Em busca das super civilizações
Astrônomos dizem que o objeto misterioso encontrado esta semana pode ser uma mega-estrutura alienígena para a captação de energia, no caso, uma Esfera de Dyson. Saiba como ela funcionaria.
Salvador Nogueira
Depois de descobrir mais de uma centena de mundos alienígenas ao redor de outras estrelas, o astrônomo americano Geoff Marcy decidiu que era hora de apostar na busca por civilizações extraterrestres. Supercivilizações, na verdade – com tecnologia incomensuravelmente superior à nossa.
A hipótese é a seguinte: supercivilizações precisam de megafontes de energia para alimentar seus hiperequipamentos, ultrafamintos por eletricidade – está pensando que teletransporte, viagens no tempo e outras supertecnologias são econômicas? Não sabemos, mas provavelmente não. A regra de que não existe almoço grátis fatalmente vale para o Cosmos todo: quanto maior o desenvolvimento, maior a demanda por energia. Por exemplo: qualquer megacivilização que se preze já se expandiu para além de seu planeta natal e colonizou outros mundos, pelo menos dentro do seu próprio Sistema Solar. Aí que os gastos com energia vão mesmo para a estratosfera – se escoar soja do Mato Grosso já demanda um oceano de diesel, imagina transportar matéria-prima entre um planeta e outro.
Desnecessário dizer que diesel não resolve o problema num caso desses (nem no nosso, mas essa é outra história). O jeito mais racional de obter energia nessa escala absurda, imaginam os cientistas terráqueos, é apelar para o Sol. Ou seja, explorar ao máximo a radiação emitida pela estrela-mãe do planeta em questão. Mas não, painéis solares como os conhecemos não dariam nem para o começo. Os nossos amigos de uma hipercivilização com comércio interplanetário precisariam de painéis grandes. Grandes mesmo. Mastodônticos, com centenas de milhões de quilômetros de extensão. A coisa formaria anéis em torno da estrela, como esta mandala aqui ao lado.
O conceito é conhecido como Esfera de Dyson, assim batizada em homenagem ao físico e matemático britânico que primeiro apresentou o conceito, Freeman Dyson, hoje com 90 anos. Ele partiu do pressuposto de que todas as civilizações tecnológicas constantemente aumentam sua demanda por energia. Pensando em termos terráqueos, se essa tendência (que existe hoje em nossa própria civilização) continuar por tempo suficiente, chegará o dia em que precisaremos de quase 100% da energia emitida pelo Sol para mantermos nossas máquinas funcionando.
Quando essa hora chegar, a melhor solução seria construir essas instalações espaciais cosmofaraônicas em torno de nossa estrela – daria para transmitir a energia via micro-ondas, sem fio, direto do espaço para os planetas em que houver colônias. Dyson apresentou a noção num artigo publicado em 1960 na revista Science, mas a inspiração original veio da ficção científica, que já na década de 1930 falava do assunto.
E agora chegamos ao ponto que interessa. Se os escritores de ficção científica e Freeman Dyson estiverem certos, e alguém lá em cima já tiver construído uma superestrutura dessas, não seria tão difícil detectar a presença de uma delas hoje mesmo, usando os melhores telescópios disponíveis aqui na Terra.
É exatamente isso que Geoff Marcy, da Universidade da Califórnia, quer procurar. “Estamos buscando estrelas que fiquem completamente escuras por um tempo e depois brilhem de novo”, diz o americano. “Essa mudança drástica no brilho aconteceria se uma civilização cobrisse sua estrela com anéis para coletar sua luz. Esperamos detectar essas esferas Dyson ao procurar por estrelas que mudem de brilho dramaticamente.”
Loucura? Sim. Só que Marcy pode se dar ao luxo de propor coisas nessa linha. Ele construiu uma reputação de cientista de primeira grandeza a partir da década de 1990, quando começou a descobrir os primeiros planetas fora do Sistema Solar. Por pouco, ele não foi o astrônomo que encontrou o primeiro mundo extrassolar, descoberto pelo grupo rival de Michel Mayor, do Observatório de Genebra, em 1995.
Marcy, contudo, foi responsável pela descoberta do primeiro sistema com múltiplos planetas e já soma mais de 110 planetas descobertos. No momento, ele trabalha na equipe do satélite Kepler, da Nasa, que já encontrou milhares de planetas-candidatos durante sua missão de observação de apenas uma pequena parte do céu. E a proposta de procurar sinais de civilizações avançadas está sendo levada a sério. Marcy recebeu um financiamento de US$ 200 mil, que estão sendo pagos entre 2013 e 2014, para procurar por elas justamente nas estrelas observadas pelo Kepler. São cerca de 160 mil estrelas monitoradas constantemente pelo telescópio orbital, mas Marcy deve se concentrar em apenas mil delas, as que pareçam mais amigáveis à existência de planetas potencialmente habitáveis (ou seja: estrelas médias, como o Sol, nem muito ofuscantes, nem muito apagadas).
“O Kepler já descobriu mais de 2 mil novos mundos em torno de outras estrelas, a maioria deles menor que duas vezes o tamanho da Terra, e muitos que provavelmente têm água [o ingrediente mais fundamental para a vida]”, diz Marcy. “Essa enxurrada de planetas quase do tamanho terrestre oferece a primeira oportunidade para que nós, humanos, procuremos outras espécies inteligentes.”
Nova tentativa
Não é a primeira vez que astrônomos tentam encontrar sinais de Esferas Dyson. Um esforço anterior, conduzido por Richard Carrigan, pesquisador do Fermilab (instituição americana de pesquisa de física de partículas), usou dados do satélite IRAS para tentar encontrar sinais de radiação infravermelha. Essa era a radiação esperada caso houvesse não anéis, mas uma esfera completamente fechada, que envelopasse um sistema solar inteiro – e não deixasse escapar luz visível, só calor, na forma de radiação infravermelha.
Os resultados foram, bem, inconclusivos. “Obtivemos 17 candidatos ambíguos dos quais quatro eram ligeiramente interessantes, mas ainda questionáveis”, afirma Carrigan.
De posse dos dados do Kepler, Marcy acredita que pode fazer melhor. Além disso, ele pretende usar tempo do Observatório Keck, no Havaí, para coletar espectros de luz de seus mil alvos, na esperança de detectar um outro sinal de vida inteligente – raios laser. É a última moda na busca por transmissões extraterrestres. Até hoje, a maioria das pesquisas se deu em frequências de rádio, imaginando que as civilizações os usariam para tentar se comunicar conosco. É o que o Seti faz desde a década de 1960. O programa de Busca por Inteligência Extraterrestre (Seti, na sigla em inglês) aponta suas mega-antenas , os radiotelescópios, para alguma região do céu. E tenta captar qualquer coisa que pareça ter sido transmitida por alguma forma de vida na tentativa de se comunicar com a gente, tipo sinais de rádio com frequência que se repetem, que pareçam um código morse interplanetário.
Mas e se os ETs estiverem usando pulsos de laser, em vez de ondas de rádio? Essa é a segunda grande aposta de Marcy. Ele aponta que os militares americanos já estão usando cada vez mais laser, em vez de rádio, para se comunicar com suas espaçonaves. “Lasers são mais eficientes do ponto de vista energético, e eles permitem que dois grupos se comuniquem com mais privacidade”, diz o astrônomo.
Isso acontece porque o laser, por ser uma forma de luz “organizada” (os físicos chamam de “coerente”), precisa ser apontado na direção do receptor do sinal, pois “vaza” muito pouco em outras direções. Já as ondas de rádio se propagam mais livremente para todo lado.
Bem, mas qual é a chance de uma civilização distante estar apontando seu laserpointer para nós? Marcy na verdade nem está contando com isso. Ele aposta que os ETs estejam usando lasers para se comunicarem entre si, com suas espaçonaves, colônias etc. Se tivermos sorte, uma dessas transmissões pode, por coincidência, ser disparada na nossa direção. Por enquanto, haverá limitações na busca. “Estamos desenvolvendo novas técnicas, com novos detectores e telescópios, para buscar sinais alienígenas no infravermelho e na luz visível. Vamos torcer para que eles estejam transmitindo nessas frequências!”. A busca nas outras frequências (ultra-violeta e raios-x), mais complexa, fica para uma próxima.
Até agora, houve um sinal esquisito de laser detectado em 2009 na Austrália, mas não tiveram como confirmar sua suposta natureza artificial, porque ela não se repetiu – a exemplo do que já tinha acontecido com as buscas por sinais de rádio. Em 1977, um radiossinal com cara de artificial, formando padrões aparentemente repetidos, foi detectado em Ohio, levando o operador do radiotelescópio a anotar “Uau!” em seus relatórios. Mas o fenômeno nunca mais aconteceu de novo.
Bom, a verdade é que, se somos ruins para prever o futuro da humanidade, calcule o desafio de especular sobre o que estão fazendo civilizações alienígenas bem mais avançadas do que nós. Marcy se dá conta do tamanho do problema. “Talvez eles não transmitam ondas de rádio ou qualquer outro comprimento de onda de luz”, afirma. “Mas não podemos buscar tipos de comunicação que não fomos capazes de imaginar. Precisamos empurrar nosso potencial para tentar fazer descobertas, sem saber de antemão se há alguma chance de sucesso.” Pois é. No fim, estamos limitados pela nossa imaginação. Ainda bem que, pelo jeito, ela tem combustível de sobra.