No dia que houver aurora no Brasil, estaremos em maus lençóis
EUA, Argentina e África do Sul registraram céus coloridos nesta quinta (11). Dá até uma invejinha. Mas você não ia querer que o fenômeno chegasse aqui.
Nesta quinta-feira (10), várias pessoas ao redor do planeta se depararam com uma cena rara: auroras boreais visíveis através de suas janelas, sem necessidade de uma expedição até o Círculo Polar Ártico.
Os registros rolaram em lugares variados dos dois hemisférios — de cidades interioranas, como Fish Creek, na Austrália, até megalópoles como Nova York. Se localidades bem distantes dos polos conseguiram ver esse fenômeno, o que impede que ele aconteça também no Brasil?
Bom, aqui vale uma breve explicação sobre o que são auroras boreais. Nos bastidores, essas fitas dançantes são eventos bastante violentos. As luzes são resultado da colisão de partículas eletricamente carregadas oriundas do Sol com as moléculas de oxigênio (O2) e nitrogênio (N2) da atmosfera a uma velocidade de “meros” 72 milhões de km/h.
O campo magnético da Terra redireciona essas partículas — o chamado vento solar, que é um plasma, o quarto estado da matéria — em direção aos polos, na regiões do Ártico e da Antártida. É por isso que existem a aurora boreal (visível no hemisfério norte) e a aurora austral (visível no hemisfério sul).
Billy Teets, diretor do Observatório Dyer na Universidade Vanderbilt, no Tennessee, conta ao Space.com que as cores dependem dos gases. “Algumas das cores dominantes vistas nas auroras são o vermelho, um tom produzido pelas moléculas de nitrogênio, e o verde, que é produzido pelas moléculas de oxigênio.” A coloração esverdeada costuma ser vista ao norte, enquanto no sul as luzes são mais avermelhadas.
Embora os ventos solares alcancem a Terra o tempo todo, sua intensidade varia em ciclos previsíveis de onze anos. No mínimo, o Sol passa por um período de calmaria. Cerca de cinco anos e meio depois, quando a estrela fica mais agitada, ocorre o máximo solar — que estamos vivendo agora.
É por isso que a Estátua da Liberdade recebeu um novo fundo na noite passada. A tempestade solar desta semana foi a mais severa registrada desde maio.
Antes disso, de acordo com a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla do inglês) dos Estados Unidos, tempestades geomagnéticas dessa intensidade (4 em uma escala que vai de 1 a 5) haviam sido registradas apenas em 2005. Ou seja: trata-se de um fenômeno raro.
Esse vento todo sobrecarregou o campo magnético e a atmosfera da Terra. As luzes boreais coloriram os céus de quase todo o hemisfério norte e chegaram até o Caribe — enquanto as austrais foram filmadas na Nova Zelândia, e, inesperadamente, na África do Sul, na Argentina e no Chile.
Se as auroras fizeram caminhos tão atípicos, por que não deu para avistá-las no Brasil?
O primeiro motivo Jorge Ben Jor já cantava: porque você mora num país tropical. Por mais forte que tenha sido a tempestade solar recente, ela só serviu para engrossar o caminho habitual das luzes nos arredores dos polos. O Brasil está muito perto da linha do Equador para ser incluído na faixa fluorescente.
Por aqui, o mais próximo que os avistamentos chegaram foi no Uruguai, em uma cidade a cerca de 100 km do Rio Grande do Sul. Você pode argumentar que a África da Sul se localiza na mesma latitude dos gaúchos — e que, por essa lógica, o extremo sul do país deveria ter tido uma chance de acompanhar o fenômeno.
Acontece que o território brasileiro é duplamente desprivilegiado.
Estamos situados na Anomalia do Atlântico Sul, uma região caracterizada pelo enfraquecimento do campo magnético da Terra. Esse é um pedacinho do planeta pouco propenso a fenômenos como as auroras. Assim, que um evento desse tipo ocorresse no Brasil, seria necessária uma tempestade solar de magnitude excepcional.
“A probabilidade de um evento extremo que comprima o campo magnético a ponto de liberar partículas na atmosfera é extremamente baixa, talvez uma vez a cada mil anos”, afirma Gabriel Hickel, doutor em astrofísica e professor do Instituto de Física e Química da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), para o jornal Valor Econômico.
As tempestades geomagnéticas, embora não sejam diretamente perigosas para os seres humanos, podem causar danos significativos a nossa infraestrutura tecnológica.
Uma das principais preocupações é com as redes de energia elétrica. Tempestades poderosas podem induzir correntes elétricas nas linhas de transmissão, sobrecarregando transformadores e resultando em blecautes, como ocorreu em Quebec, no Canadá, em 1989 — ou no Evento Carrington em 1859, que causou sérios problemas na rede de telégrafos, a tecnologia de telecomunicação mais avançada da época.
Satélites em órbita também são vulneráveis a esses eventos. Um forte episódio solar pode danificar os eletrônicos a bordo, interromper sua comunicação com a Terra e com outros satélites e encurtar a vida útil desses aparelhos.
Na aviação, as tempestades geomagnéticas podem afetar a comunicação via rádio e os sinais de GPS, essenciais para a navegação, especialmente em rotas que cruzam regiões polares, onde os efeitos são mais intensos.
Astronautas e espaçonaves também enfrentam riscos, uma vez que a radiação adicional durante esses eventos pode ser prejudicial tanto para equipamentos quanto para a saúde humana (lá em cima, o campo magnético da Terra não pode nos proteger).