Físicos descobrem o primeiro buraco negro de sistema triplo
E a estrela mais distante, conectada por um fio ao par central, sugere uma origem extraordinária para esse trisal cósmico.
Tom Jobim cantava, em “Wave”, que é “impossível ser feliz sozinho”. Muitos dos buracos negros que já foram detectados por cientistas parecem concordar, já que eles vagam por aí com pares inseparáveis.
Esses sistemas binários são compostos de um buraco negro e um segundo objeto, que pode ser uma estrela comum, uma superdensa estrela de nêutrons ou, até mesmo, outro buraco negro.
No sistema, os dois objetos se movem em espiral, um ao redor do outro, como um cãozinho perseguindo o próprio rabo sem jamais pegá-lo. O buraco negro pode consumir lentamente material de seu par.
Agora, uma equipe de físicos do MIT e do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), nos EUA, descobriu o primeiro buraco negro de sistema triplo, quase sem querer.
No estudo publicado na Nature, eles descrevem um sistema localizado na nossa Via Láctea com duas estrelas, uma mais próxima e outra mais distante, ambas orbitando o mesmo buraco negro.
Como isso aconteceu
É um trisal, e o relacionamento é tóxico. O buraco negro no centro do sistema está consumindo uma estrela pequena, que completa uma volta em torno dele a cada 6,5 dias.
O buraco em questão já era conhecido: é o V404 Cygni, um dos primeiros objetos a ser confirmado como um buraco negro, localizado a uma distância de 8.000 anos-luz da Terra. A novidade é que ele é acompanhado.
Olhando para ele, sem esperar encontrar nada de novo num sistema já extensivamente estudado, os cientistas se surpreenderam ao perceber um terceiro elemento: uma estrela muito mais distante, mas que mesmo assim está orbitando o mesmo buraco negro.
Ela fica a uma distância segura, suficiente para não ser devorada. Essa órbita demora bem mais: são 70 mil anos para completar uma volta.
Buracos negros com massa estelar surgem de supernovas, a ejeção violenta das camadas externas de uma estrela de grande massa, que marca o fim da fusão nuclear em seu núcleo. Essa última liberação de energia e luz precede o colapso gravitacional e a formação da singularidade.
Normalmente, essa explosão manda para longe qualquer objeto que esteja ligado de uma forma meio frouxa à estrela. A segunda estrela, a uma distância equivalente a cem vezes a que há entre Plutão e o Sol, não devia ter continuado por ali, sob influência da atração gravitacional do buraco negro.
A hipótese dos físicos, depois de milhares de simulações computacionais, é de que esse buraco negro do sistema V404 Cygni tenha se formado de um jeito diferente, por meio do que se denomina “colapso direto”.
Isso significa que a estrela teria implodido, sem fazer toda a bagunça cósmica de uma supernova. Uma origem mais gentil para um buraco negro, segundo os astrônomos– que pode abrir espaço para novas pesquisas e descobertas na área.
Buraco negro idoso
Mas como os cientistas sabem que essa segunda estrela, apesar de distante, realmente está ligada ao buraco negro?
Com a ajuda do satélite Gaia, que rastreia o movimento de todas as estrelas da Via Láctea desde 2014, eles perceberam que as duas estrelas do sistema se moviam em conjunto. Sem a influência do buraco negro, a probabilidade de isso acontecer seria de uma em dez milhões. Ou seja: não é uma coincidência.
A descoberta do sistema triplo também foi útil para descobrir a idade do buraco negro. A estrela mais distante tem cerca de 4 bilhões de anos. Ela está entrando na fase de gigante vermelha, mais próxima do fim de sua vida. O sistema completo, portanto, deve ter a mesma idade.