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Conheça pessoas reais com super-poderes

Foi-se o tempo em que, para ter superpoderes, era preciso vestir a cueca por cima da calça

Por Pedro Burgos
Atualizado em 27 mar 2017, 17h54 - Publicado em 30 jun 2007, 22h00

Ben Underwood

Superpoder: como os morcegos e os golfinhos, orienta-se usando um sonar natural

Quadro clínico: cegueira

Kim Peek

Superpoder: memória extraordinária.

Quadro clínico: síndrome de Savant, que combina deficiências físicas e mentais com o desenvolvimento anormal de outras faculdades cerebrais.

Michael Phelps

Superpoder: é excepcionalmente adaptado ao meio aquático.

Quadro clínico: aparentemente nenhum.

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Gente normal é capaz de feitos extraordinários: essa é a premissa de Heroes, o maior fenômeno da última temporada televisiva americana. Ao aproximar o telespectador dos tais super-heróis – eles podem estar logo ali na esquina –, o seriado tenta fazer o fantástico parecer verossímil. Para tanto, os roteiristas põem o nome da ciência na roda. Mutações genéticas seriam a explicação das capacidades extraordinárias dos personagens, frutos naturais da evolução da espécie humana.

Balela. Voar, parar o tempo ou atravessar paredes usando apenas a força de vontade nunca vão deixar de ser coisas absurdas. Mas isso não quer dizer que não existam super-heróis. O mundo está cheio de pessoas com habilidades especiais, genéticas ou adquiridas, que desafiam a compreensão dos cientistas. E, como em Heroes, nem por isso deixam de ser normais… mais ou menos.

O Demolidor

Olhando de longe, Ben Underwood é um garoto americano tradicional. Mora no subúrbio, joga videogame, vai ao colégio, anda de patins com habilidade. Mas é só chegar perto dele para ver, ou melhor, ouvir, o que o faz diferente, especial. Enquanto anda, ele faz um clique – um estalo com a boca. Não é um tique nervoso. É emitindo um barulhinho esquisito que ele enxerga. Ou melhor, é assim que ele percebe os obstáculos à sua frente.

Como os golfinhos e morcegos, o rapaz de 15 anos se movimenta por ecolocalização – um dos pouquíssimos seres humanos a desenvolver essa habilidade. Ele emite um som e, a partir da velocidade e volume do eco, é capaz de “enxergar” do que se trata – com seus cliques ele pula obstáculos, diz se é um carro ou uma caminhonete, atinge uma pessoa com uma bola jogando queimada. Foi a maneira que ele encontrou para viver uma vida razoavelmente normal depois de perder a visão, aos 3 anos. “Se eu andasse de bengala, os meninos da escola iriam quebrá-la”, contou à revista americana People este ano.

Seu treinamento foi como em filmes: sua mãe e irmãos mais velhos nunca o trataram com piedade. Na escola, um professor o desafiava depois das aulas perguntando a localização de objetos para que ele melhorasse seus instintos. O próprio garoto testava seus limites. De vez em quando, tentava correr e esborrachava a cara na parede. Levantava, continuava com seus cliques. Aprendeu a “ler” os sons mais rapidamente. Sua audição lhe permite derrotar o irmão em jogos de luta no videogame (pelo som dos personagens ele consegue ver qual golpe está sendo dado) ou jogando pebolim – o som da bola correndo na madeira o ajuda a saber onde deve bater para fazer os gols.

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Ben Underwood tem uma história parecida com a do super-herói Demolidor. Para compensar a cegueira, o diabo vermelho dos quadrinhos e do cinema desenvolveu todos os outros sentidos além do humanamente normal. O moleque americano não combate criminosos – a não ser no videogame. Para além da bela história de superação, que ilustraria livros de auto-ajuda, o exemplo de Ben mostra que seres humanos também são capazes de desenvolver alguns superpoderes que parecem só existir na ficção. Dan Kish, um psicólogo especializado em cegos e estudioso de ecomobilidade diz que Ben “expande os limites da percepção humana”.

O Supercabeção

Rain Man, filme que dominou o Oscar em 1989, tem como protagonista um autista adulto com memória fotográfica. O personagem-título, interpretado por Dustin Hoffman, consegue decorar um catálogo telefônico inteiro, os resultados de todos os jogos de beisebol da história e ler numa velocidade impressionante. Se era incrível nas telas, mais ainda era saber que havia uma pessoa com tais capacidades no mundo real. Kim Peek, “o verdadeiro Rain Man”, como ficou conhecido depois, é capaz disso e de muito mais.

Kim tem síndrome de Savant, uma condição clínica em que os portadores desenvolvem tanto habilidades extraordinárias quanto graves limitações – no caso dele, autismo. Antes dos 2 anos de idade, já decorava as historinhas contadas para ele da primeira vez que ouvia. Aos 3, longe de conseguir andar (muitos savants têm problemas locomotores), já devorava dicionários. Diferentemente das pessoas com muita memória que se interessam por um assunto específico (como datas ou música), o americano de 55 anos domina pelo menos 15 campos, de política e boxe às estradas dos EUA. “Eles me chamam de mega-savant”, costuma dizer. Ao contrário dos outros que têm a síndrome, ele consegue dar sentido às informações espalhadas pelo cérebro e improvisa conexões entre elas. “Ele é o próprio Google”, afirma o médico americano Darold A. Treffert, que estuda a síndrome há 40 anos.

A facilidade em decorar informações é proporcional aos obstáculos da vida cotidiana. Sem muita coordenação motora, precisa de ajuda para se barbear, pentear ou vestir a roupa. Fica descontrolado sem motivo aparente, às vezes fica irritadiço. O que o acalma é a obsessão por conhecimento.

Estimulado pelo pai, Kim é capaz de ficar horas lendo: termina até 8 livros em um dia, um atrás do outro – lembrando 98% de tudo depois. Enquanto uma pessoa comum leva de 2 a 3 minutos para ler uma página, Kim precisa de 8 a 10 segundos. E, de acordo com seu pai, ele consegue ler a página da direita com o olho direito e a da esquerda com o olho esquerdo. Recentemente, Kim foi levado a uma escola de música, e descobriu-se que ele pode reconhecer uma música que ouviu apenas uma vez, nota por nota. Infelizmente não pode freqüentar concertos, pois dá um chilique quando algum músico erra uma passagem.

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Kim Peek foi bastante introvertido até alguns anos atrás, dificilmente olhava as pessoas nos olhos. Mas o filme Rain Man mudou sua vida, já que as pessoas ficaram curiosas em saber quem era a verdadeira enciclopédia ambulante. Dustin Hoffman, impressionado com a capacidade do savant, pediu ao pai de Kim: “Prometa-me uma coisa: divida este homem com o mundo”. Desde então, ele começou a se socializar mais, indo a escolas, instituições de caridade e universidades para dar um pequeno show. Responde a perguntas genéricas dos curiosos, com a vantagem sobre o Google de a resposta sempre ser precisa, instantânea. No final, dá uma pequena palestra, com seu pai, deixando a mensagem: “Todos somos diferentes”.

Cada vez mais bem-humorado e independente, o Google humano desafia os cientistas, que duvidavam que alguém com suas deficiências poderia se desenvolver tanto. Seu talento sem paralelos, mesmo entre os savants, é intrigante. Desde 2004 a Nasa e outros institutos de pesquisa o têm examinado para tentar compreender como um cérebro pode guardar tanta informação. Não é exagero dizer que a cabeça de Kim Peek é um tesouro. “Enquanto não conseguirmos explicar suas habilidades, não poderemos fingir que entendemos a cognição humana”, escreveram Darold A. Treffert e Daniel D. Christensen em artigo da revista Scientific American Mind do ano passado.

O Aquaman

Ano que vem, em Pequim, não se discute muito que atleta vai ganhar mais medalhas. A dúvida é: quantos ouros o nadador Michael Phelps vai levar? Será que ele vai bater o recorde de Mark Spitz, lendário americano que ganhou 7 provas e bateu 7 recordes mundiais em 1972? O rapaz parece disposto a encarar o desafio. Ele não é apenas um superatleta. Seu corpo parece mais à vontade na água.

Não se sabe o quanto da capacidade de Mi­chael vem da genética, o quanto é resultado de treino – afinal, o garoto ainda detém recordes da categoria até 10 anos de idade, desde pequeno esteve na piscina. Mas seu corpo é adaptado. Se uma pessoa normal dividir a própria altura pela distância entre o umbigo e o chão, o resultado será 1,618, a chamada “proporção divina” descrita por ­Leonardo da Vinci. O quociente de Phelps é mais que 1,7. Em outras palavras, suas pernas são curtas, o torso é desproporcionalmente grande. Além disso, ele tem 2 metros de envergadura (contra 1,92 de altura) e pés de 29 centímetros, verdadeiras nadadeiras.

Em natação, os braços são a parte mais importante, já que praticamente puxam o resto do corpo – mais ainda no estilo borboleta, especialidade de Michael. Sendo assim, o americano deveria ter braços fortíssimos, certo? Inexplicavelmente, não. Ele treina diferente: não corre nem faz musculação, ao contrário da maioria dos atletas de ponta no esporte. “Michael é único em várias maneiras. Nos exercícios em terra, é um dos nadadores mais fracos que já medimos”, disse o diretor de fisiologia do time americano de natação, Genadijus Sokolovas, ao jornal Baltimore Sun, da cidade natal do atleta.

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Estudiosos da natação já tentaram entender o que faz Michael mais rápido que os demais. Alguns atribuem o sucesso às suas arrancadas finais: como Lance Armstrong (veja abaixo), ele produz pouquíssimo lactato e guarda as energias para o fim da prova (por isso prefere as mais longas). Sua aparente falta de força é compensada com técnica e hidrodinâmica. Ele nada alguns estilos de maneira um pouco diferente, até “errado” para especialistas (tira muito a cabeça da água em borboleta, por exemplo). Mas o mais interessante é que ele parece não fazer muito esforço para deslizar na água. Um executivo da empresa que fornece material esportivo para ele diz que não consegue ver bolhas nas mãos de Phelps com as braçadas. Agora que Ian Thorpe, o australiano que foi a sensação da Olimpíada de Sydney, se aposentou, o título de “homem-tubarão” parece ter novo dono.

O Capitão Coração

Ter um coração 30% maior que a média não é exatamente normal, mas acontece entre atletas de ponta – afinal, são pessoas que trabalham muito esse músculo, como Lance Armstrong. O coração do maior ciclista da história não passa de 34 batidas por minuto em repouso (os “normais” ficam em 70 bpm) e em alto esforço pode passar de 200. Até aí nada sobre-humano, apenas um pouco extraordinário. Mas não é só isso. Quando uma pessoa faz esforço físico, a taxa de ácido lático nos músculos vai aumentando até ela sentir cansaço, a chamada fadiga muscular. Entre os melhores atletas, a taxa de lactato (que forma o ácido) fica entre 12 µl (microlitros, milionésimos de litro) por quilo a 20 µl/kg. A de Armstrong fica abaixo de 6 µl/kg. Em outras palavras: o homem praticamente não cansa.

O estilo locomotiva, de manter o mesmo ritmo, forte, durante todas as provas é o que o distinguiu dos demais e possibilitou a conquista de 7 títulos consecutivos da Volta da França (entre 1999 e 2005), a mais importante competição do ciclismo de estrada no mundo. O interessante é que, antes de ganhar sua primeira Volta, Armstrong ficou 3 anos parado. Em 1996, descobriu que tinha câncer já em estágio avançado, que ia dos testículos ao cérebro. A chance de sobrevivência era de apenas 3%. “Os médicos disseram no início do tratamento que era de 50% para me deixar mais esperançoso”, escreveu o ciclista no livro De Volta à Vida. Lance enfrentou a quimioterapia e sobreviveu. Mas fez muito mais que isso.

“Na quimioterapia, ele foi obrigado a usar drogas que acabaram dando a ele uma resistência que não teria atingido dentro do tratamento normal. Teoricamente o tumor foi um doping pra ele. Depois do câncer Armstrong melhorou em todas as especificações”, afirma João Gilberto Carazzato, especialista em medicina esportiva da USP.

“Acidentes” com radiação já foram desculpa para a criação de supercriaturas como o Coisa, o Homem-Areia ou o Incrível Hulk. Hoje aposentado, Lance é um herói que usa o seu exemplo em favor da humanidade. Em 1997, abriu uma fundação para lutar contra o câncer, e criou em 2004, junto com uma empresa de material esportivo, a moda das pulseiras com mensagem. A primeira, amarela, teve o dinheiro das vendas – mais de US$ 50 milhões – aplicado em pesquisa sobre a doença.

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O Invasor Telepático

Ele tem um corpo normal, franzino até, nenhuma mutação genética registrada. Mas Derren Brown é provavelmente um dos mais poderosos humanos entre os que não têm “poderes” inatos. Como Eden McCain, ajudante do senhor Bennet em Heroes, o inglês induz pessoas a fazer coisas que não querem. Além disso, consegue “ler mentes” e é proibido de entrar em cassinos por quebrar a banca. Poderes psíquicos, telepatia? Nada disso. Brown é um “ilusionista psicológico”. O inglês é famoso em seu­­ ­pa­­ís, com um programa popular na TV (Mind Control, que passou no Brasil pelo canal GNT).

Derren se interessou pela arte do convencimento em um show de hipnose, quando ainda estava na faculdade. Começou a ler e desenvolver as próprias técnicas de cold reading (“leitura fria”), maneiras de “ler” o que as pessoas pensam por meio de seus gestos, alterações na fala, educação, história pessoal, etnia etc. Depois de fazer um perfil mental do interlocutor, ele aplica o princípio do chamado “efeito Barnum”: as pessoas prestam mais atenção nas coisas que querem ouvir.

Levando esse conceito ao extremo e associando isso a técnicas de hipnose e uma excelente memória, Brown consegue convencer as pessoas a fazer coisas de que até elas mesmas duvidam. Em um episódio de seu programa converteu uma multidão de ateus ao cristianismo. Ele “desfez a mágica” meia hora depois. Um de seus truques mais famosos é adivinhar o que alguém desenhou, sem ver. Para fazer isso, ele simula a percepção subliminar: antes de designar a tarefa, espalha imagens, palavras e sons que, sem que a pessoa que vai desenhar perceba, influenciam suas decisões. Espécie de Mister M dos que dizem ter habilidades psíquicas, costuma explicar o truque no final de seus programas. Mas como todo bom mágico, sempre se esquece de ensinar algumas técnicas, justamente as mais impressionantes.

O Homem Elástico

Se fôssemos montar um time de super-heróis imitando os dos quadrinhos, a vaga de homem elástico ficaria com Garry Turner. Uma mutação genética conhecida como síndrome de Ehlers-Danlos faz com que o inglês de 38 anos tenha uma grave falta de colágeno no corpo. Suas juntas são moles – ele pode se dobrar e ficar em posições de fazer inveja aos melhores contorcionistas, Além disso, sua pele é extremamente elástica. A doença pode ser gravíssima e até matar, mas, na variação que acomete Garry, que atinge 1 em cada 593 milhões de pessoas no mundo, segundo o próprio, só o faz ser mais “divertido”. “As crianças adoram brincar com minha pele”, disse numa entrevista à TV holandesa.

A maleabilidade do corpo de Garry rendeu duas entradas no livro dos recordes: maior número de pregadores presos à face (158 peças, sem colocar nos lábios) e maior elasticidade da pele – ele levantou 15 cm de pelanca da sua barriga magricela. Garry não reclama de ser chamado de aberração e até lucra com isso, excursionando com um circo, espécie de show de horrores, pelo Reino Unido.

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