Ouviríamos o ribombar do trovão antes de ver o relampejar do raio. Mas as conseqüências não parariam aí. Num universo onde a velocidade da luz no vácuo, que é de 300 000 quilômetros por segundo, se reduzisse a menos de 1 200 quilômetros por hora (que é a velocidade do som), tudo seria diferente. “As leis da Física teriam de ser outras, pois as atuais estabelecem que a velocidade da luz é um limite máximo e ponto final”, diz o físico Gilvan Augusto Alves, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro. “Nenhum corpo ou partícula pode atingir velocidades superiores à da luz, segundo a Teoria da Relatividade Restrita, de Albert Einstein. Como o som não é nada mais que a propagação de uma onda de choque pelas moléculas do ar, este não pode correr mais rápido que a luz.”
De acordo com Gilvan, que também trabalha no laboratório de física de partículas Fermilab, nos Estados Unidos, uma velocidade da luz menor do que a do som acarretaria vários paradoxos – como o efeito vir antes da causa (trovão-raio). Para ele, é um mundo inimaginável. Mas Gilvan tem uma hipótese um pouco mais realista: “Podemos pensar num universo no qual a velocidade da luz seja um pouco superior à do som, digamos, de 1 250 quilômetros por hora”, diz. “Nesse caso, as leis da Física continuariam valendo. Só que um avião supersônico não poderia existir, porque, ao se aproximar da velocidade do som (e, conseqüentemente, da da luz), sua massa cresceria de tal forma que seria necessária uma imensa quantidade de combustível para mantê-lo no ar – Einstein afirmava que a massa dos objetos aumenta na medida em que se aproximam da velocidade da luz.”
Vôos espaciais seriam impossíveis também – estaríamos condenados a ficar confinados aqui mesmo na Terra. Satélites artificiais tampouco poderiam existir, pois sua colocação em órbita exigiria velocidades superiores à da luz. E nosso próprio planeta teria que girar mais devagar, já que sua velocidade de translação é maior que a do som.
Mas a impossibilidade das viagens espaciais e a velocidade do planeta, nesse universo, seriam os menores de nossos problemas. Num mundo em que a velocidade da luz fosse tão baixa, a Terra vagaria nas trevas, pois a estrela que nos ilumina, o Sol, teria grandes chances de ser um buraco negro. Aliás, o universo inteiro seria pontilhado por buracos negros, em vez de estrelas brilhantes. “A luz, mais lenta, não conseguiria escapar da imensa gravidade estelar”, explica o físico Wilson Ortiz, do Departamento de Física da Universidade Federal de São Carlos. A Terra viraria uma grande bola de gelo, totalmente inóspita para a vida humana.
Se, mesmo assim, os animais e as plantas dessem um jeito de surgir nesse planeta gelado, e se os mecanismos da evolução permitissem, de alguma forma, que a humanidade aparecesse, teríamos grandes problemas de comunicações, já que tudo fluiria mais lentamente. É que as ondas eletromagnéticas de rádio correm na velocidade da luz e seriam muito mais lerdas nesse mundo hipotético. Coisas como a internet se tornariam inviáveis, em conseqüência da demora na troca das informações – e você já acha ruim quando um arquivo leva 15 minutos para baixar no mundo real… “Falar com alguém no Japão, a 20 000 quilômetros daqui, com o sinal da voz se propagando a 1 250 quilômetros por hora, seria quase impossível”, diz Gilvan. “Um alô levaria umas 18 horas para chegar lá e passariam outras 18 antes que você pudesse ouvir uma resposta.”
Por conta dessa vagareza toda, nossa percepção subjetiva do tempo seria bem diferente da que temos na vida real. A própria vida se passaria em câmera lenta aos nossos olhos. “Além disso, teríamos que nos acostumar com coisas bizarras, como ecos de imagens em uma sala (do mesmo modo que há ecos sonoros na realidade), e ainda reverberações e microfonias da luz”, diz Wilson. Coisas tão estranhas que quase não conseguimos imaginar.