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A nova arte de aprender

Aulas que começam às 11 h e duram 15 minutos, provas toda semana e o retorno da alfabetização fonética. A ciência está revolucionando o que se sabe sobre como aprendemos. Agora essas descobertas chegam à sala de aula

Por Pedro Burgos
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 31 ago 2007, 22h00

Pergunte a seus pais como eram as aulas na escola deles. Tirando os castigos e o fato de educação sexual ou ecologia não figurar nos livros, as coisas não eram lá muito diferentes de hoje. Professor na frente da turma, escrevendo a matéria no quadro e explicando o con­teúdo, alunos anotando tudo para serem testados em provas, semanas depois. Há décadas o modelo é o mesmo.

O problema é que, do tempo da escola dos nossos pais até hoje, a ciência descobriu muita coisa sobre o caminho que a informação faz quando sai do quadro-negro, livro ou computador, passa pelos olhos e ouvidos e se transforma em memória. Há 10 anos, pedagogos e psicólogos tinham o monopólio das teorias sobre o assunto. Mais recentemente, cientistas de outras áreas resolveram estudar o chamado sistema cognitivo. “Quanto mais aprendemos sobre como nosso cérebro processa e armazena novas informações, mais des­­­­cobrimos que nosso sistema educacional está errado”, diz Jamshed Bharucha, doutor em psicologia cognitiva pela Universidade Harvard, dos EUA. As pesquisas têm derrubado mitos, apontado métodos mais eficazes e comprovado o que psicólogos, filósofos e pedagogos já falam há décadas: uma sala de aula deve ser mais do que esta que está aí.

Não que os cientistas tenham descoberto fórmulas mágicas de ensino. Na verdade, grande parte do que se fala sobre o cérebro e a educação é bobagem (conheça os 6 “neuromitos” ao longo desta matéria). “Há um buraco entre o estado atual da neurociência e sua aplicação direta na sala de aula. Mesmo assim, os professores têm acesso a vários programas de ensino baseados no cérebro”, afirma Usha Goswami, diretor do Centro para Neurociência na Educação da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, num artigo na revista Nature de junho. “Alguns desses pacotes têm quantidades alarmantes de informações erradas.”

Mas há descobertas quentes envolvendo a aprendizagem como uma atividade de todo o corpo. “Quan­do um professor en­tende o cérebro, conclui que ele precisa de nutrientes, e o aluno precisa estar bem alimentado; que uma sala pouco ventilada diminui a atenção e que a memória depende do sono”, diz Leonor Guerra, pesquisadora de neurociência da UFMG. “Estudos nessa direção estão baseando as mudanças na maneira de educar.”

Menos horários

Primeira mudança: as aulas dos adolescentes devem começar mais tarde, lá pelas 11 horas. Para a Fundação Americana do Sono, dos EUA, o hábito dos adolescentes de matar a 1ª aula, chegar atrasado na 2ª e tirar um cochilo na 3ª não é pura vagabundice da idade. Nem é porque os jovens fumam maconha demais. Mas é fruto dos hormônios da adolescência, que pedem pelo menos 9 horas de sono por dia e fazem a atenção dos jovens só atingir o pico às 11 horas.

A escola deveria se adaptar a esse metabolismo diferente. Uma pesquisa da fundação mostrou que 60% dos adolescentes têm sono de manhã – bem mais que as crianças. Ou seja: o horário segue uma lógica inversa. As crianças, que geralmente acordam cedo, costumam estudar à tarde, e quando viram adolescentes precisam responder chamada às 7h15.

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O problema é que implementar uma mudança no horário alteraria toda a rotina e os horários da família. Mas escolas americanas que transferiram o início das aulas das 7h15 para as 8h40 tiveram alunos mais atentos. Na região da Nova Inglaterra (EUA), a mudança foi a­com­panhada por cientistas e documentada. As pesquisas mostraram que a média das notas aumentou (ainda que timidamente), as faltas caíram e os alunos passaram a ter menos sono.

Outra pesquisa sobre o sono e seu impacto sugere uma mudança mais radical: instituir a sesta depois de uma aula puxada. Um estudo da Universidade Harvard mostrou que, ao passar por aulas que exigiam muita atenção, os alunos lembravam-se mais do conteúdo quando tiravam uma sonequinha de 30 a 50 minutos.

Mais provas

Além do horário de início da aula, há uma outra convenção sem base científica: aulas que duram 50 minutos. “É muito tempo para o cérebro de uma criança. Nos 10 primeiros minutos de aula a atenção do aluno é boa. Se a informação for importante, ele segura a atenção; de outra forma, dispersa”, diz Leonor Guerra, da UFMG. “É importante dividir esse tempo em atividades diferentes.”

Para saber o tanto que os alunos prestam atenção na aula, uma escola perto de Newcastle, na Inglaterra, virou um verdadeiro laboratório de aprendizagem. A diretoria decidiu testar o mesmo conteúdo em turmas diferentes com métodos completamente distintos. Em uma delas, a matéria do dia seria formatada em seções de 8 minutos. Depois disso, uma pausa de 10 minutos, com brincadeiras que não tinham nada a ver com a disciplina. Mais 8 minutos do mesmo conteúdo. Pausa de 10 minutos, outra revisão. A retenção do conteúdo foi muito maior que a partir do método comum, mostrando que no começo da aula a criançada presta atenção se o conteúdo for interessante. E, se houver pausas, melhor ainda.

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Outro problema da educação convencional é a semana de provas. Você se acha meio devagar por ter estudado para um monte de matérias e dali a 6 meses não lembrar de mais nada? Calma, há uma explicação científica. Segundo Bharucha, de Harvard, quando há muitas provas de diferentes matérias em pouco tempo, a chance de o aluno reter as informações é muito menor do que se a avaliação fosse dispersa no tempo. “Uma escola ideal tende a ter avaliação baseada na matéria estudada, e não no tempo que o aluno assiste às aulas”, diz Fredric Litto, professor da Escola do Futuro da USP , núcleo que pesquisa novas formas de educação. “Assim, um curso pode durar 3 horas, 3 dias ou 3 semanas, e não necessariamente 3 meses.”

Menos diferença

Na última década, virou bandeira da educação no Brasil a inclusão de alunos com necessidades especiais nas escolas comuns e o fechamento de instituições só para cegos, surdos ou autistas. A idéia por trás dessa política é fazer as crianças conviver com as diferentes e respeitá-las desde cedo. A teoria é bonita, mas encontra restrições entre alguns cientistas.

Um estudo da USP avaliou 7500 alunos surdos congênitos (que raciocinam em libras, a linguagem dos sinais) e deficientes auditivos (que raciocinam em português) de 15 estados brasileiros. A con­clusão é que a escola especial para surdos, que ensina em libras, produz melhor compreensão de leitura que a escola comum traz para surdos. Na Inglaterra, segundo a Associação Nacional dos Autistas (NAS, em inglês), 2 em cada 5 alunos com esse problema são vítimas de bullying nas escolas comuns (agressões psicológicas e até físicas de outras crianças), o dobro da taxa dos outros alunos. “Nós agora temos mais capacidade de rea­lizar uma educação mais personalizada e inclusiva, na medida em que entendemos quais as causas de dificuldades dos estudantes”, afirma Koji Myiamoto, autor de Understanding the Brain: The Birth of a Learning Science (“Entendendo o Cérebro: O Nascimento de uma Ciência do Aprendizado”, sem edição brasileira).

Se antes um aluno que não se saía bem era tachado de fraco e tinha como receita “se esforçar mais”, hoje já se conhece a origem de problemas que dificultam o aprendizado e os meios de combatê-los. Testes mais precisos conseguem detectar bem cedo problemas como dislexia, déficit de atenção, hiperatividade ou acalculia (dificuldade com números). O teste mais comum é a ressonância magnética funcional (RMF). Eletrodos colados com esparadrapo na cabeça do paciente identificam as áreas do cérebro que se ativam com um estímulo exterior. Assim, percebem se há regiões menos desenvolvidas ou se a informação está sendo processada em outra região.

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O cérebro de pessoas com essas dificuldades processa as informações de maneira um pouco diferente. No caso dos disléxicos, há uma anomalia no hemisfério esquerdo do cérebro que, na prática, torna difícil para a pessoa atribuir corretamente o som a um símbolo gráfico. Em outras palavras, durante a alfabetização, quem tem dislexia pode ler uma letra e não saber como pronunciá-la. Alunos com essa dificuldade precisam de atenção especial, planos de aula distintos e mais tempo para aprender.

A educacão personalizada tem se mostrado eficaz até quando as crianças são educadas em casa. Nos EUA, geralmente por causa da religião da família, já há 2 milhões de crianças estudando com os pais ou com o apoio dos pais ou de professores particulares – coisa que não é reconhecida por lei no Brasil. Nos testes públicos de avaliação de desempenho, as crianças com educação doméstica têm notas 30 a 37% melhores que seus colegas das escolas públicas e privadas. “Mas não se deve subestimar o papel crucial da interação social em todos os modos de aprendizado”, afirmam os autores do livro Understanding the Brain.

Mais sílabas

Outra forte linha da pedagogia que hoje se questiona é o construtivismo. Segundo essa teoria, que tem o francês Jean Piaget como principal nome, a pessoa aprende de verdade não por meio da memorização de conteúdos fornecidos pelo professor, mas quando ela própria constrói o conhecimento, por atividades como gincanas ou caças ao tesouro. Legal, não?

Aplicado à alfabetização, o construtivismo rejeita livros didáticos. Nada de aprender sílabas usando frases como “I-vo viu a u-va”. Na versão brasileira da alfabetização construtivista, a criança vai tendo contato com palavras e imagens, tentando associar a palavra inteira ao contexto. Esse método é o contrário do fonético, onde o caminho é aprender o código: primeiro o som das letras, depois das sílabas e como elas formam palavras, que ganham sentido na frase.

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O Brasil é dos únicos países no mundo a adotar a alfabetização construtivista. Para os críticos desse método, ela tem ajudado a produzir altos índices de analfabetismo funcional – quando a pessoa sabe ler, mas não consegue interpretar o texto. “Ninguém aprende a ler e a escrever se não aprender relações entre fonemas”, afirma Magda Soares, professora de educação da UFMG. Some-se a isso o fato de o Ministério da Educação ter dado como diretriz evitar a repetência de ano e o que se vê é que, das 27000 escolas públicas de 1ª a 4ª séries avaliadas pelo último Prova Brasil, só 166 têm média comparável à dos países desenvolvidos. “Na verdade, a política de não repetir os alunos disfarça o fracasso do monopólio da pseudoalfabetização construtivista que dominou o Brasil nos últimos 25 anos”, dispara Fernando Capovilla, professor do Instituto de Psicologia da USP.

Se a ciência ainda não tem fórmulas mágicas para transformar todas as crianças em gênios, aos poucos vai facilitando a vida dos alunos. E não há motivo para desencorajar essas pequisas. Afinal, se sabemos que a educação está longe de cumprir o que promete, por que não tentar diferente?

 

Mitos sobre o cérebro

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1. Aluno visual, auditivo ou sinestésico

Um mito corrente é que existem alunos que aprendem mais por algum sentido (visão, audição ou tato), em detrimento de outros. Na verdade, usamos todos os sentidos durante a aprendizagem, e o mais efetivo depende fundamentalmente do que é ensinado.

2. Usamos só 10% do nosso cérebro

A frase deve ter vindo de Einstein, que disse só usar uma pequena fração da sua incrível cabeça. Como tudo é ligado no cérebro e nunca fazemos uma atividade isolada, sempre usamos perto de 100% dele.

3. Lado direito e lado esquerdo

O lado direito do cérebro coordena a linguagem; já o direito coordena a percepção de emoções. Mas todas passam pelos dois hemisférios, que trabalham em conjunto. Não há base científica para desenvolver um lado específico nem indícios de que tal prática seja benéfica.

4. É preciso aprender línguas bem cedo.

Já ouviu aquela história de que algumas coisas só se aprendem até os 12 anos? Na verdade, o cérebro está sempre se modificando. É verdade que a infância é favorável para a aprendizagem da gramática de uma nova língua, mas os adultos armazenam um vocabulário mais rico.

5. Crianças não aprendem duas línguas ao mesmo tempo

Há espaço no cérebro para o aprendizado de dois idiomas simultaneamente – e isso só faz bem. Na Alemanha, um estudo com crianças turcas aprendendo o alemão mostrou que elas melhoravam na escrita das duas línguas.

6. O mito da Ginástica cerebral

Videogames que garantem melhorar a memória ou exercícios físicos que prometem maior atenção dos alunos ao massagearem regiões específicas do corpo são a extrapolação de algumas pesquisas, mas nada muito confiável. Sabe-se apenas que a atividade física melhora o metabolismo do corpo, inclusive do cérebro, mas não se sabe exatamente em qual medida.

 

 

A ciência diz que…

A. Os adolescentes acordam mais tarde que as crianças. Estar desperto ajuda muito no aprendizado.

B. Aprender é um processo fisiológico e envolve o bom funcionamento de todo o organismo.

C. A atenção da criança dificilmente se mantém por mais que os primeiros 10 minutos da aula.

D. Muitas avaliações sobre muito conteúdo num curto espaço do tempo dificultam a memorização.

E. Emoção e cognição não caminham separadas.

…E propõe uma escola assim:

A. As aulas devem começar mais tarde, especialmente no ensino médio.

B. A escola precisa ter exercício físico, boa ventilação, boa alimentação e fazer exames de vista nos alunos.

C. Aulas mais curtas que os tradicionais 50 minutos, com pausas e exercícios diferentes, para ajudar a memorização.

D. Uma semana de provas faz mal ao aprendizado de longo prazo. É melhor espalhar avaliações ao longo do tempo.

E. A sala de aula precisa ser um ambiente agradável e o aprendizado, não hostil. Os professores devem propor desafios em vez de ameaças.

 

Para saber mais

Understanding the Brain

Koji Myiamoto, OECD, França, 2007.

https://www.educ.cam.ac.uk/neuroscience

Centro para Neurociência na Educação da Universidade de Cambridge.

 

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