Assine SUPER por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Buscas pelo mistério da matéria escura em Betelgeuse não encontram respostas

Acreditava-se que uma estrela prestes a morrer, como é o caso da nossa vizinha Betelgeuse, pudesse emitir altas quantidades de áxions, partículas fantasmas que podem explicar a tal da matéria escura. Mas cientistas procuraram por elas – e não encontraram.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 28 jan 2021, 10h29 - Publicado em 27 jan 2021, 19h11

Massa e energia são faces da mesma moeda. Duas manifestações de uma mesma coisa, por assim dizer. A famosa equação e = mc2 diz exatamente isso: a quantidade de energia contida em um objeto equivale à sua massa multiplicada pela velocidade da luz ao quadrado. De fato, um corpo que se desloca muito rápido obtém muita energia, e com isso, sua massa aumenta. Esse efeito não é perceptível no nosso dia-a-dia porque só se manifesta de maneira sensível em velocidades muito altas.

É por isso que os cientistas falam em conteúdo de massa-energia do Universo. O Universo é composto, essencialmente, de duas coisas: o espaço e o tempo, que são o palco em que as coisas acontecem, e a massa e energia, que são os personagens apoiados nesse palco.

Tudo que você vê, de um passarinho ao planeta Júpiter a uma galáxia distante, são feitos de algo que os físicos chamam de matéria bariônica. A matéria comum, feita de átomos comuns. O problema é que esse palco está mais cheio de atores do que parece. A nossa matemática mais confiável permite inferir que a matéria bariônica corresponde a apenas 5% do conteúdo total de massa-energia do Universo.

Todo o resto é formado por uma dupla sobre a qual sabemos pouco: a energia escura, que fica com uma fatia de quase 68%, e a matéria escura, com 27%. Se considerarmos apenas a massa do Universo – o que exclui toda a energia –, 85% dela é formada pela matéria escura. De fato, não fosse essa abundância de matéria escura, as galáxias espirais sequer poderiam girar da maneira como giram.

O problema é que, apesar da abundância dessa personagem, sabemos muito pouco sobre a matéria escura. Sequer sabemos do que ela é feita. Ela é invisível e indetectável para nós. Só sabemos da sua existência por causa dos seus efeitos gravitacionais (que influenciam, como já mencionamos, a rotação das galáxias).

Se matéria escura é matéria, então é formada por partículas, assim como você é formado por quarks e elétrons. Mas o “escura” do nome vem do fato de que essa matéria não emite nenhum tipo de radiação eletromagnética (ou emite muito pouco) e não interage com a matéria que conhecemos – ou interage muito pouco e raramente.

Isso não impediu que físicos de todo o mundo tentassem encontrar alguma forma de resolver o mistério – fosse com observações empíricas ou esforços teóricos. Atualmente, toda as partículas que conhecemos estão descritas em uma tabela conhecida como Modelo Padrão. A matéria escura não está inclusa nessa classificação. Em 1977, dois cientistas propuseram a existência de uma partícula hipotética chamada áxion, que, caso existisse, teria as características necessárias para ser a partícula por trás da matéria escura.

Continua após a publicidade

O áxion seria uma partícula muito mais leve que o elétron. Previu-se que, na hipótese do áxion existir, ele poderia ser produzido em ambientes extremos, como o núcleo de estrelas de grande massa. Quando essas estrelas morrem, elas explodem violentamente em um fenômeno conhecido como supernova. É o cenário ideal para verificar uma bizarrice física.

Por sorte, vivemos em um local e um tempo privilegiados para testar essa hipótese. A “apenas” 700 anos-luz da Terra está a Betelgeuse, a mais brilhante estrela da constelação de Órion. Desde 2019, os cientistas perceberam que a nossa vizinha cósmica está perdendo o brilho – o que indica que ela está nas suas fases finais de vida e pode explodir em breve (se considerarmos a escala de tempo da astronomia, é claro). E é em um cenário como esse que, segundo a hipótese, poderia haver produção de áxions e, possivelmente, sua detecção.

Cientistas do MIT, então, decidiram investigar a estrela moribunda para procurar pelas partículas fantasmas, na esperança de finalmente responder o mistério da matéria escura. Infelizmente, as notícias não são tão animadoras: em estudo publicado na revista Physical Review Letters, a equipe anunciou que não encontrou sinais da partícula hipotética – mas ressaltou que a busca ainda não acabou.

Caçando um alvo invisível

Se os áxions de fato existem, eles quase nunca interagem com nada. A palavra “quase”, aqui, é importante: como já mencionado, os astrofísicos acreditam que, em um cenário específico, seria possível detectá-los. Segundo a hipótese, os áxions seriam produzidos no interior de estrelas prestes a explodir porque, nesse ambiente com um campo magnético muito forte, os fótons seriam transformados nessas partículas extremamente discretas.

Conforme a estrela enfraquece e morre, ela liberaria esses áxions no Universo – onde eles poderiam se encontrar com outros campos magnéticos. Nesse encontro, os áxions indetectáveis voltariam a se transformar em fótons, se revelando por um momento – afinal, fótons são as partículas de luz (tanto a luz visível quanto luz em comprimentos que nossos olhos não captam, como rádio, micro-ondas, raios X etc.)

Os cientistas então procuraram por sinais de raios X vindos da Betelgeuse que pudessem corresponder a esses fótons que vieram de áxions. “A Betelgeuse está em uma temperatura e estágio da sua vida em que não se espera observar muitos raios X saindo dela, segundo a astrofísica estelar padrão”, explica Kerstin Perez, professora do MIT e líder da pesquisa em um comunicado. “Mas, se áxions existirem e estiverem saindo [da estrela], poderemos ver uma assinatura de raio X. Então é por isso que a Betelgeuse é um bom objeto de estudo: se você vir os raios X, é um sinal de que devem ser áxions.”

Continua após a publicidade

Como os áxions são partículas hipotéticas, os cientistas não sabem muito bem como seriam os fótons que elas se tornariam. Por isso, a equipe fez um modelo abrangente, considerando vários possíveis valores de massa para a partícula teórica e várias probabilidades delas encontraram campos magnéticos com diversas intensidades em sua jornada entre a Betelgeuse e a Terra. “Com toda essa modelagem, obtivémos uma faixa de como o sinal de raio X dos áxions poderia ser”, diz Perez.

Os cientistas, então, procuraram por sinais que viessem da estrela e correspondessem a esses raios X. Mas os resultados não mostraram nenhuma detecção relevante – e, segundo a hipótese, Betelgeuse deveria estar emitindo muitos áxions, a ponto do fenômeno ser facilmente observável nos resultados.

Segundo a equipe, isso não significa que os áxions não existam e que não estejam sendo expelidos pela estrela. É possível que, na verdade, essas partículas sejam muito mais leves do que hipotetizado antes, e que, por isso, o fenômeno delas se tornarem fótonsná  aconteça, ou aconteça tão pouco e tão raramente que não seja possível detectá-lo. Dessa forma, o estudo praticamente descarta um dos métodos mais promissores de encontrar a tal partícula fantasma.

“Basicamente, estamos dificultando a vida de todo mundo, porque estamos dizendo: ‘vamos ter que pensar em outra coisa que sinalize a presença de um áxion'”, disse Perez.

Apesar dos resultados não tão animadores, a busca pelos áxions na Betelgeuse ainda não terminou. A estrela está morrendo, mas ainda não explodiu – e quando isso acontecer, teremos uma nova oportunidade. “Seria interessante se observássemos uma supernova, porque ela poderia ejetar uma grande quantidade de axions que não estariam em raios X, e sim em raios gama”, afirmou Perez. “Se uma estrela explode e não conseguimos observar axions, então aí teremos restrições realmente rigorosas na hipótese da transformação de áxions em fótons. Então, todos estão cruzando os dedos para Betelgeuse explodir.”

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 12,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.