Como os esquilos que hibernam não sentem sede? Novo estudo explica
Os esquilos-terrestres-rajados passam até seis meses sem beber água. Entender como eles fazem isso pode impactar a medicina e os planos de colonização de Marte
Durante seis a oito meses de cada ano, os esquilos-terrestres-rajados (Ictidomys tridecemlineatus) não saem de suas toquinhas subterrâneas. Nativos da região central da América do Norte, eles hibernam sem estoques de alimentos ou fontes de água: só com a energia estocada na gordura e a água dos tecidos.
Em geral, a maioria dos mamíferos não consegue sobreviver muito tempo sem água: no caso dos humanos, são cerca de três dias. Ainda assim, existem animais como o rato-canguru, nativo de desertos norte-americanos, que obtém todos os seus líquidos de sementes – e não precisa beber água nunca.
A sede é uma adaptação fundamental para a nossa sobrevivência: é o alerta de que está na hora de ingerir líquidos para manter vários sistemas em funcionamento. No corpo, essa água é essencial para a circulação sanguínea, para a remoção de resíduos, regulação da temperatura corporal, para as funções celulares, e muito mais.
Conforme o corpo desidrata, o seu sangue vai ficando mais concentrado e os rins mais estressados. É nessa hora que o cérebro libera uma sequência de hormônios e sinais que te instigam a beber água para restaurar a homeostase – o equilíbrio interno do organismo.
No entanto, lá está o nosso esquilo-terrestre-rajado, que não bebe água durante a hibernação apesar de todos os sinais fisiológicos da sede.
Como e por que isso acontece? Foi o que uma equipe de pesquisadores norte-americanos resolveu investigar. Uma pesquisa acompanhou extensivamente dez esquilos em hibernação, acompanhando seus padrões de comportamento, realizando exames de sangue, de neuroimagem e o sequenciamento do RNA – que permite entender como os genes do DNA estão se expressando.
Antes, precisamos esclarecer um pouco o que acontece na hibernação. Não é só um “dormir” muito longo – é bem mais complicado do que isso. Durante semanas e meses, os esquilos diminuem significativamente o funcionamento de seus metabolismos, e sua temperatura corporal cai para cerca de 3ºC.
Esse momento de limbo fisiológico é chamado de torpor, e dura entre duas e três semanas. De vez em quando, eles passam um ou dois dias na fase ativa, com a temperatura normal e movimentação.
Os pesquisadores apontam que os esquilos sentem, sim, sede. Os exames demonstraram a presença de hormônios que indicam estresse renal e baixo volume de água no sangue. No entanto, mesmo quando estão na fase ativa da hibernação, eles não saem de seus esconderijos, não comem e nem bebem. Durante todo esse tempo, eles ainda perdem líquidos pela respiração, evaporação da pele e até pela (rara) urina.
A abstinência extrema pode ser uma forma de se proteger dos perigos do exterior: o frio intenso e os predadores. Pense em um local que neva bastante, em que tudo fica branquinho por meses. Um esquilo marrom saindo da toca, mesmo que rapidinho, pode chamar bastante a atenção.
Os cientistas identificaram que, mesmo que estejam com sintomas de sede, os esquilos não bebem água porque o sinal cerebral que desencadeia a vontade de beber água fica suprimido durante esse período.
A identificação desses mecanismos é importante para compreender melhor os mecanismos de hibernação, e também pode ser útil para a compreensão do próprio corpo humano. Imagine se fosse possível compreender e dominar os sinalizadores de sede, homeostase e temperatura corporal, por exemplo. Seria possível desenvolver novas tecnologias com muitas utilidades.
“Então também estamos nos perguntando se existem mecanismos em comum entre a origem da adipsia [ausência de sede] de humanos e esquilos.”, diz Elena Gracheva, coautora da pesquisa, em entrevista para a Super. Ela explica que idosos têm um declínio importante na sensação de sede, o que facilita a desidratação. Entender os mecanismos de controle da sede nos esquilos poderia nos ajudar a entender os dos humanos e, assim, criar soluções para a saúde.
Sviatoslav Bagriantsev, couator da pesquisa, disse à Super que acredita que o estudo é “um pequeno passo para a compreensão da hibernação enquanto fenômeno fisiólogico.” Ele espera que os avanços no campo possam permitir “induzir a hibernação em seres humanos, tanto para fins terapêuticos, quando necessário, mas também como uma forma de nos levar a lugares muito distantes, por exemplo, a Marte.”
“Se você colocar uma pessoa em hibernação, a viagem poderá ser muito mais agradável e eficiente, porque você não precisará carregar tanta água, tanta comida, e assim por diante.”, conclui Bagriantsev.