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Copa do Catar pode não ser neutra em carbono, diz relatório

Dados oficiais podem ter subestimado a quantidade de CO2 emitida na construção dos estádios, que seria até oito vezes mais alta, afirma ONG; arena desmontável e usina solar são apontadas como pontos positivos

Por Paula Chidiac e Bruno Garattoni
Atualizado em 14 mar 2024, 11h11 - Publicado em 9 dez 2022, 15h06

Texto Paula Chidiac e Bruno Garattoni

A Copa do Catar foi anunciada com a promessa de ser a primeira neutra em carbono. Isso significa que todo o CO2 emitido por causa do evento é compensado por outros projetos.

Como iniciativas de reflorestamento, que retiram esse gás da atmosfera – e os organizadores da Copa financiam comprando os chamados “créditos de carbono”. Mas essa afirmação pode não ser verdadeira. É o que afirma a ONG europeia Carbon Market Watch, que analisou os números divulgados pelos organizadores – e diz que, na verdade, a Copa não é neutra em CO2. 

A FIFA publicou em seu site uma espécie de promessa climática, estabelecendo o compromisso de reduzir e compensar toda a emissão de carbono atrelada à Copa do Catar. De acordo com os dados oficiais, a Copa vai gerar aproximadamente 3,6 milhões de toneladas de CO2, o equivalente às emissões de 775 mil carros a gasolina durante um ano.

Esse cálculo é baseado nas emissões do próprio país anfitrião, que lidera o indesejável ranking de CO2 per capita. Segundo um levantamento publicado pelo Banco Mundial em 2019, o Catar emite 32,5 toneladas de CO2 para cada habitante – muito acima da média mundial, que é 4,5 (o Brasil gera 2,1).

O Catar gera todo esse carbono por duas razões: consome muita energia (o país tem até um sistema de ar condicionado ao ar livre, para refrescar algumas ruas da capital Doha) e é um grande produtor de gás natural – cuja queima libera CO2.

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E a realização da Copa agrava isso: construir os estádios e demais obras de infraestrutura emite carbono (pois elas usam cimento, cuja produção gera muito CO2). Foram sete estádios, 32 centros de treinamento e dezenas de hotéis, entre outras coisas. Anular todo esse carbono seria muito importante. 

O problema, segundo a Carbon Market Watch, é que a conta está errada, e subestima as emissões geradas pela construção dos estádios. Os números oficiais dizem que essas obras emitiram 0,2 milhão de toneladas de CO2. Mas o dado real pode ser oito vezes maior: 1,6 milhão de toneladas. 

Isso porque teria havido uma “pedalada” contábil: o carbono emitido foi dividido pela vida útil dos estádios (que é de 60 anos), e os organizadores só incluíram a quantidade correspondente a 70 dias – que é mais ou menos a duração total da Copa, considerando as atividades antes e depois do evento em si. 

Também ficaram de fora as futuras emissões de CO2 para manter os estádios em funcionamento. Sendo que talvez eles nem tenham uso – já que no Catar, com seus 2,9 milhões de habitantes, o futebol não é um esporte relevante. (Os organizadores alegam que os estádios poderão receber eventos ou virar hotéis – antes da Copa, o país recebia 2,3 milhões de turistas por ano.) 

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Por tudo isso, a ONG New Weather Institute acusou a FIFA de ser “pega em impedimento” quanto à neutralidade de carbono da Copa, e deu à entidade o prêmio Bad Sports Award – concedido a empresas e entidades que praticam o chamado greenwashing (apresentar como se fosse ecologicamente correta uma coisa que na verdade não é). 

Foto do estádio 974, no Catar.
Estádio 974, no Catar, que foi parcialmente construído com contêineres – e pode ser desmontado. (China News Service / Colaborador/Getty Images)

Como um Lego

Mas não há só críticas ambientais à Copa. O relatório da Carbon Market Watch aponta como acerto o 974 Stadium, palco da goleada de 4 a 1 do Brasil sobre a Coreia do Sul, nas oitavas de final.

O “estádio dos contêineres”, como ficou conhecido, tem estrutura desmontável e foi construído com aço reciclado. O Uruguai, que pleiteia sediar a Copa de 2030, já sinalizou com a possibilidade de remontar o 974 Stadium, por exemplo.

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Outra vantagem em relação aos demais estádios usados no Catar é que o 974 dispensa o uso de ar-condicionado nas arquibancadas, aproveitando a ventilação natural da região portuária. 

Isso não significa que o 974 seja perfeito. A construção dele emitiu 60% mais gases causadores do efeito estufa, se comparado aos demais estádios – já que a reciclagem do aço também produz CO2. O real benefício ambiental do 974 dependerá de quantas vezes, e onde, ele for reaproveitado.

Mandá-lo para muito longe (como o Uruguai, a 13 mil km do Catar) talvez emita CO2 demais – seria mais eficiente criar uma arena do zero. Por enquanto, não há nada de concreto nesse sentido. Também não se sabe qual será o destino dos mais de 200 mil assentos removíveis utilizados nos estádios permanentes.

Os organizadores da Copa também tomaram outras medidas para tentar mitigar o impacto ambiental do evento. A malha integrada de transportes e os 800 novos ônibus elétricos que estão rodando pelo Catar são algumas delas. 

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Mas o grande destaque ficou com a inauguração de Al Kharsaah, a maior fazenda solar do país. Instalada no deserto, ela possui 10 km de extensão e capacidade de 800 megawatts, podendo suprir até 10% da demanda energética do Catar. 

Os estádios também são alimentados pela energia limpa de Al Kharsaah. Eles usam um novo sistema de refrigeração – que, segundo a FIFA, gasta 45% menos energia. Mas a entidade não diz  qual é a base usada para essa comparação.

É preciso lembrar que existe um limite para quão verde um evento dessa magnitude pode ser. Com as tecnologias que existem hoje, não há como fazer uma Copa do Mundo ou Olimpíada sem emitir CO2. 

Para reduzir os danos ambientais, é possível gerar créditos de carbono, um conceito surgido em 1997, com o Protocolo de Kyoto. Um crédito é gerado a cada tonelada de carbono que deixa de ser emitida (ou é retirada da atmosfera através do reflorestamento). Ele pode ser vendido a empresas e países que emitem muito CO2, e querem compensar isso. Esse mecanismo não elimina a necessidade de reduzir as emissões, claro. 

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O Catar se comprometeu a gerar 1,8 milhão de toneladas em créditos de carbono. Para fazer isso, a organização da Copa do Mundo criou sua própria agência de compensação: a Global Carbon Council (GCC). Esse movimento levantou suspeitas em relação à transparência da GCC, já que pode haver um conflito de interesses – afinal, o Catar controla ambas as pontas do processo (a emissão de CO2 e sua compensação por meio de créditos).

Mesmo apontando inconsistências, a Carbon Market Watch admite que o país tem feito esforços ambientais importantes. Exemplos disso são projetos para converter a maior parte da frota de carros em elétricos, até 2030, e a criação do ecodistrito de Msheireb, com ampla utilização de painéis solares nos telhados das construções e o plantio de milhões de árvores.

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