Ancestral do Homo sapiens quase foi extinto há 900 mil anos, sugere estudo
Um evento ainda desconhecido teria reduzido uma população de 100 mil hominídeos para apenas 1,2 mil. Entenda.
Ao longo dos 3,6 bilhões de anos desde o surgimento da vida na Terra, o planeta passou por cinco grandes extinções em massa (possivelmente, estamos agora na sexta). Há um sem-fim de espécies, então, que já não estão mais aqui para contar história. E, por pouco, nós não nos juntamos a esse clube.
É o que sugere um novo estudo, publicado na última semana na revista Science. Em uma análise genética, pesquisadores da Academia Chinesa de Ciências sugerem que um evento de gargalo, ocorrido há mais ou menos 900 mil anos, quase levou os ancestrais do Homo sapiens à completa extinção.
Um efeito gargalo acontece quando algum fator reduz drasticamente o tamanho de uma população. Podem rolar por causas naturais, como terremotos, secas e outros tipos de desastres – mas também podem graças ao próprio homem, como nos vários episódios da caça indiscriminada de animais durante os últimos séculos.
Esse tipo de evento pode levar a algo conhecido como deriva genética. Ao contrário da seleção natural, em que as características do indivíduo que são selecionadas são aquelas que melhor se adaptam ao ambiente, na deriva genética os genes são passados para a geração seguinte de forma completamente aleatória. Isso, aliado a um pequeno número de indivíduos, resulta em populações com baixa variabilidade genética.
Mas o que tudo isso tem a ver com o ser humano quase não ter existido? Segundo os pesquisadores, o ancestral da nossa espécie passou por algum evento do tipo, o que reduziu a sua população a um número bem baixo. De acordo com Wangjie Hu, um dos líderes do estudo, a pesquisa indicou que algum fator, como talvez mudanças ambientais, levou à extinção de aproximadamente 98.7% dos ancestrais humanos. Segundo seus cálculos, de um total de mais ou menos 100 mil hominídeos, todo o futuro de nossa espécie ficou nos ombros de 1.280 indivíduos.
O evento que pode ter levado a esse cenário ainda é desconhecido. Entretanto, o Pleistoceno, época em que o possível ancestral humano viveu, foi, digamos, turbulento, com uma glaciação que atingiu todo o globo. Esse mesmo período coincide com o aparecimento do ancestral comum das três principais espécies de hominídeos: os nossos primos neandertais e denisovanos – e o próprio Homo sapiens.
Os resultados do estudo foram possíveis graças a uma nova ferramenta estatística chamada FitCoal, que analisou 3.154 amostras de DNA de 50 populações humanas. A ferramenta montou uma árvore filogenética e rastreou as mutações de cada uma delas, de forma a estimar os seus tamanhos ao longo da história.
Os dados indicam ainda que os nossos ancestrais, mesmo em pequena quantidade, conseguiram sobreviver por um longo período de tempo. Eles seguraram as pontas por mais ou menos 117 mil anos, até finalmente conseguirem se recuperar. É nesse período que os autores acreditam ter surgido o ancestral comum de nossa espécie. Isso corrobora com alguns estudos que indicam que esse ancestral teria vivido entre 500 e 700 mil anos atrás.
Para os autores do estudo, além das descobertas indicarem que o gargalo levou a população humana ancestral à beira da extinção, as consequências disso podem ser observadas na diversidade genética humana atual. Mesmo com 8 bilhões de habitantes na Terra, a nossa variabilidade genética é baixa, e essa pode ser uma das respostas.
Apesar dos resultados, outros especialistas que não participaram do estudo são mais cautelosos. Isso porque as populações costumam ser maiores do que os números levados em consideração nessas análises.
Para o geneticista da Universidade de Wisconsin-Madison, Aaron Ragsdale, mesmo com a dificuldade de se estudar genes e fósseis de períodos tão antigos, é necessário replicar os resultados obtidos por meio de outros métodos. “Acho que é um pouco exagerado concluir a partir desses resultados que as populações ancestrais humanas estavam à beira da extinção”, disse ao site do Smithsonian Magazine.
Em estudos de populações humanas como essa, a análise genética precisa ser realizada juntamente com outras evidências arqueológicas e fósseis. Uma pesquisa em sítios humanos antigos na África e Eurásia que datam desse período podem ajudar a corroborar a teoria desse suposto gargalo populacional.