Arqueólogos descobrem fumantes de séculos atrás, tudo por causa de seus ossos
Usando técnicas metabolômicas, cientistas observaram que o tabagismo na Era Vitoriana londrina era quatro vezes mais comum do que hoje em dia
O século 18 da Inglaterra foi marcado por muitos momentos históricos, desde o início da revolução industrial e a perda das terras nos Estados Unidos até, aparentemente, o aumento bizarro no número de fumantes. O problema é que, para arqueólogos, rastrear os traços de tabaco é extremamente difícil, o que cria lacunas de conhecimento sobre o comportamento da sociedade da época. Agora, um novo estudo desenvolveu uma estratégia promissora para detectar os rastros do fumo.
De acordo com documentos de 1700, para a quantidade de cachimbos que os britânicos fumavam na época, eram necessárias importações colossais de tabaco vindos das Américas. Aproximadamente 17 milhões de quilos – pense assim, era tanto tabaco que dava para o país inteiro fumar um cachimbo por dia. Porém, mesmo assim, pouco se entende sobre como esse hábito afetou a vida dos ingleses.
Dificilmente um charuto é encontrado nos túmulos e mais difícil ainda é encontrar vestígios de câncer de pulmão em esqueletos. Com a pesquisa, foi possível descobrir os restos químicos que fumar deixou nos ossos de finados que viveram na Era Vitoriana de Londres, que conseguiram revelar novas informações sobre a sociedade da Inglaterra no século 18: as mulheres também se amarravam em um cachimbo.
Para os pesquisadores, definir que alguém era fumante baseado em seus ossos poderia ser uma experiência 8 ou 80. Por exemplo, os cachimbos mais acessíveis da Era Vitoriana eram feitos com produtos baratos, produzidos industrialmente com algum tipo de barro, que deixava um buraco no sorriso de quem usava, bem onde a haste escondia-se nos dentes. Um dente escurecido também era sinal de que aquele esqueleto pertenceu a alguma esquadrilha da fumaça.
Mas, ao mesmo tempo, no caso de pessoas mais ricas, era menos provável que o cachimbo deixasse algum buraco, pois conseguiam comprar os objetos de melhor qualidade do mercado. Outro problema é que nem todo esqueleto tinha dentes e nem todo inglês fumava tabaco com cachimbos. Logo, não é qualquer arcada dentária que pode ser usada como base para a identificação dos fumantes.
Os cientistas, então, analisaram os ossos de pessoas que morreram entre 1700 e 1855, e buscaram por metabólitos, moléculas deixadas após a metabolização do tabaco no organismo dos indivíduos, e assim, conseguiram identificar centenas de fumantes da época.
Essas moléculas funcionam como um marcador biológico – componentes celulares, estruturais e bioquímicos, que podem determinar alterações celulares e moleculares.
A metabolômica, campo de estudo que investiga justamente esses “restos”de metabolização, já é observada na medicina moderna, para identificar o uso de substâncias por um paciente, mas com um porém: usa sangue, urina ou saliva. “Mapear mudanças metabólicas em pessoas mortas há muito tempo é um desafio porque geralmente resta apenas osso”, disse Sarah Inskip, uma das autoras do estudo, para a Science.
Inskip e outros colegas, ao analisarem esqueletos de cemitérios de Londres e Lincolnshire, perceberam que mais da metade ossos testados de pessoas da sociedade vitoriana continham traços de uso de tabaco, e em uma quantidade quatro vezes mais alta do que o consumo atual do Reino Unido.
A publicação também desafiou a percepção comum de que o tabagismo era predominantemente uma atividade masculina durante a Era Vitoriana. Segundo a pesquisadora Davies-Barrett, “encontramos uma taxa significativa de mulheres fumando, atravessando todas as classes sociais”, o que contrasta com a maioria das fontes históricas, geralmente escritas por homens, que viam o ato de fumar como inadequado para mulheres.
Pois é, por mais que a imagem de Sherlock Holmes com um charuto na boca seja uma associação automática neste assunto, é bem provável que ele pedisse também um fósforo para suas amigas e não só para o Watson.
Além disso, a pesquisa indica que jovens da época também eram usuários de tabaco, com marcas em dentes de adolescentes sugerindo um hábito de fumar que começava cedo.
Utilizando técnicas metabolômicas inovadoras em amostras ósseas, os pesquisadores acreditam que essa abordagem pode não apenas iluminar comportamentos históricos como o uso de tabaco, mas também ajudar na identificação de doenças como a tuberculose. “O potencial é incrível; poderíamos aplicar isso a diversas condições do passado,” afirma Inskip. Essa metodologia também pode beneficiar investigações forenses atuais, oferecendo pistas valiosas sobre os restos de fumantes desconhecidos.
O estudo foi publicado na Science Advances.