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Inteligência artificial: é hora de regulamentar?

Cresce o movimento para impor restrições ao desenvolvimento das IAs "antes que seja tarde". A intenção é nobre, mas a história mostra que faz pouco sentido.

Por Alexandre Carvalho
19 Maio 2023, 10h13

O Writers Guild of America West (WGA), que é o sindicato dos roteiristas de Hollywood, convocou uma greve de seus profissionais no dia 2 de maio. Acontece de vez em quando: a última tinha rolado em 2007, deixando um monte de séries e programas de TV na mão. Só que agora a pauta de reivindicações tem uma novidade que, há seis meses, soaria como ficção científica: os roteiristas querem garantias contratuais de que não serão substituídos por sistemas de inteligência artificial

O WGA diz o seguinte: “IA não pode escrever ou reescrever material” e “não pode ser usada como conteúdo de origem [para um roteiro]”. 

Parece exagero, mas não é. Tanto que o outro lado, a entidade que representa os estúdios e os canais de streaming, rejeitou essa demanda. Não quis descartar a possibilidade. Faz sentido.

Os sistemas modernos de IA vinham sendo desenvolvidos por várias companhias longe dos olhos do público. Até que uma delas, a OpenAI, decidiu abrir o seu para quem quisesse testar, em novembro do ano passado. Era o ChatGPT. E o resto é história.

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Porque foi um salto quântico. Bots de conversação sempre pareceram inteligentes como uma porta. Ele não. Peça um longo artigo sobre Direito Patrimonial, e o ChatGPT escreverá algo inédito, talvez bom o bastante para entrar numa tese de mestrado. Peça um script de seriado sobre um corretor da bolsa que precisa lidar com um divórcio e uma crise econômica global ao mesmo tempo e… Testamos aqui:  

“Título: Mercado em Queda”

Episódio 1: “Desafios na bolsa”

O agitado salão de negociação está repleto de corretores gritando, telas piscando com os preços das ações e o caos geral do mercado. Entre a multidão está Pedro Almeida (40 anos), um experiente corretor da bolsa conhecido por sua expertise para lidar com situações de alta pressão.

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Pedro volta para casa, visivelmente estressado. Ele encontra sua esposa, Luciana Almeida, sentada no sofá, com expressão abatida. “Pedro, precisamos conversar. Não aguento mais (…)”

Ok. Não é exatamente um Breaking Bad. Mas, vindo de um sistema que simplesmente recombina palavras sem “saber” o que cada uma significa, impressiona. Isso acontece porque a coisa usa algoritmos de deep learning. Ele imita o cérebro humano, aprendendo sozinho a partir de basicamente todo o conteúdo já produzido pela humanidade.

O sistema avalia quais palavras costumam aparecer próximas umas das outras em determinados contextos, e as recombina na forma de conteúdo inédito. Não é tão diferente daquilo que um cérebro humano faz – bebês aprendem a falar usando um mecanismo análogo.

Conforme a capacidade desses sistemas for aumentando, a qualidade da entrega também sobe. Daí em diante, as consequências seriam imprevisíveis.

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O perigo real

“Podemos em breve nos ver em longas discussões online sobre aborto, mudança climática ou a invasão russa da Ucrânia com entidades que pensamos ser humanas, mas na verdade são IA”, afirmou Yuval Noah Harari, autor de Sapiens. “O problema é que é totalmente inútil gastar tempo tentando mudar as opiniões de um bot, enquanto a IA pode aprimorar suas mensagens com tanta precisão que terá uma boa chance de nos influenciar.”

Esse é um ponto particularmente perigoso. Pense na política. Até outro dia, o tempo de horário eleitoral gratuito era a grande arma de influência para vencer eleições. Isso acabou. Hoje são as redes sociais que mandam. 

E nas eleições de 2026? A essa altura, os sistemas de IA talvez estejam tão inseridos na nossa vida quanto a Scarlett Johansson do filme Her (2013) – ali, ela é a voz de um sistema operacional inteligente, pelo qual o protagonista (Joaquin Phoenix) se apaixona. Caso a empresa por trás de uma IA “amiga” no futuro próximo queira eleger um presidente da República, ela terá chances razoáveis se programá-la com um viés favorável ao seu candidato preferido. Uma boa IA pode ser completamente capaz de simular uma relação de afeto com o usuário, afinal. E damos mais ouvidos aos nossos entes queridos do que a qualquer forma de propaganda.

O caminho para uma realidade assim parece pavimentado. O sucesso do ChatGPT criou uma corrida do ouro entre as big techs. Todas, em uníssono, passaram a investir bilhões de dólares no desenvolvimento de sistemas mais potentes de IA. E isso acendeu uma luz vermelha.   

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Em março, uma carta aberta, assinada por centenas de acadêmicos e nomes-chave da tecnologia (gente como Steve Wozniak e Elon Musk), pediu a paralisação imediata, por pelo menos seis meses, dessa corrida. E que a pausa seja usada para a implementação de um conjunto de protocolos de segurança para design e desenvolvimento avançados de IA. “auditados e supervisionados por especialistas externos independentes”.

O texto questiona: “Devemos automatizar todos os trabalhos, incluindo os satisfatórios? Devemos desenvolver mentes não humanas que em algum momento nos superem em número, sejam mais inteligentes e nos substituam? Devemos arriscar perder o controle de nossa civilização?”

A dificuldade de atender a esse pedido, porém, está justamente no quanto ainda não sabemos do potencial da IA. O que exatamente é preciso tornar mais seguro? Quando a carta fala em “arriscar perder o controle de nossa civilização”, não explica como isso ocorreria. Simplesmente porque se trata de um chute no escuro.

A parte da perda dos empregos é mais sólida. Ela simplesmente acontece sempre que chega uma tecnologia que substitua a capacidade humana com maior eficiência – que o digam os artesãos ingleses que se rebelaram contra a Revolução Industrial no século 18, queimando máquinas de tecelagem. A história, por outro lado, mostra que esse tipo de evolução constrói riqueza. 

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Na década de 1990, era preciso ser relativamente rico para ter um computador em casa. Hoje, 118 milhões de brasileiros são usuários de smartphones, cada um com poder de computação ordens de grandeza superior ao dos melhores computadores do final do século 20. 

Podemos não saber qual será o futuro do mercado de trabalho numa realidade em que sistemas de IA se encarreguem de mais tarefas. Porém faz parte do jogo: os artesãos britânicos também não sabiam, mas o fato é que seus descendentes vivem hoje melhor do que eles.  

A regulamentação mais sensata que pode existir não deve ser no desenvolvimento da inteligência artificial, e sim no mau uso dela. Quem explorá-la para manipular eleições ou coisa que o valha deve ser punido com o rigor da lei. Ponto.

Colocar freios no desenvolvimento tecnológico é um esforço em vão desde a invenção da roda. Enquanto a IA não pensar sozinha em planos de extermínio que, por ora, só existem na ficção científica, essa roda deve continuar girando para a frente.

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