… A Amazônia fosse território americano?
Nas mãos dos Estados Unidos, a floresta provavelmente seria gerida como reserva estratégica de recursos naturais para o futuro
Evanildo da Silveira
Se tomássemos como exemplo a conquista do Oeste americano, a Amazônia seria hoje uma região de tribos dizimadas, que teriam dado lugar, primeiro, a fazendas de gado e estradas de ferro e, depois, a grandes cidades. Isso sem falar numa indústria cinematográfica gigante e centenas de filmes justamente sobre essa ocupação. Que cenário de pesadelo, hein?! Mas é muito pouco provável que – à exceção do extermínio dos povos indígenas – essa história se repetisse. Ninguém duvida que a floresta tropical é um obstáculo bem mais difícil de vencer do que as pradarias do Velho Oeste.
Ocupar o Noroeste brasileiro nunca foi tarefa fácil. “Fatores como tribos isoladas, o clima equatorial de calor sufocante e chuva torrencial, o solo pobre para a agricultura e a densidade da mata impediriam a exploração e a fixação dos americanos na floresta”, diz o geógrafo Messias Modesto dos Passos, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Presidente Prudente. “Já houve tentativas anteriores de exploração mais intensa na Amazônia, mas todas elas fracassaram. A Capemi, por exemplo, aquela empresa de pecúlio dos militares que foi à falência, quis montar uma serraria nos mesmos moldes das que existem na Indonésia, mas teve que desistir devido às chuvas.”
Assim, fica mais difícil imaginar a maior floresta do mundo devastada por metrópoles, indústrias, aeroportos e rodovias. O mais provável é que a exploração da região não fosse muito diferente da que é feita hoje pelos países amazônicos: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Os historiadores lembram que, em séculos passados, exploradores internacionais estiveram na região e, na volta a seus países de origem, relataram as condições adversas da floresta que os próprios conquistadores espanhóis chamavam de “inferno verde”. Isso, com certeza, levou muitos eventuais interessados a desistir de uma ocupação mais intensa.
Não que o resto do planeta tenha perdido interesse nos tesouros amazônicos, muito pelo contrário. “Nas mãos dos americanos, a selva provavelmente seria gerida como reserva estratégica de recursos naturais para o futuro”, afirma o engenheiro agrônomo Eron Bezerra, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). “Não podemos esquecer que é na Amazônia que estão as maiores reservas mundiais de ferro, de nióbio (metal cada vez mais usado nas ligas de aço e na indústria eletrônica) e de mata virgem, mais 20% de toda a água doce do planeta e seu conseqüente potencial energético. Sem falar na sua imensa biodiversidade, onde pode estar repousando a solução farmacológica para inúmeros males aos quais a humanidade está submetida. A região seria mais um dos instrumentos de que os Estados Unidos disporiam para manter sua posição de hegemonia no planeta”, diz Eron.
Outro cenário possível seria a exploração econômica concentrada em pontos isolados – em especial, áreas ricas em minério, petróleo e gás natural. “Nesses locais, seria montada toda uma infra-estrutura com estradas, ferrovias, portos e cidades, como, aliás, já vem acontecendo ao longo dos tempos”, afirma o geógrafo Messias. “Construídos por americanos, esses pontos de exploração seriam maiores e mais avançados tecnologicamente, mas não o suficiente para mudar a fisionomia da região. Talvez o inglês fosse a língua oficial e o dólar, a moeda corrente. Mas nada impediria que o espanhol e o português predominassem em algumas regiões, nem que as moedas desses países também valessem.”
Tudo indica, porém, que – com um manancial tão rico de recursos naturais em jogo – a floresta receberia do governo americano uma proteção muito mais intensa contra exploradores predatórios, sejam as madeireiras seja a biopirataria. “É lógico que isso aconteceria, inclusive com a presença maciça de forças militares”, diz Messias. Aí está, enfim, o supremo pesadelo: a hipótese de que nosso maior tesouro seria melhor preservado por estrangeiros bem mais ricos e armados até os dentes. Socorro!
* Jornalista especializado em ciência