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Você gosta do seu cérebro? Agradeça às suas pernas

Comparação de pegadas de hominídeos de 3,6 milhões de anos às de seres humanos atuais revela que eles já andavam eretos, em duas patas. E sem isso, talvez seu cérebro não tivesse se tornado o que é hoje.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 3 Maio 2018, 12h18 - Publicado em 3 Maio 2018, 12h15

Há uns 6 milhões de anos, um macaquinho esperto chamado Sahelanthropus desceu das árvores e tentou ganhar a vida no chão da savana. Tudo bem, “esperto” é bondade. O cérebro dele ainda tinha um quinto do tamanho do nosso. Mas não interessa: deu certo. Esse pequeno passo para um primata não foi qualquer grande passo para a humanidade. Foi o mais importante da bifurcação que daria origem, em um dos ramos da árvore da vida, ao ser humano – e no outro, a nossos parentes mais próximos, os chimpanzés e bonobos.

A transição foi lenta, é claro. Por muitos milhões de anos, fazer de tudo um pouco (mas nada direito) foi a tática ideal. Ser capaz tanto de se pendurar em galhos quanto de caminhar no solo era útil na África. Com o tempo, porém, a balança pendeu para a postura ereta. Hoje, nós andamos usando duas patas, de fato, nós andamos usando duas patas. Subir em árvores se tornou apenas um hábito natureba para quem está com as pernas em dia.

Mãos vazias são um ótimo laboratório para a seleção natural. Quando você não precisa passar o dia de quatro, você pode usá-las para manipular objetos. Manipular objetos exige inteligência, e inteligência exige neurônios. O cérebro tamanho pocket logo sentiu a pressão para se tornar um cabeção. Além disso, andar nos tornou viajantes profissionais, e esse desejo de conhecer o mundo que você tem hoje é tão parte da arquitetura do seu cérebro quanto sentir fome ou fazer bebês. Em resumo: o hábito de caminhar com a coluna ereta foi o gatilho de muitas características que te definem como humano.

Contar a história dos nossos primeiros rolês no chão, portanto, é essencial para entender o que somos. Pena que é tão difícil. Mesmo que um hominídeo ou pegada de alguns milhões de anos tenha acabado nas condições certas para se tornar um fóssil após a morte – o que por si só já é um processo raro –, ele ainda precisa ser encontrado por arqueólogos, o que é mais raro ainda. Em 1978, a dobradinha de raridades aconteceu: encontraram 27 metros de pegadas de Australopithecus afarensis no sítio arqueológico de Laetoli, na Tanzânia, preservadas em cinza vulcânica.

O Australopithecus viveu há algo entre 3 e 4 milhões de anos e já era bem mais parecido conosco do que o Sahelanthropus mencionado lá no começo do texto. Lucy – talvez o esqueleto mais famoso do mundo – pertencia a essa espécie. As pegadas da Tanzânia têm 3,6 milhões de anos, isto é, estão exatamente no meio da janela temporal em que nosso avô amacacado foi o primata mais próspero da África. Mas elas tem outra característica notável: são muito, muito parecidas com as nossas. Se você tirar o sapato e caminhar em cinza vulcânica quente (ou cimento fresco), chegará a um resultado muito próximo.

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Um estudo apresentado na última semana de abril em uma conferência de biologia em São Diego, nos EUA, reforça essa semelhança. De acordo com o Washington Post, David Raichlen, antropólogo da Universidade do Arizona, levou voluntários humanos para o laboratório e fez eles caminharem de duas formas. Primeiro, de pé; depois, agachados, com quadris e joelhos dobrados (como um chimpanzé). Depois, comparou as pegadas contemporâneas com as pré-históricas. Não deu outra: as duas não só eram muito parecidas na aparência como são consequência de jeitos de pisar muito parecidos – de pernas, quadris e coluna vertebral articulados com uma mecânica muito similar à nossa. As conclusões logo deverão ser publicadas em um artigo científico.

“Andar é muito importante. Andar deixou o cenário pronto para tudo que veio depois”, afirmou ao jornal americano Carol Ward, professora de anatomia da Universidade do Missouri que também participou do simpósio. “Se você pudesse usar uma máquina do tempo para ver Lucy caminhar, à  distância ela se pareceria muito com um ser humano.” Agora nós sabemos, com mais certeza do que nunca, que há 3,6 milhões de anos nossos antepassados já haviam “optado” por andar como nós andamos hoje. Isso é muito antigo – o Homo sapiens existe há apenas 200 mil anos, uma fração desse tempo. Agradeça: se não fosse essa adaptação providencial, talvez não existisse civilização.

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