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Invasão de formigas está alterando a estratégia de caça dos leões

Aumento na quantidade desses insetos no Quênia causa uma reação em cadeia que reduz a quantidade de árvores - e deixa os leões sem a cobertura necessária para emboscar zebras

Por Caio César Pereira
Atualizado em 29 jan 2024, 17h58 - Publicado em 29 jan 2024, 17h53

Os leões (Panthera leo) estão no topo da cadeia alimentar. Logo, é de se imaginar que esses animais não possuam nenhum inimigo ou rival à altura, certo? Bem, mais ou menos. Uma recente pesquisa mostrou que eles vêm enfrentando um desafio vindo de um animal quase mil vezes menor: a formiga de cabeça grande (Pheidole megacephala).

Publicada na revista Science, a pesquisa mostra que pequenas alterações no ecossistema, como em um efeito borboleta, são responsáveis por alterar toda uma cadeia de ações. Isso porque, a presença da formiga de cabeça grande, uma espécie de formiga invasora, afeta de forma direta os hábitos de caça dos felinos.

Tudo começa como um grande efeito dominó. A Vachellia drepanolobium, chamada de árvore de espinho-que-assobia, ou acácia assobiadora (whistling-thorn tree, no original), é uma espécie de acácia da região das savanas africanas que desenvolveu uma relação mutualística de longa data com uma espécie de formiga nativa, a formiga de acácia do gênero Crematogaster.

Só para relembrar. Relações ou interações do tipo mutualístico são relações ecológicas do tipo harmônica interespecífica, nas quais indivíduos de espécies diferentes (daí o interespecífico), interagem e se beneficiam mutuamente. Como exemplo, temos a própria relação entre a formiga de acácia e a acácia assobiadora. 

Funciona assim. A acácia assobiadora acaba servindo como moradia e alimento para as formigas. Em troca, esses insetos ajudam as acácias a sobreviver às investidas dos elefantes, ao picarem e morderem esses animais quando eles tentam se alimentar das folhas. 

Essas acácias também são importantes na tática de caça dos leões. Ao espreitar sua presa (geralmente zebras, nesse caso), os felinos costumam se esconder atrás das folhagens dessas árvores, de forma que o alvo não os perceba antes de iniciarem o ataque. 

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Porém, por melhores que sejam essas relações mutualísticas, elas dependem do equilíbrio do ecossistema, e é justamente a falta dessa árvore onde está todo o problema. A formiga de cabeça grande é uma espécie invasora (provavelmente introduzida na região por ação humana), e mesmo com um tamanho tão pequeno, ela pode causar um estrago bem grande.

 

 

Isso porque, ao chegarem na região, elas começaram a se alimentar das formigas de acácia nativas, destruindo seus ovos, larvas e pupas. Você até poderia pensar que até aí tudo bem, já que elas também poderiam picar e afastar os elefantes, mas não.

Ao contrário das formigas de acácia, as de cabeça grande fazem seus ninhos no chão, e não defendem a árvore contra herbívoros, como os elefantes. Assim, os elefantes se alimentam das acácias, acabando com o esconderijo que os leões utilizavam durante a caça às zebras.

“Como os leões precisam de cobertura para caçar com sucesso e emboscar suas presas, eles ficam mais expostos quando há menos árvores para se esconder atrás, o que parece tornar mais difícil para eles derrubar com sucesso a zebra”, disse no comunicado à Science o professor Todd Palmer, da Universidade da Flórida, um dos autores do estudo.

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O estudo foi realizado no Ol Pejeta Conservancy, uma unidade de conservação no Quênia. Para chegar ao resultado, os pesquisadores utilizaram coleiras com GPS em grupos de leões locais, para registrar seus movimentos e os locais de caça dos felinos. Nesses locais, eles mediram a cobertura vegetal das acácias, além de indicar a presença ou não das formigas cabeçudas.

Em seguida, eles combinaram os dados obtidos com uma análise computacional chamada análise de caminho aninhado, que mostra como diferentes fatores alteraram as taxas de mortes de zebras na região. Os resultados confirmaram que os locais onde as formigas cabeçudas estavam presentes apresentaram uma taxa menor de cobertura das acácias, bem como uma diminuição nas mortes de zebras.

“A boa notícia é que a população de leões não diminuiu desde o início da invasão. Neste tipo de situação, esperaríamos que a população de leões diminuísse, mas isso não aconteceu”, disse à Science Douglas Kamaru, ecólogo da Universidade de Wyoming e um dos autores do estudo.

As populações de leões não foram alteradas pois os animais se adaptaram, e passaram a caçar búfalos ao invés das zebras. As táticas de caça aqui são um pouco diferentes. Sendo animais maiores, eles são um pouco mais pesados, de forma que o diferencial no ataque não é tanto a surpresa de se esconder, mas sim um grupo maior de leões cooperando para a caça.

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A adaptação dos leões, no entanto, não significa que está tudo bem na região. Em lugares como a Austrália, por exemplo, elas já causam estragos. E, caso continuem se alastrando, as árvores das acácias podem desaparecer, e elas não são alimentos somente para os elefantes. Outros herbívoros, como girafas e rinocerontes também se alimentam dela, de forma que seu desaparecimento pode alterar todo o ecossistema da região. 

É como em um dos principais ensinamentos que Mufasa deu para seu filho Simba no clássico “O Rei Leão”: o quão complexo e intrincado é o equilíbrio do ciclo da vida. “Muitas vezes falamos sobre conservação no contexto das espécies. Mas são as interações que são a cola que mantém todo o sistema unido”, conclui Palmer.

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