Câncer artificial
Pela primeira vez, cientistas americanos conseguiram transformar células normais em malignas. Com isso, esperam decifrar como os tumores surgem.
Ivonete D. Lucírio
Enquanto a maior parte dos pesquisadores procura um método eficaz de acabar com tumores, a equipe do oncologista William Hahn, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, fez o contrário: descobriu como forçar células sadias a se tornarem malignas. O objetivo é entender a gênese do mal. “Queremos saber como funciona o câncer. Que regras ele segue para se instalar no corpo”, disse Hahn à SUPER.
Desde 1980 é sabido que a doença aparece sempre que alguns genes começam a funcionar mal e forçam as células de alguma região do corpo a se multiplicar descontroladamente. Um dos genes envolvidos nesse processo, batizado de RAS, foi descoberto, também em 1980, pelo oncologista Robert Weinberg, da equipe de Hahn. Só que o RAS só funciona com a ajuda de outros genes. Em 1983, a equipe de Hahn e Weinberg construiu um tumor em um rato adicionando a uma célula saudável dois genes: o RAS e o SV40. Mas a experiência deu certo apenas com roedores; com humanos, não funcionou. Até que este ano os cientistas acharam o ingrediente que faltava – outro gene, o hTERT. Com essas três peças na mão, implantadas dentro da célula, conseguiram produzir a doença.
Por enquanto o laboratório do MIT fabricou apenas tumores de pele e de rim. Hahn vai continuar testando a mesma seqüência de genes para outros tipos de câncer, como os de mama, cujo desenvolvimento pode obedecer a um mecanismo ligeiramente diferente. “No dia em que formos capazes de compreender o funcionamento de cada tipo da doença, faremos drogas mais eficientes”, diz ele. “Drogas capazes de deter o tumor.”
ilucirio@abril.com.br
Algo mais
Em julho, pesquisadores australianos e israelenses acharam o gene responsável pela metástase, o espalhamento do câncer pelo corpo. O pedaço de DNA descoberto ordena a produção da enzima heparanase. Na hora de invadir algum órgão, as células do tumor circulam pelo sangue e rompem os vasos sanguíneos usando a heparanase como chave.
A construção da doença
Para criar um tumor maligno e decifrar a origem do mal, foram usados três genes.
1. Desarmando as defesas
Para produzir câncer sob encomenda, os cientistas retiraram células saudáveis de um rim humano e alteraram seu DNA. Primeiro, implantaram um gene chamado SV40 por meio de um vírus benigno, capaz de abrir a porta da célula. Lá dentro, sua função foi bloquear as proteínas que evitam a formação do câncer.
2. Sem saber quando parar
Sem as proteínas, as células perderam suas defesas naturais. Em seguida, os oncologistas introduziram e ativaram outro gene, o hTER, que já existe no organismo, só que sempre desligado. Ele libera a multiplicação celular que pode causar danos nos órgãos.
3. Fora de controle
Por último, os pesquisadores inseriram um gene chamado RAS, que age como fermento. Ele acelera alucinadamente a velocidade com que as células se dividem, uma característica decisiva dos corpos malignos. Desde os anos 80 sabe-se que o RAS está presente em inúmeros tipos de câncer.
4. Criando o mal
Só faltava verificar se as células geneticamente modificadas virariam mesmo um tumor. Para isso, os cientistas precisavam de um organismo que garantisse um bom suprimento de sangue a elas. Tiro e queda: injetadas em um rato, as células alteradas produziram o caroço que identifica a doença.