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Gravidade: Forças da Natureza

O Universo está recoberto por uma densa rede de tráfego pela qual circulam partículas mensageiros de quatro tipos. Cada uma transporta uma força, como a gravidade. Sem elas, nenhum corpo celeste teria condições de existir

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 30 set 1988, 22h00

O cientista subiu ao alto da torre e dali atirou um elefante e uma formiga, podendo assim comprovar que ambos chegaram ao solo ao mesmo tempo, ou seja, que a força de atração entre a Terra e a formiga, de um lado, e entre a Terra e o elefante, de ogtro, produziu o mesmo resultado. E evidente que essa experiência jamais pôde realizar-se, por seus óbvios inconvenientes. Mas é certo que muitos cientistas do passado – Galileu, por exemplo – dedicaram-se a atirar bolas do alto de torres para estudar a atração terrestre.

Foi Isaac Newton (1643-1727) quem há três séculos explicou o fenômeno com sua teoria da gravitação – a primeira teoria matemática sobre uma força da natureza. Até então, as idéias sobre o assunto se baseavam na experiência coinum: a ação por contato, como um empurrão; ou, se uma pessoa chuta uma bola, esta se acelera. Mas onde estaria, por exemplo, o contato entre a Lua e os oceanos, capaz de explicar o movimento das marés? Newton ocupou-se seriamente desse problema e propôs o conceito de efeito a distância. Segundo ele, dois corpos separados por um espaço intermediário mais ou menos grande exercem mutuamente uma força de atração. O valor da força é inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles; quanto maior a distância, menor a força.

Dado esse primeiro passo, surgiram teorias similares sobre as demais forças da natureza. É possível demonstrar facilmente que também os ímãs exercem sua força de atração até uma certa distância, bastando aproximá-los pouco a pouco. Da mesma forma pode-se observar as forças eletrostáticas, como as que erguem os pêlos quando se encosta o braço num tecido sintético. Também no interior do núcleo de um átomo atuam forças entre seus componentes, embora a distâncias ínfimas.

No século XIX, Michael Faraday (1791-1867) e James Clerk Maxwell (1831-1879) desenvolveram novas idéias sobre o efeito a distância e inventaram o conceito de campo de forças. Segundo essa teoria, uma carga elétrica cria um campo elétrico invisível no espaço a sua volta. Se nesse campo já existir outra carga elétrica, ela sofrerá o efeito de uma força. Essa idéia era efetivamente nova. Partindo do efeito que exercem mutuamente dois corpos ou partículas afastadas, concebeu-se que existe uma força por meio do contato entre uma partícula e o campo de outra partícula. Hoje, teorias de campo se aplicam a todas as forças da natureza.

Albert Einstein formulou em 1913 uma teoria do campo de gravitação para substituir a primitiva teoria de Isaac Newton. No entanto, continua sendo um mistério como uma força (melhor dizendo, uma interação) pode atravessar o espaço vazio. Afinal, o próprio campo é invisível e só denuncia sua existência mediante o efeito que exerce sobre a matéria ou as cargas elétricas. Felizmente, a moderna formulação da teoria do campo proporciona um indício para a solução do enigma. Pois ela se inclui na teoria dos quanta (em latim, porções, quantidades). Sua história teve início no ano de 1900, quando o físico alemão Max Planck (1858-1947) observou que a radiação eletromagnética (por exemplo, a luz) se propagava em pacotes ou quanta. Antes, acreditava-se que a radiação eletromagnética consistia em ondas. Agora é reconhecido que ela pode tomar a forma de onda ou de partícula; às vezes se comporta como onda; outras, como partícula (SUPERINTERESSANTE n.3).

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Quando se trata da interação entre partículas carregadas eletricamente (através de seus campos eletromagnéticos), o próprio campo também possui qualidades similares às das partículas. Por isso os físicos imaginam da seguinte forma o efeito de um elétron sobre outro: o elétron A envia um fóton (partícula), que avança vertiginosamente pelo espaço até o elétron B e é absorvido por este. O fóton se comporta como um mensageiro, que transmite a força eletromagnética de um elétron a outro. Além da gravitação e do eletromagnetismo existem duas outras forças que agem dentro do núcleo do átomo. Uma é a força forte, que mantém unidos os prótons e nêutrons. A outra é a força fraca, que atua entre partículas menores, como os pósitrons e neutrinos.

A cada uma das forças corresponde uma classe especial de partículas mensageiras. Para a gravitação estão os grávitons (cuja existência, no entanto, ainda não foi demonstrada experimentalmente). No eletromagnetismo existem os fótons. No caso da força forte, são os oito glúons (do inglês glue, cola). Já no caso da força nuclear fraca são os bósons W e Z, descobertos há poucos anos. Todos esses mensageiros viajam constantemente a grandes velocidades. O que se denomina espaço vazio é na realidade uma espécie de malha de tráfego percorrida incessantemente por partículas mensageiras.

Se não houvesse essa infinita rede de tráfego, cada partícula existiria totalmente isolada das demais, avançando pelo espaço em sua própria órbita, sem interrupção nem desvio. Não poderiam existir corpos compostos por muitas partículas, pois faltaria a força que as mantém nidas. O Universo seria, em conseqüência, um simples acúmulo de par-tícuras. Esse cenário desolador levanta perguntas: porque existe esse tráfego e por que são exatamente esses os mensageiros e não outros? Na busca da resposta, os físicos põem suas espe-ranças numa teoria unificada, capaz de reunir numa só definição matemá-tica a gravitação, o eletromagnetismo e as forças nucleares forte e fraca.

A teoria, porém, ainda permanece no campo dos sonhos. Enquanto isso, alguns físicos estão se entretendo com um jogo que poderia ser denominado Construa um Universo para Brincar. A idéia é simples. O físico assume o papel de um deus criador e, já que não existe ainda nenhuma teoria unificada sobre as forças, tem liberdade para modificar os valores das potências dessas forças, para ver o que acontece depois. Naturalmente, não se pode ver o que ocorre, no sentido literal da palavra, mas se pode calcular e obter a pista de alguns efeitos.

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O caso extremo consiste em desconsiderar totalmente uma força. Por exemplo, se se elimina a gravidade, modifica-se também imediatamente a própria estrutura do Universo. Pois sem a gravitação não existiriam galáxias, estrelas nem planetas. Todos os corpos celestes se converteriam em gás e as massas de gás se distribuiriam sem impedimentos por todos os espaços intergaláticos; o Universo inteiro se transformaria numa única nuvem de gás escura, fria e muito diluída.

Como se isso já não bastasse, sem gravitação não haveria sequer a radiação eletromagnética. Logo, mesmo que existissem estrelas em semelhante Universo, não seria possível vê-las, pois não haveria luz (a luz é uma radiação eletromagnética). Não se poderia ver absolutamente nada e não existiria o calor, nem as ondas radioelétricas, nem os raios X. A força eletromagnética é a interação que mais trabalha para que as diferentes partes do Universo possam estar em contato entre si.

Sem a força nuclear forte, que se encarrega de manter unidos os componentes do núcleo dos átomos, sópoderia haver uma substância básica, o hidrogênio, cujo núcleo consiste em apenas um componente. Além disso, a força forte proporciona todo o calor e a luz que o Sol e as estrelas emitem. A energia necessária para isso éproduzida por reações de fusão nuclear do núcleo dos átomos no interior das estrelas. Durante a fusão, a interação ou força forte contrai os núcleos pequenos para formar outros grandes.

A intexação fraca, de seu lado, muito poucas vezes se intromete diretamente nos assuntos do Universo. Entretanto, tem seu papel nos processos de fusão nuclear a que aludimos. Seu momento de glória é quando explode uma supernova. Os astro-físicos acreditam que as estrelas explodem quando caem dentro de si mesmas, ao terminar todo o combustível utilizado para as reações de fusão nuclear. Na explosão, surgem muitas partículas ínfimas, como os neutrinos, produto da desintegração dos núcleos. Então fica livre uma enorme quantidade de energia que arrasta os neutrinos. Essas partículas só podem ser afetadas pela força fraca (e pela gravitação. muito mais fraca ainda).

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Os neutrinos nascidos da morte da estrela são lançados a distâncias fabulosas pelo Universo. Os elementos pesados – sobretudo o carbono, formado pelas reações nucleares na estrela – acabam espalhados pelo espaço interestelar. Mais tarde, talvez, poderão fazer parte da matéria de um planeta. Assim, pode-se dizer que as substâncias produtoras de vida, existentes na Terra, só estão aqui porque a força fraca cumpriu sua tarefa há muito tempo numa supernova. Nada disso, porém, explica por que existem essas forças. Como físico teórico, parece-me digno de interesse aquilo que a teoria dos mensageiros pode proporcionar como respostas para tais focas.

Segundo essa teoria, trata-se de partículas que sustentam as forças básicas. As partículas mensageiras têm duas facetas decisivas, das quais dependem as propriedades da força que transmitem. A primeira é a massa da partícula (mais exatamente a massa em repouso). A segunda é o giro da partícula ao redor de seu próprio eixo – spin, na linguagem dos físicos. Da massa da partícula mensageira depende o alcance da força: quanto maior for a massa, menor será seu alcance. Segundo a teoria dos quanta, o spin só pode ser um múltiplo da unidade básica da rotação. Logo, será sempre um número inteiro. Se o número for par, a força atuará como atração; se for ímpar, atuará repelindo o objeto.

Os cálculos matemáticos demonstram que nenhuma partícula pode ter um spin maior que 2. O gráviton, de cuja existência se suspeita, é uma partícula mensageira sem massa. Segundo a teoria, essa partícula pode transmitir exatamente aquela força que é relacionada com a gravitação. Ou seja, uma força de longo alcance, que atua sobre todas as partículas da matéria. Isso é exatamente o que se observa na gravitação. O fóton (partícula de luz) é um mensageiro sem massa com spin 1. A massa zero e o spin 1 são quase suficientes para explicar as propriedades da força eletromagnética. Só falta uma condição adicional: os campos a que pertencem as partículas mensageiras devem possuir um tipo especial de simetria.

A força potente no núcleo de um átomo está representada por oito glúons, ou partículas adesivas. Os glúons são partículas sem massa, com spin 1, como o fóton. Mas a especial complexidade da simetria produz certos efeitos incomuns. Por exemplo, os glúons podem atuar uns sobre os outros. Daí resulta que a força forte do núcleo não tem aquele alcance extraordinariamente longo das partículas mensageiras sem massa. Finalmente, no caso da força nuclear fraca, a natureza utiliza uma partícula mensageira cuja massa em repouso não é igual a zero. Com efeito, os bósons W e Z, que transmitem essa força, possuem também uma massa muito grande, mais de oitenta vezes maior que a dos prótons. Em conseqüência, o alcance da força fraca éextremamente pequeno (algo como 1015 em, quer dizer, 1 quadrilionésimo de centímetro).

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Esse apanhado geral mostra que as possibilidades de seleção da natureza são assombrosamente limitadas, quando se contemplam as propriedades das diferentes forças. Teóricos de todo o mundo se esforçam para esclarecer essa realidade e criar uma teoria capaz de abranger todas as forças. Alguns acreditam que já se esteja no limiar do conhecimento possível nessa área e pos a que pertencem as partículas mensageiras devem possuir um tipo especial de simetria.

De acordo com essa idéia, toma-se como ponto de partida a existência de uma grande simetria que abarca todos os campos e assim determina a existência das quatro forças básicas. Nos últimos anos, alguns físicos teóricos têm elaborado uma promissora teoria – a das supercordas (SUPERINTERESSANTE n.12).

Essa teoria diz que as quatro forças básicas se formaram depois do Big Bang, a partir de uma superforça, ao produzir-se o esfriamento progressivo do Universo, de tal modo que elas permanecem invariáveis (simetricamente) frente a determinadas mudanças. Os teóricos acreditam que o Cosmo busca desse modo o estado de menor energia, de acordo com o princípio segundo o qual um sistema físico tenta sempre adotar o estado de consumo mínimo de energia – uma espécie de economia energética em escala cósmica. Assim, por exemplo, um corpo cai sempre para baixo, até que alcance o ponto mais fundo possível, assim como o núcleo de um átomo se divide em dois menores se, juntos, eles têm uma energia menor do que o núcleo inicial. A situação menos energética é a mais estável.

Seria ideal poder demonstrar que existe essa supersimetria e que a formação das quatro forças básicas depois da explosão primordial proporciona o menor estado de energia possível. Mas nem todos os cientistas estão de acordo com a idéia. Muitos partem do pressuposto de que não havia nenhuma razão necessária para que as quatro forças surgissem depois da primeira explosão e, sim, que tudo se passou casualmente, assimetricamente, sem harmonia alguma. Isso pode ser explicado com um exemplo simples.

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Se enchermos um copo com água, cuidadosamente, o nível irá subindo até chegar à borda do copo. Se continuarmos a despejar água, muito lentamente, se formará um pequeno rebordo sobre o copo, devido à tensão superficial da água, até que ela se desfaz repentinamente e a água transborda. Se o recipiente tiver uma borda totalmente lisa, não se poderá predizer em que ponto ocorrerá a ruptura da superfície da água, por ser casual e assimétrica. Isso é também o que poderia ter ocorrido depois do Big Bang: quem sabe houvesse muitas possibilidades em relação à forma de se desenvolverem as forças básicas, a partir da superforça, e só devido a uma casualidade qualquer se formou precisamente a versão que conhecemos atualmente.

Essa teoria é igualmente respeitável e não se pode descartá-la, posto que na natureza, em especial no campo das partículas menores, ocorrem muitos processos imprevisíveis. Todos os teóricos coincidem, no entanto, em que a união das forças depende da energia; quer dizer, quando existem energias muito altas, as diferenças entre as forças são cada vez menores, até que finalmente as quatro forças se igualam totalmente e formam uma única superforça. Para isso são necessárias energias colossais, como as do Big Bang. Depois, com o gradativo esfriamento do Universo, vão aparecendo, de forma cada vez mais nítida, diferentes forças, até que se formem as quatro forças conhecidas.

Mas, se a separação não ocorreu de forma totalmente determinada e previsível, é possível que em diferentes regiões do Universo tenham ocorrido as mais diversaS· formas de desmoronamento. Se em todo o Cosmo háforças diferentes, pode-se imaginar que em alguma região muito distante há, por exemplo, dois tipos diferentes de força eletromagnética coexistindo simultaneamente. Ou partículas mensageiras sem massa e sem spin. Ou ainda alguma variedade de gravitação, que tenha apenas um curto alcance e esteja unida a uma partícula mensageira maciça com spin 2. Por que não?

Se essa especulação for verdadeira, cabe perguntar: por que vivemos precisamente nesta região do Universo? E a resposta é: vivemos precisamente aqui porque existimos. Ou seja, é bem provável que a vida não possa formar-se em outra parte do Universo, se ali reinam outras forças. Nesse caso, não terá sido a natureza que escolheu para nós nossa rede cósmica.

Fomos nós mesmos.

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