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Criatividade não é petróleo

Estamos exaurindo o planeta, e o que resta agora é um futuro de fome, falta de água, aquecimento global... Certo? Não, porque a Terra tem um recurso natural infinito: a inventividade humana. E ela pode fazer mais do que parece.

Por Alexandre Versignassi
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 28 Maio 2012, 22h00

O mundo estava acabando em 1915. A população de cavalos nos EUA tinha chegado a um ponto insustentável. Eram 21 milhões de animais consumindo, cada um, 4 toneladas de comida por ano, entre grãos e alfafa. Um terço das terras agricultáveis dos EUA estava dedicado à alimentação deles. Mas não dava para viver sem cavalos. A agricultura dependia dos quadrúpedes. Sem cavalo para puxar arado, você não tem plantio de larga escala. E sem plantio de larga escala não dava para alimentar uma população mundial que já roçava a marca de 2 bilhões de habitantes. Mas agora a conta ameaçava não fechar mais. Era a profecia do economista Thomas Malthus virando realidade: a Terra não teria condições de suportar bilhões de pessoas. Malthus tinha previsto isso lá atrás, em 1798. Os donos do dinheiro não deram ouvidos. E agora, em pleno 1915, era tarde demais. Mas não. Se você está lendo este texto agora é porque passamos bem pela crise da superpopulação equina. E o herói que salvou o mundo dessa tem nome: petróleo.

O motor à combustão interna, na forma de tratores e carros, substituiu os cavalos. E o petróleo tomou o lugar dos grãos e da alfafa no papel de fonte de energia, liberando terras para o plantio de comida para humanos. De quebra, um subproduto da produção de petróleo, o gás natural, virou a base para a produção de fertilizantes – sem os quais não daria mesmo para alimentar bilhões de cabeças humanas. E hoje uma parte razoável do que você come passou por uma fábrica de fertilizantes antes de entrar na sua boca – carvão, gás e ar, a matéria-prima dos insumos agrícolas, entraram para o nosso cardápio. Ainda bem. O boom na produção de comida alimentou outro: a da produção de riqueza na forma de bens materiais. Essa sim, e não a população, cresceu de forma exponencial, como traduz o jornalista inglês Matt Ridley em seu livro O Otimista Racional: “A classe média americana de 1955, luxuriante em seus carros, confortos e aparelhos elétricos, hoje seria descrita como ´abaixo da linha da pobreza` nos EUA. Hoje, dos americanos oficialmente designados como pobres, 99% têm energia elétrica e geladeira, 95% têm televisão”. No Brasil, o salto é até mais espantoso, já que nosso boom de produção de riqueza é bem mais recente. Em 1992, um quarto dos domicílios não tinha televisão. Em 2009, 95,6% tinham. A penetração das máquinas de lavar quase dobrou desde 1992 para cá: de 24% das casas para 44%. E tem os celulares. No ano 2000, a Finlândia chegava à marca de um celular por habitante. Em 2010, o Brasil ultrapassou. E hoje temos 247 milhões de linhas, ativas, contra 195 milhões de habitantes.

Mas agora a prosperidade é a vilã. O discurso comum é o de que, nesse ritmo, a Terra não aguenta. Haja lítio para tanto celular. Haja carvão para tanto consumo de energia. Haja fertilizante para os trabalhadores braçais que hoje se alimentam mais e melhor que o rei Henrique 8º. A conta também não fecha mais para o motor de combustão interna. Nem para o carvão como fonte de energia – não dá mais para brincar com as emissões de CO2, e com o clima. E tem a água: a produção de 1 kg de carne demanda 15 mil litros de água. E com bilhões de Henriques 8ºs por aí, o planeta chia: hoje 2,7 bilhões de pessoas sofrem com falta de água pelo menos durante um mês por ano. Mas, de novo, nada disso significa que Thomas Maltus estava certo. A tecnologia que nos livrou do caos lá atrás agora nos leva a outro caos. Ok. Só que já começam a pipocar soluções. Na ponta da energia, há o “carvão limpo” – termelétricas que eliminam o CO2 da fumaça que emitem. Os gastos com essa filtragem seriam cobertos com um aumento de 30% na conta de luz – indigesto, mas viável. E a fusão nuclear, que não deixa resíduos radiativos e promete energia virtualmente infinita, continua no horizonte. Na ponta da água, a solução pode estar numa criação do inventor do Segway, Dean Kamen: um aparelho capaz de transformar água salgada (e de esgoto e de rios poluídos) em água potável. Cada unidade, do tamanho de um frigobar, produz mil litros de água por dia – havendo energia limpa e barata para que esses “frigobares” possam trabalhar, teremos água para tantos quantos cavalos ou Heriques 8ºs existirem no mundo. Tudo isso é a salvação da lavoura?

Não. Temos muito a resolver antes de decretar a viabilidade de um mundo para 10, 20 bilhões de pessoas. Mas iniciativas desse tipo mostram um ponto que Thomas Malthus e outros profetas do apocalipse não costumam levar em conta: o de que a inventividade humana não é petróleo. Não é um recurso finito.

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