Mundo caminha para um perigoso aquecimento de 2,7 °C neste século
O furacão Helene nos EUA, o super tufão Yagi no Vietnã, incêndios florestais no Canadá e o leito seco do Amazonas no Brasil: desastres naturais sem precedentes.
Thomas Newsome é professor-associado de ecologia global na Universidade de Sidney. William Ripple é professor emérito e diretor do programa de cascatas tróficas da Universidade do estado do Oregon. O texto abaixo saiu originalmente no site The Conversation, que publica artigos escritos por pesquisadores. Vale a visita.
Não é preciso olhar muito longe para ver o que as mudanças climáticas estão fazendo com o planeta. A expressão “sem precedentes” está por toda parte este ano.
Estamos vendo tempestades tropicais sem precedentes que se intensificam rapidamente, como o furacão Helene no leste dos Estados Unidos e o super tufão Yagi no Vietnã. Incêndios sem precedentes no Canadá destruíram cidades. Uma seca sem precedentes no Brasil secou enormes rios e deixou grandes extensões de leitos de rios vazios. Pelo menos 1.300 peregrinos morreram durante o Hajj deste ano em Meca, quando as temperaturas ultrapassaram 50°C.
Infelizmente, estamos caminhando para algo muito pior. O novo relatório Estado do Clima 2024, produzido por nossa equipe internacional de cientistas, é mais um alerta grave sobre a intensificação da crise climática. Mesmo que os governos cumpram suas metas de emissões, o mundo poderá atingir 2,7°C de aquecimento – quase o dobro da meta do Acordo de Paris de 1,5°C. Todos os anos, monitoramos 35 “sinais vitais” da Terra, desde a extensão do gelo marinho até a situação das florestas. Este ano, 25 deles estão em níveis recordes, todos com tendências na direção errada.
Os seres humanos não estão acostumados a essas condições. A civilização humana surgiu nos últimos 10 mil anos sob condições benignas – nem muito quente, nem muito frio. Mas esse clima habitável está agora em risco. No tempo de vida de nossos netos, as condições climáticas serão mais ameaçadoras do que qualquer coisa que nossos parentes pré-históricos teriam enfrentado.
Nosso relatório mostra um aumento contínuo nas emissões de combustíveis fósseis, que permanecem no nível mais alto de todos os tempos. Apesar de anos de advertências dos cientistas, o consumo de combustíveis fósseis de fato aumentou, levando o planeta a níveis perigosos de aquecimento. Embora as energias eólica e solar tenham crescido rapidamente, o uso de combustíveis fósseis é 14 vezes maior.
Este ano também está sendo considerado o mais quente já registrado, com temperaturas médias diárias globais em níveis recordes durante quase metade de 2023 e grande parte de 2024.
No próximo mês, líderes mundiais e diplomatas se reunirão no Azerbaijão para as negociações climáticas anuais das Nações Unidas, a COP-29. Os líderes terão de redobrar seus esforços. Sem políticas muito mais fortes, as mudanças climáticas continuarão a se agravar, trazendo consigo mais frequentes e extremas condições climáticas.
Má notícia em cima de má notícia
Ainda não resolvemos o problema central: a queima rotineira de combustíveis fósseis. As concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa — especialmente metano e dióxido de carbono — ainda estão aumentando. Em setembro do ano passado, os níveis de dióxido de carbono na atmosfera atingiram 418 partes por milhão (ppm). Em setembro deste ano, ultrapassaram 422 ppm. As emissões de metano, um gás de efeito estufa altamente potente, tem aumentado em uma taxa alarmante apesar das promessas globais de combatê-las.
Para piorar o problema, esforços para reduzir a poluição levaram ao recente declínio dos aerossóis atmosféricos. Essas pequenas partículas suspensas no ar são provenientes tanto de processos naturais quanto humanos e têm ajudado a resfriar o planeta. Sem esse efeito de resfriamento, o ritmo do aquecimento global pode se acelerar. Não sabemos ao certo porque os efeitos dos aerossóis ainda não foram medidos suficientemente bem.
Outras questões ambientais estão agora contribuindo para as mudanças climáticas. O desmatamento em áreas críticas, como a Amazônia, está reduzindo a capacidade do planeta de absorver carbono naturalmente, o que gera um aquecimento adicional. Isso cria um ciclo autoalimentado em que o aquecimento causa a morte das árvores, o que, por sua vez, aumenta as temperaturas globais.
A perda de gelo marinho é outro problema. À medida que o gelo marinho derrete ou deixa de se formar, a água do mar, mais escura, fica exposta. O gelo reflete a luz solar, mas a água do mar a absorve. Em escala maior, isso altera o albedo da Terra (o grau de reflexão da superfície) e acelera ainda mais o aquecimento.
Nas próximas décadas, o aumento do nível do mar representará uma ameaça crescente para as comunidades costeiras, colocando milhões de pessoas em risco de deslocamento forçado.
Acelerar as soluções
Nosso relatório enfatiza a necessidade de um fim imediato e abrangente do uso rotineiro de combustíveis fósseis.
Ele exige um preço global para o carbono, definido em um nível alto o suficiente para reduzir as emissões, principalmente dos países ricos com emissões altas.
A introdução de políticas eficazes para reduzir as emissões de metano também é fundamental, dada a alta potência do metano como gás estufa e sua curta vida “útil” na atmosfera. A redução rápida dos níveis de metano poderia diminuir a taxa de aquecimento do planeta no curto prazo.
Soluções climáticas naturais, como o reflorestamento e a restauração do solo, devem ser implementadas para aumentar a quantidade de carbono armazenada na madeira das árvores e em terra. Esses esforços devem ser acompanhados de medidas de proteção de áreas propensas a incêndios florestais e secas. Não faz sentido plantar florestas se elas vão queimar.
Os governos devem introduzir ainda políticas de uso da terra mais rígidas para reduzir as taxas de desmatamento e aumentar o investimento em gestão florestal, para reduzir o risco de incêndios grandes e devastadores e incentivar o uso sustentável da terra.
Não podemos deixar de lado a justiça climática. As nações mais pobres são as que menos contribuem para as emissões globais, mas geralmente são as mais afetadas pelos desastres climáticos.
As nações mais ricas devem fornecer apoio financeiro e técnico para ajudar esses países a se adaptarem às mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões. Isso pode incluir investimentos em energia renovável, melhoria da infraestrutura e financiamento de programas de preparação para desastres.
No âmbito internacional, nosso relatório pede compromissos mais fortes dos líderes mundiais. As políticas globais atuais são insuficientes para limitar o aquecimento a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.
Sem mudanças drásticas, o mundo está a caminho de aproximadamente 2,7°C de aquecimento neste século. Para evitar pontos de inflexão catastróficos, os países devem fortalecer suas promessas climáticas, reduzir a dependência de combustíveis fósseis e acelerar a transição para a energia renovável.
Mudanças políticas imediatas e transformadoras são necessárias agora se quisermos evitar os piores efeitos das mudanças climáticas.
As mudanças climáticas já estão aqui. Mas podem ficar muito, muito pior. Ao reduzir as emissões, impulsionar soluções naturais e trabalhar em prol da justiça climática, a comunidade global ainda pode se defender da pior versão do nosso futuro.