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E se os polos magnéticos se invertessem?

Esse é um fenômeno comum na história: a inversão geomagnética ocorre, em média, uma vez a cada 450 mil anos. Veja quando rolou a última.

Por Fábio Marton
Atualizado em 26 out 2022, 17h35 - Publicado em 16 set 2022, 10h08

Começando pela definição: norte vira sul e sul vira norte. Bússolas passam a apontar para o lado oposto. Até aí, nada de mais. O problema é o que vem antes: a Terra passaria um tempo sem campo magnético, e isso não é uma boa notícia para seus habitantes.

A inversão geomagnética – esse é o nome do evento – é relativamente comum na história do planeta.  Aconteceu 171 vezes nos últimos 71 milhões de anos. Em média, uma vez a cada 450 mil anos. A última foi há 781 mil anos.

Estatisticamente, então, a inversão está atrasada. A humanidade nunca passou por uma, já que o Homo sapiens é uma criatura recente na Terra. Surgiu há 300 mil anos. Mas pode ser que nossa espécie testemunhe uma em algum momento.

É que algumas coisas esquisitas andam acontecendo. Os polos magnéticos da Terra não são fixos: nunca param de se mexer. Historicamente, eles se moviam a uma velocidade de 11 km por ano. Desde os anos 1990, o movimento acelerou para 55 km por ano. Outro indício da mudança é o enfraquecimento do campo em si – nos últimos 200 anos, ele já caiu 9%.

Se a tendência se mantiver, o campo desaparece em 1.300 anos. Não se trata de uma certeza, já que o movimento é imprevisível. Mas, caso o campo suma mesmo, passaríamos uma temporada sem ele. Pode durar décadas, séculos ou milênios (as estimativas variam brutalmente). No fim, o campo se reconstruiria com a polaridade invertida: norte no sul e sul no norte.

Bom, o campo magnético da Terra existe porque ela tem um núcleo composto de ferro e níquel, aquecido a até 5.200o °C. Na parte mais central, ele fica em estado sólido, por causa da pressão extrema, mas o exterior do núcleo é líquido. Essa sopa quente de metal se  move em correntes de convecção, como a água numa panela fervendo.

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O metal líquido entra em atrito com o manto terrestre, sólido, acima. Assim como quando você esfrega uma caneta numa flanela, isso gera força eletromagnética, e, daí, o campo. A rotação da Terra dá coerência a esse gerador, criando um polo norte e um polo sul, como num ímã.

Não se sabe exatamente o que causa as inversões. Uma hipótese recente é que às vezes o campo fica bagunçado por conta do movimento das placas tectônicas. Quando uma placa se move contra outra, uma delas acaba afundando – a chamada subducção. E isso está acontecendo agora, no Anel de Fogo do Pacífico – o lugar tem esse nome por causa dos vulcões na região, que surgem pelo movimento das placas. Aqui em cima, esse movimento causa vulcões, terremotos e tsunamis. Quando o movimento da placa chega lá embaixo, pode interferir nas correntes de metal líquido e causar a inversão, deixando a Terra sem campo magnético por alguns séculos ou milênios. É um piscar de olhos na escala geológica. Mas não para nós, coisas vivas.

Porque o campo magnético é um escudo que protege a Terra contra os raios cósmicos (partículas altamente energéticas que vêm de outros cantos da galáxia, produzidas por explosões de supernovas), e contra o vento solar (partículas produzidas pelo Sol o tempo todo).

Uma ideia da importância de contar com um escudo contra tudo isso: Marte perdeu seu campo eletromagnético há 4 bilhões de anos – a hipótese é a de que uma tempestade de asteroides tenha causado um distúrbio grande o bastante para “quebrar” o dínamo do núcleo do planeta. Outra é que a parte externa de seu núcleo se solidificou, por ser um planeta menor, enquanto a interna nunca foi sólida, pela mesma razão. Por um motivo ou outro, o planeta ficou sem campo magnético.

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Antes desse evento, Marte tinha uma atmosfera relativamente densa. Quando o planeta perdeu seu campo, sua atmosfera acabou varrida pelo vento solar. E hoje ela é quase vácuo, com menos de 1% da pressão da terrestre.

O período de transição numa troca de polos não seria longo o bastante para causar uma tragédia assim. Mas, se não chega a varrer a atmosfera, pode comprometer a parte mais externa dela, onde fica a camada de ozônio.

Com essa camada enfraquecida, a luz ultravioleta do Sol chega sem filtro, em sua potência total. Significa que ninguém poderia sair na rua sem protetor solar, sob o risco de adquirir câncer de pele (mesmo com a camada, é recomendável usar). Isso poderia também causar problemas a animais e ao plâncton marinho, produzindo menos oxigênio e sugando menos carbono do ar. Não chegaria a sufocar a gente, pois o estoque de oxigênio na atmosfera dá e sobra, mas aceleraria o aquecimento global.

A parte dos raios cósmicos é a mais perigosa. Eles trazem radiação gama, a mesma radiação produzida por artefatos nucleares. Essa é uma questão séria: alguns cientistas imaginam que uma viagem de alguns meses para Marte, sob a chuva constante de raios cósmicos, poderia fritar o cérebro dos astronautas caso não haja medidas extremas de proteção.

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De novo, tempo é a chave: ir para a Lua também expõe astronautas à radiação espacial. Mas os poucos dias que a missão toma não chegam a causar danos.

A radiação gama, enfim, chegaria à Terra. Medimos a idade das rochas baseados no isótopo radiativo do carbono, o carbono-14, porque o bombardeio de raios cósmicos em períodos de campo magnético fraco criaram esse tipo de átomo.

A exposição a esses raios pode trazer consequências clínicas de longo prazo, como incidência de cânceres – e aqui não há muito o que fazer, porque não existe filtro solar contra raios gama. Exceto, quem sabe, criar um telhado de chumbo.

Equipamentos eletrônicos seriam destruídos. Seus circuitos não suportam a exposição aos raios cósmicos e ao vento solar por muito tempo. Isso vale para os satélites também. Hoje eles ficam protegidos pela magnetosfera, que se estende a 65 mil km de altitude. Sem campo, ficariam à mercê das partículas nocivas.   

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Eventualmente, teria saída: todos os satélites poderiam ser substituídos por outros mais protegidos. Como o telescópio James Webb. Ele atua longe do campo magnético terrestre, a 1,5 milhão de quilômetros do planeta (quatro vezes mais distante do que a Lua), e tem um literal escudo contra o Sol. Seja como for, provavelmente temos um bom tempo para pensar em soluções.

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