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Jatos de partículas sobre a Terra

Os zevatrons são os raios cósmicos mais potentes a atingir o planeta. Eles entram na atmosfera a 99,9999% da velocidade da luz.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 30 jun 1996, 22h00

Augusto Damineli Neto

A estatística diz que, pelo menos uma vez por século, cada quilômetro quadrado da Terra é bombardeado por um trilhão de partículas de altíssima energia vindas do espaço. Isso quer dizer que, mesmo que você não perceba (e realmente não percebe), há grande chance de já ter sido atravessado por elas. Essas partículas, chamadas zevatrons, são os raios cósmicos mais potentes que atingem o planeta. Eles vêm de todas as direções, atravessam a atmosfera trombando com os átomos do ar e chegam à superfície na forma de um chuveiro que dura apenas um milionésimo de segundo.

Afora isso, pouco se sabe dessas partículas de altíssima energia (que aqui significa altíssima velocidade). Mas cientistas de dezenove países estão resolvidos a desvendar alguns de seus mistérios. A partir de junho de 1999, deve entrar em operação um superobservatório, próximo à cidade argentina de Las Leñas. Ele terá 1 600 detectores espalhados por uma área de cerca de 4 000 quilômetros quadrados. Junto com outro equipamento, idêntico, no hemisfério norte, ele vai se transformar no mais poderoso caçador de zevatrons. E o Brasil estará nessa busca, chamada projeto Auger.

Ninguém sabe ao certo de que os zevatrons são feitos. Calcula-se que sejam compostos basicamente de prótons (núcleos do átomo de hidrogênio), que normalmente dominam os raios cósmicos de maior energia. A Terra é também bombardeada por outros raios, mais fracos, que são uma mistura de núcleos atômicos de vários elementos químicos, na mesma proporção em que esses elementos aparecem nas estrelas. Isso dá uma dica sobre sua origem: poderiam sair das explosões estelares.

É muito difícil precisar a fonte direta das partículas. Elas despencam sobre a Terra de maneira uniforme e, porque têm carga elétrica, se enroscam no campo magnético dos astros, espalhando-se para todos os lados. O campo magnético da Via Láctea forma uma espécie de caixa cheia de raios cósmicos que circulam entre as estrelas por até 1 milhão de anos, antes de escaparem para o espaço intergaláctico. Para os zevatrons, a dificuldade é ainda maior. Eles têm tanta energia (veja o infográfico abaixo), que a caixa magnética da Galáxia não consegue aprisioná-los. Os que chegam por aqui vieram de fora.

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Por outro lado, não podem ter vindo de muito longe. Isso porque eles perdem muito rapidamente sua imensa energia. Em sua alucinante viagem entre uma galáxia e outra, basta colidir com um fóton, uma partícula de luz, para ser freado. Os cálculos indicam que os zevatrons que chegam aqui saíram de algum ponto a 80 milhões de anos-luz da Terra, no máximo, e atravessaram todo o espaco a uma velocidade 99,9999% a da luz.

Como os zevatrons são acelerados é outra dúvida. Os raios cósmicos menos energéticos são provavelmente empurrados pelo espaço por supernovas – explosões de estrelas no final da vida. Nessas explosões, eles receberiam um impulso inicial de 10 000 quilômetros por segundo. Em sucessivos encontros com outras supernovas, a velocidade iria aumentando e a partícula, se transformando gradualmente num raio cósmico de alta energia. Mesmo assim, não chegaria à velocidade e à energia de um zevatron.

Há uma hipótese exótica: os zevatrons seriam criados a uma energia até mil vezes maior, para depois perdê-la. Isso aconteceria em choques das chamadas cordas cósmicas – filamentos de matéria que vagariam pelo espaço, como “defeitos” resultantes da evolução do Universo. Extremamente densos – 10 quilômetros de filamento concentrariam uma quantidade de matéria igual à da Terra –, elas poderiam colidir entre si, formando algo como “nós”. Os nós em seguida explodiriam, gerando zevatrons. Apesar de parecer delirante, essa idéia se encaixa bem nas características dos raios cósmicos de altíssima energia.

Os zevatrons foram descobertos há trinta anos. Mas até agora só se conseguiram capturar oito chuveiradas deles. Isso, apesar de existirem alguns grandes detectores nos Estados Unidos, Rússia e Japão. Por isso o projeto Auger, com o observatório de Las Leñas, é importante. Segundo o físico Carlos Escobar, da Universidade de São Paulo, líder da equipe brasileira, espera-se detectar quarenta zevatrons por ano. Ou seja, em apenas três meses, já se terá ultrapassado a quantidade de informações que se tem hoje.

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Em tempo: não se preocupe com eventual chuva de zevatrons que tenha atingido você algum dia. A única conseqüência disso é o deslocamento de umas poucas moléculas do seu corpo. Nesse caso, os raios cósmicos de energia mais baixa – que nos atingem à taxa de mil a cada segundo – representam riscos bem maiores. Se eles mexerem com moléculas de DNA, responsáveis pela transmissão dos códigos genéticos, podem provocar mutações. Alguns cientistas acreditam até que as chuvas de raios cósmicos de vários níveis de energia podem ser o motor da evolução das espécies. Mas essa já uma outra história.

Augusto Damineli Neto é doutor em Astrofísica pelo Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo

Chuveirada extragaláctica

Partículas cósmicas de altíssima energia entram na atmosfera e vão arrancando pedaços de átomos pelo caminho.

1 – Os zevatrons vêm de fora da Via Láctea e mergulham na atmosfera da Terra. No choque com os átomos do ar, eles se arrebentam, espirrando um monte de outras partículas – coisas de nomes esquisitos, como píons, káons e mésons.

2 – As partículas produzidas na primeira etapa colidem com novos átomos e liberam elétrons, neutrinos e fótons de raios gama. Os choques se sucedem atmosfera abaixo, espirrando cada vez mais partícula

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3 – No final da cascata, já na superfície da Terra, uma área de um quilômetro quadrado recebe o bombardeio de um trilhão de partículas num milionésimo de segundo.

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