Leão-marinho treinado ritmicamente desafia a compreensão da biomusicalidade
O animlazinho encontra a batida de músicas em 15 milissegundos, se saindo melhor que humanos.

Em 2013, o mundo pop da ciência não era dominado por boybands ou estrelas da música, e sim por uma dançarina peculiar: Ronan, uma leoa-marinha que não só conseguia balançar a cabeça no ritmo, mas também ajustar os movimentos a tempos e músicas que ela nunca tinha ouvido antes. Agora, anos depois dos seus dias de palco, esse animalzinho é a peça central de um novo estudo sobre biomusicalidade.
A biomusicalidade é um campo novo na pesquisa animal, resultante do casamento entre a biologia e a psicologia. Neste ramo, as pesquisas são focadas em entender se diferentes espécies reconhecem músicas, principalmente seu ritmo e batida.
No novo estudo, publicado na Scientific Reports, um time de cientistas da Universidade da Califórnia em Santa Cruz mostrou que a sincronização dos movimentos de Ronan ao ritmo da música era tão boa – ou até melhor – do que a de humanos, e que sua habilidade em se manter no ritmo era melhor do que a nossa.
Para a comparação, os autores do estudo pediram para que 10 estudantes da universidade movessem um braço ao som de um ritmo de percussão. Os tempos variaram entre 112 batidas por minuto (bpm) (como o ritmo de Like a Prayer, da Madonna), 120 bpm (Bad Romance, Lady Gaga), 128 bpm (Don’t Stop the Party, Pitbull).
Ronan também entrou em contato com os mesmos tempos, porém, previamente o animal só tinha escutado e treinado seu reconhecimento em 120 bpm. De acordo com Peter Cook, autor principal da pesquisa, a leoa-marinha encontra a batida em 15 milissegundos e atinge as notas no mesmo tempo, em média.
Veja o vídeo comparativo:
“Ela é incrivelmente precisa, com uma variabilidade de apenas um décimo de um piscar de olhos de ciclo para ciclo”, disse Cook em comunicado. “Às vezes, ela pode atingir a batida cinco milissegundos antes, às vezes pode atingi-la 10 milissegundos depois. Mas ela está basicamente atingindo o alvo rítmico repetidamente.”
Os autores do estudo então usaram o desempenho dos alunos para modelar o desempenho teórico de 10.000 humanos realizando o mesmo comportamento. Ronan estava no 99º percentil em confiabilidade na manutenção do ritmo nesses modelos.
O pesquisador alerta que ela não é punida nem privada de comida caso decida não colaborar. Seu treinamento respeita sua autonomia, permitindo que inicie e interrompa os testes quando quiser.
O laboratório de estudos é liderado por Colleen Reichmuth, da UC Santa Cruz, que utiliza métodos cooperativos para estudar o comportamento e a fisiologia de mamíferos marinhos. Animais residentes, como Ronan, participam de diversos projetos sobre memória, percepção sensorial e mergulho.
Ao longo de 12 anos, Ronan participou de cerca de 2.000 exercícios rítmicos breves, com longos intervalos entre eles. Segundo Cook, sua exposição ao ritmo é mínima se comparada ao que um bebê de um ano costuma ouvir.
Para Reichmuth, um dos principais resultados do estudo com a leoa-marinha é mostrar que maturidade e experiência influenciam no desempenho rítmico, que está ligado à cognição e à capacidade de refinar comportamentos com o tempo. Ronan participa dos testes por vontade própria, encarando-os como um jogo.
Veja as gravações que comparam a diferença entre a performance de Ronan em 2013 e 2024:
Mas o estudo não deve se limitar aos leões marinhos. Papagaios, primatas e até cães podem passar pelo experimento. Cook comenta que, embora cães convivam com música, raramente são treinados de forma sistemática para dançar ritmadamente. Ele acredita que, com treino adequado, raças como border collies poderiam ter desempenho semelhante.
No fundo, os estudos buscam entender a evolução da cognição, o reconhecimento de padrões e como diferentes cérebros interpretam o mundo.