Marcas na superfície de Marte não são sinais de água, como se pensava
Utilizando IA para analisar um banco de dados de mais de 500 mil marcas no solo marciano, pesquisadores revolucionam o que se imaginava sobre o planeta vermelho

O solo de Marte é cheio de marcas, estrias que serpenteiam as encostas do planeta. Já faz mais de 50 anos desde a primeira vez que elas foram identificadas, durante a missão Viking, da Nasa. Algumas são duradouras, outras somem e aparecem sazonalmente. Elas podem se estender por centenas de metros. Se você imaginou que pudessem ter sido causadas pelo curso de um corpo d’água, não foi o único.
A origem das manchas é um tema quente entre os astrônomos e outros cientistas que estudam Marte. O planeta é extremamente seco e as temperaturas são baixíssimas, raramente acima de 0ºC. A ocorrência de água seria improvável, mas não impossível. E era a principal explicação para essas marcas.
Alguns cientistas acreditavam que o planeta poderia ter pequenos reservatórios de água, talvez provenientes de gelo enterrado, aquíferos subterrâneos ou ar excepcionalmente úmido. Em condições muito específicas, essa água poderia criar um fluxo na superfície e deixar marcas como as de um rio. Se isso fosse verdade, essas manchas poderiam ser a primeira pista de um ambiente habitável por humanos em Marte.
Agora, uma nova descoberta refuta essa teoria e sugere que as marcas não são causadas por água. Os pesquisadores treinaram uma ferramenta de inteligência artificial (IA) para analisar um conjunto de dados de mais de 86 mil imagens de satélite de alta resolução dessas faixas.
Assim, eles criaram o primeiro mapa global das faixas de declive marcianas, catalogando mais de 500 mil marcas individuais na superfície do planeta.
“Quando obtivemos esse mapa global, pudemos compará-lo com bancos de dados e catálogos de outras coisas, como temperatura, velocidade do vento, umidade, atividade de deslizamento de rochas e outros fatores”, disse Valentin Bickel, um dos pesquisadores, em comunicado. “Assim, poderíamos procurar correlações em centenas de milhares de casos para entender melhor as condições sob as quais essas características se formam.”
Os achados sugerem que as marcas são causadas por elementos bem mais secos do que se pensava: deslizamentos de vento e poeira seriam o suficiente. O estudo foi publicado na última segunda-feira (19) na revista científica Nature.
A análise geoestatística revelou que as marcas não aparecem em locais onde se espera encontrar sinais de água líquida ou geada. Seria de se imaginar, por exemplo, que estivessem relacionadas com a oscilação do terreno, ou em regiões de umidade e temperaturas excepcionais.
Em vez disso, o estudo constatou que as marcas são mais comuns em áreas com ventos mais fortes e maior atividade de poeira.
As faixas no solo seriam formadas, então, pelo rastro de poeira fina após um deslizamento. Podem existir muitas causas, mas locais de impactos recentes ou frequentes são mais propícios, já que o choque pode soltar a poeira.
A descoberta é importante para compreender melhor a história geológica de Marte, e orientar os futuros esforços de exploração do planeta. Para os cientistas e agências espaciais, é sempre melhor descobrir o quanto for possível por meio de estudos remotos – afinal, enviar uma expedição ou satélites para outros planetas é uma operação muito mais cara.