Cientistas querem “fertilizar” oceanos com ferro para combater aquecimento global; entenda
Ideia é testar a iniciativa em 2026. Pesquisadores opositores afirmam que medida pode causar desequilíbrio em ecossistemas e sair pela culatra.
Uma equipe de 17 cientistas dos EUA, China, Japão, Canadá e Coreia do Sul publicou, nesta semana, um plano inusitado para combater as mudanças climáticas. Os autores defendem a ideia de fertilizar os oceanos com ferro.
A proposta, chamada Exploring Ocean Iron Solutions (Explorando Soluções de Ferro para o Oceano, em tradução livre, e ExOIS na sigla), foi feita por uma organização sem fins lucrativos e publicada na revista Frontiers in Climate.
A ideia parte do princípio de que, na teoria, o ferro seria um nutriente para alimentar os pequenos organismos que fazem fotossíntese nos oceanos, os fitoplânctons. Nesse processo, eles capturam gás carbônico e produzem oxigênio. É daí, aliás, que vem cerca de 98% do oxigênio do mundo.
A fertilização seria feita em áreas “pobres” em ferro do oceano, e poderia acelerar o aumento do número de fitoplânctons, que, por sua vez, capturariam mais CO2 da atmosfera. Uma parte dessa crescente população seria comida por animais maiores, é claro. Mas essa parte também entra na conta: o carbono que o fitoplâncton pegou do ar se transformaria em cocô de peixe, que afunda nas águas profundas e mantém o carbono fora da atmosfera por décadas ou séculos.
A ExOIS publicou uma longa revisão do que se sabe até agora sobre diferentes aspectos da prática e uma linha do tempo das atualizações sobre a teoria. A equipe quer testar a técnica em uma área de 10 mil quilômetros quadrados do nordeste do oceano Pacífico em 2026. A ideia é que o piloto quantifique melhor o potencial e os impactos que a técnica poderia ter – alguns estudos apontam que a medida poderia sequestrar entre 15 e 20% do carbono atmosférico.
A proposta não é nova – na verdade, ela já é controversa entre a comunidade científica há mais de uma década. Muitos cientistas acreditam que a medida pode causar impactos inesperados e indesejados, já que interferirá profundamente em um ecossistema muito complexo.
Por exemplo, o cocô de peixe pode não ser uma reserva de carbono tão boa assim. Alguns pesquisadores apontam que isso poderia estimular uma explosão na população de bactérias decompositoras, que por sua vez poderiam consumir rapidamente todo o oxigênio disponível em uma determinada região da água, liberando dióxido de carbono e criando uma “zona morta” temporária.
A zona não seria completamente morta, porque as condições seriam ideais para o crescimento de outras bactérias que, por sua vez, produzem gases de efeito estufa mais potentes, como óxido nitroso e metano. Se isso acontecesse, o tiro sairia pela culatra, já que poderia liberar até mais carbono do que se a intervenção não tivesse ocorrido.
Já em 1972, dezenas de países assinaram a Convenção de Londres, um documento que discute a prevenção à poluição dos oceanos e inclui trechos contra práticas como a fertilização oceânica. Mesmo assim, a partir de 1993, vários testes de fertilização com ferro no oceano foram realizados.
Várias empresas do ramo foram formadas nessa época, já que achavam que o negócio seria um sucesso e que poderiam vender créditos nos mercados de carbono. Entretanto, as tentativas sempre travavam em algum ponto, porque cientistas alegavam que não havia pesquisas o suficiente para garantir a segurança das intervenções, ou mesmo para embasar a premissa.
Em 2008, na COP 9, os países publicaram uma decisão em que determinavam que testes desse tipo deveriam ter o máximo cuidado e serem realizados apenas em pequenas escalas. Quatro anos depois, o empresário norte-americano Russ George causou um escândalo mundial ao conduzir um experimento em que despejou cem toneladas de sulfato de ferro na costa oeste do Canadá.
Especificamente, o despejo ocorreu em Haida Gwaii, um arquipélago conhecido por ser um dos ecossistemas mais biodiversos do mundo. Dono de uma das empresas do ramo, George teve licenciamento do governo canadense e conseguiu o apoio da comunidade indígena que vive no arquipélago. Depois da repercussão, um líder da comunidade disse que eles haviam apoiado pois lhes foi dito de forma superficial que seria algo bom para o oceano, e que não teriam assinado se soubessem da controvérsia.
Ken Buesseler, um dos participantes do projeto que contamos no início desse texto, disse em entrevista à Scientific American que impactos no ecossistema são trocas inevitáveis. “É uma pequena mudança na biologia, comparada com não fazer nada e assistir o planeta ferver”, defende o cientistas.