – ou seja, o dinheiro que está na sua conta não fica num “cofre” esperando você ir lá buscar, a maior parte fica rodando pelo mercado).

Antes da pandemia, essa porcentagem estava em 25%. Agora está em 17% (e, se bobear, cai mais). Também existe uma regra chamada “exigência de capital mínimo” para que um banco possa existir – tipo: se ele não tem alguns bilhões estocados (geralmente na forma de títulos públicos), ele não pode operar. O projeto é reduzir essa exigência, de modo que os bancos fiquem livres para emprestar dinheiro dessa “poupança obrigatória”. Tudo de modo que o total de dinheiro liberado chegue a R$ 1,2 trilhão.  

Isso dá 16,7% do PIB. Esse número sozinho não significa grande coisa. Mas ajuda a comparar com ajudas semelhantes que estão rolando para liberar crédito no resto do mundo. Nos EUA, foi até agora um valor equivalente a 10% do PIB deles (US$ 2 tilhões).

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O objetivo é sempre um só: que os bancos usam esse dinheiro extra que receberam para emprestar a juros baixos, seja para comerciantes que deixaram de ter faturamento, seja para pessoas que perderam o trabalho e não têm como pagar as contas.

O problema é combinar com os bancos. Na crise de 2008 não faltaram executivos que embolsaram parte da ajuda na forma de bônus salariais para eles mesmos. Agora, os EUA criaram mecanismos para impedir isso. Esperemos que o Brasil crie também.

Se nos EUA, é difícil, imagina aqui. A de a concorrência entre bancos é exponencialmente maior lá. São 4,5 mil instituições bancárias nos EUA, contra 150 no Brasil, sendo que 70% dos depósitos estão em quatro – Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Caixa.

Sabe quando você pega um empréstimo a, sei lá, 10% ao ano? O banco provavelmente pagou 4% para pegar esse dinheiro emprestado (com outros bancos ou com o BC – eles emprestam-se dinheiro todo dia). Essa diferença é o “spread bancário”. E o Brasil tem o o segundo maior spread do mundo; só perde para Madagascar. A falta de concorrência é o grande motivo para que o Brasil esteja no pódio desse ranking constrangedor.

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Ou seja: nosso sistema bancário não é exatamente o mais funcional do mundo, mas vamos depender dele para que a crise não nos jogue numa grande, gigante, depressão. E é exatamente isso que vai acontecer se o nosso quantitave easing não chegar em quem realmente move a economia: você, leitor.

Se tudo der certo, e chegar, teremos outro problema. A economia estará inundada de dinheiro novo. Isso só é bom quando esse dinheiro bomba a produção (a produção de tudo: minério de ferro, hambúrgueres, cortes de cabelo). Se, pelo motivo que for, tal produção não subir no pós-coronavírus, haverá mais dinheiro em circulação do que ferro, hambúrgueres e cortes de cabelo para serem comprados com esse dinheiro. Nisso, os preços sobem. Inflação.

E o Brasil é o Pelé, o Ayrton Senna, da inflação: somos o único país do mundo que teve a pachorra de manter uma inflação anual de dois dígitos por 40 anos. Foi o que aconteceu entre 1954 e 1994 – em vários desses anos, de três dígitos; em alguns, de quatro.

A sorte está lançada.

 

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