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Entrevista: havia mamíferos que comiam dinossauros

A paleontóloga Marina Bento Soares explica que os primeiros mamíferos, ainda no Mesozoico, não eram só ratinhos inocentes: eles disputaram espaço com os répteis, na medida do possível.

Por Bela Lobato
Atualizado em 15 out 2024, 16h15 - Publicado em 13 out 2024, 19h00

Há 66 milhões de anos, um asteroide colidiu com a Terra no local onde hoje fica a península de Yucatan, no México. Além de pulverizar instaneamente tudo que havia no local da colisão, o pedregulho de 12 km de diâmetro destroçou o equilíbrio do clima e dos ecossistemas de todo o mundo.

Ali começou uma cadeia de eventos que ficou famosa por extinguir quase todos dinossauros (a exceção foram as aves). Essa não foi a primeira extinção em massa que o planeta enfrentou, nem a pior. Mesmo assim, mais de 75% da fauna terrestre bateu as botas, e os poucos sobreviventes se irradiaram para dar origem ao mundo como o conhecemos. 

Para entender como os mamíferos se aproveitaram do vazio de répteis para dominar a Terra, conversamos com a paleontóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Marina Bento Soares. Ela explicou por que os dinossauros nunca foram totalmente extintos, como eram os primeiros mamíferos da Terra e como era vida de um mamífero que comia dinossauros.

Junto com Alexander Kellner, também paleontólogo, ela é autora de dois dos capítulos do livro A Evolução é Fato, que conta com a participação de 28 pesquisadores brasileiros. Você pode baixá-lo gratuitamente aqui

A obra aborda diferentes capítulos da história da vida na Terra, de um jeito didático e acessível, sempre através do prisma da seleção natural. O livro levou três anos para ficar pronto, e foi feito pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), que se manteve atualizada sobre descobertas científicas durante todo o processo. 

A maior parte das explicações inclui exemplos brasileiros o que, aliás, não faltam quando falamos de fósseis. A conversa a seguir faz parte de uma série de entrevistas que a Super está publicando com os autores dos textos. 

Por que nem todos os animais que viviam na Terra foram extintos da mesma forma que os dinossauros no final do Cretáceo? 

Eventos de extinção em massa sempre aconteceram ao longo da história da vida na Terra. Não foi uma, nem duas, nem três, foram muitas. Porém, existem cinco delas que são consideradas as big five, que são aquelas em que mais de 75% de todas as espécies, seja vertebrado, invertebrado, planta, foram extintas. A do Cretáceo, que afetou os grandes dinossauros e outras espécies, foi a mais recente, mas não foi a pior.

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Essas extinções são explicadas por uma série de causas, sempre tem uma cascata de eventos, uma coisa vai levando à outra. Na extinção dos dinossauros, assim como em outras, há eventos de vulcanismo envolvidos. Mas, aliado a isso, a gente tem o tal do corpo celeste que se chocou com a Terra. 

Mas é importante dizer que não foram só os dinossauros que foram extintos nesse momento. Vários grupos foram afetados, e vários se recuperaram. Tartarugas, répteis, aves e mamíferos.

Na verdade, os dinossauros não foram extintos nessa extinção do Cretáceo, porque as aves são dinossauros. Aves surgiram diretamente dentro de um grupo de dinossauros terópodes e são consideradas dinossauros. Então, é por isso que hoje falamos em dinossauros não-avianos, que são aqueles que foram extintos, e os avianos, que estão aí até hoje.

É muito difícil estabelecer as características que favoreceram a sobrevivência, mas ser pequeno parece ter sido uma vantagem. Por que os seres pequenos têm uma demanda energética menor, precisam comer menos.

Alguns grupos de aves, naquela época, já eram especializados em comer sementes, coisas que os dinossauros não faziam. Semente é o alimento que sobra depois de um evento de extinção em massa, já que as folhas e raízes foram destruídas. Então, as aves que comiam sementes foram beneficiadas e tiveram mais chance de sobrevivência do que os dinossauros, que eram carnívoros ou eram herbívoros de comer folhas, por exemplo.

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Parece que espécies que viviam em ambientes aquáticos continentais [como lagos] também tiveram alguma vantagem. Mas, como eu te falei, não existe uma regra. A partir de quem sobreviveu, os cientistas começam a tentar entender por que aqueles organismos sobreviveram e outros não. A gente não conseguiria prever quem ia sobreviver e quem não ia. A gente só vê isso depois que aconteceu.

Como eram os primeiros mamíferos e o que permitia classificá-los como mamíferos?

A classificação dos grupos de organismos é uma necessidade humana, e não da natureza. Então, às vezes, é muito desafiante para um paleontólogo estabelecer onde é que está o limite entre um grupo e outro. Em determinado momento vai aparecer um animal que herdou de algum ancestral comum uma característica nova que aquele grupo anterior não apresentava.

Os mamíferos se originam de um grupo chamado cinodontes. De onde vem essa linhagem? Quando a gente fala na evolução dos vertebrados, vamos pensar mais nos amniotas, que são aqueles que colocam ovo em casca, que independem da água para a sua reprodução. Então, dentro dos amniotas vai ter os mamíferos, vai ter as aves, vai ter os répteis todos. 

Então, os amniotas todos compartilharam o último ancestral comum há mais ou menos 320 milhões de anos atrás, no período Carbonífero. A partir desse ancestral comum, duas linhagens começaram a evoluir independentemente.

Para um lado, a linhagem que a gente chama de répteis, que aí a gente vai incluir os dinossauros, os crocodilos, os pterossauros, as aves. E para o outro lado, a linhagem que hoje é representada apenas pelos mamíferos, que é a linhagem Synapsida. É dela que surgem os cinodontes, e deles que surgem os mamíferos, no período Triássico.

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E aí, então, o que é um mamífero, afinal? Ao pensar nos mamíferos viventes, é muito fácil ver o que é um mamífero. O mamífero tem pelos, glândula mamária, dentição muito especializada, consegue respirar enquanto mastiga, tem sangue quente. 

São várias características que levam a gente a reconhecer facilmente o que é um mamífero. Mas quando a gente trabalha com um fóssil, o que a gente tem para analisar? São ossos. A gente não sabe como é que era a aparência real daqueles animais, podemos fazer inferências, mas nunca vai saber, né? A não ser que viaje no tempo.

O que sabemos é que esses cinodontes eram pequenos, pareciam uns ratinhos e já tinham características cranianas e de esqueleto muito parecidas com as que os mamíferos vão apresentar mais futuramente. E a gente costuma chamar esses primeiros mamíferos de mammaliaformes, eles não seriam ainda mamíferos como a gente conhece hoje. Seriam pré-mamíferos, vamos dizer assim.

Mas o período Mesozoico é muito rico em termos de espécies de mamíferos extintos, que não deixaram descendentes, por exemplo. Tem toda uma riqueza de espécies que viveram no final do período Triássico, no período Jurássico e mesmo no período Cretáceo, que não fazem parte de nenhuma das linhagens de mamíferos que temos atualmente. 

É verdade que os mamíferos não conseguiram se irradiar enquanto reinaram os dinossauros?

Praticamente todos os grupos de mamíferos vivos hoje têm a sua história realmente registrada em fósseis a partir do Cenozoico, mas fala-se dessa época como a era dos dinossauros. Como se os mamíferos tivessem vivido todo esse tempo à sombra dos dinossauros, impedidos de evoluir. Como se por causa dos dinossauros eles tivessem ficado só aqueles camundonguinhos, aqueles ratinhos pequenininhos, noturnos, que no máximo comiam um ovinho de dinossauro.

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Mas o que o registro fóssil tem nos mostrado, principalmente dos anos 2000 para cá, é uma quantidade muito grande de espécies de mamíferos, nessa época do Mesozoico, que estavam evoluindo, sim. E estavam se diversificando ecologicamente de uma forma muito incrível. 

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Existem exemplos de fósseis de mamíferos que escavavam tocas, que nadavam, que mergulhavam, tem mamíferos com membrana para fazer planeio. Tem mamífero que subia em árvore. Então os mamíferos estavam muito bem adaptados a diferentes nichos ecológicos, mostrando que eles não estavam tão à sombra dos dinossauros.

E aí a gente gosta de citar o exemplo do Repenomamus robustus, que era um mamífero grande para os padrões mesozoicos, chegava a ter 12 kg. E quando se encontrou o primeiro exemplar desse mamífero, chamou a atenção que tinha uma massa fossilizada na região do abdômen, onde encontraram vários ossinhos de dinossauro. 

E depois encontraram outro fóssil dessa espécie com o mesmo tipo de evidência. Isso confirmou  que essa relação de predação realmente não existia. Então, a gente diz que ele lavou a alma dos mamíferos mesozoicos, mostrando que até dinossauros eles comiam, né? 

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Mas esses animais são considerados mais primitivos que os mamíferos atuais. Então, eles são de grupos que não deixaram representantes viventes, mas que ajudam a gente entender toda essa questão da diversificação ecológica, das características anatômicas que foram evoluindo nos mamíferos, até a gente ter os mamíferos conhecidos hoje. 

Por que, depois da extinção dos dinossauros, os mamíferos tiveram tanto sucesso?

Os mamíferos foram bastante ricos em termos de diversificação ecológica durante todo o Mesozoico, mas a gente não pode deixar de reconhecer que, no momento que os dinossauros não-avianos desaparecem do planeta, os mamíferos realmente tiveram uma grande chance de se irradiar.

É por isso que essa é chamada a era dos mamíferos. Os dinossauros estavam, de fato, fazendo uma pressão sobre os mamíferos. Não deixando que os mamíferos se diversificassem tanto. Tanto é que o Cenozoico é chamado de era dos mamíferos, né?  

Mas eles não foram os únicos: se a gente pegar o registro de escamados, que são cobras e os lagartos, eles passaram pelo mesmo processo, e tiveram mais oportunidade de se diversificar depois da extinção dos dinossauros não-avianos.

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